Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Debate sobre OE 2023

Com este orçamento as contas certas são para os grandes grupos económicos com os maiores lucros de sempre

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Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Senhor Primeiro-Ministro, Senhores membros do Governo,

A proposta de Orçamento do Estado que o Governo apresenta para 2023 é um fator de agravamento das desigualdades e das injustiças. Não é um orçamento de confiança no futuro, como diz o Governo, mas um orçamento de comprometimento do futuro.

Se, em relação aos salários e reformas e pensões, o Governo assume a perda de poder de compra e a limitação das funções sociais do Estado, já em relação aos grupos económicos este orçamento abre a porta a escandalosos benefícios fiscais, a uma nova redução do IRC (que beneficia sobretudo as grandes empresas), a novas transferências de recursos públicos que se juntam aos milhares de milhões de euros que, por via do PRR, lhes estão a ser entregues.

Já havia razão para preocupações antigas, face às muitas fragilidades que o País apresenta, seja o seu elevado grau de dependência e atraso económico, os seus crónicos défices estruturais, sejam as profundas e persistentes desigualdades sociais e regionais, os agravados problemas ambientais, a degradação do próprio regime democrático, com a subordinação do poder político ao poder económico. Problemas que continuam, todos eles, a pesar como chumbo na vida nacional.

Agora há razão para preocupações acrescidas. Preocupações que se avolumam a cada dia que passa, com o agravamento das condições de vida da imensa maioria da população.

Mas a proposta de orçamento que o Governo apresenta não é a resposta necessária, nem aos problemas urgentes que os portugueses sentem no dia-a-dia, nem aos problemas estruturais que subsistem no País. 

Há apenas cinco meses, no Orçamento do Estado para este ano de 2022, o Governo fez as suas escolhas. O PCP alertou para a urgência de opções políticas e de medidas concretas e substanciais para responder aos problemas nacionais, a começar pela exigência de aumentos de salários e pensões. Mas o Governo ignorou esses alertas, e manteve o rumo do “seu” orçamento, o tal que proclamou ser “o mais à esquerda de sempre”.

O resultado está à vista.

Os números e as previsões do Governo já foram desmentidos pela realidade este ano. O que os portugueses tiveram foi um aumento brutal do custo de vida, com os salários reais a caírem 2,6 por cento, enquanto o produto interno bruto cresce 6,5 por cento e a produtividade aumenta 4,5 por cento.

Os trabalhadores estiveram (e estão) a criar mais riqueza, e enquanto isso empobrecem, trabalhando. Com este orçamento, sabem que para o ano terão mais do mesmo. Para onde vai o dinheiro? Vai para o saldo orçamental e principalmente para os lucros dos grandes grupos económicos, que aproveitam para ganhar milhões com o sacrifício de quase todos.

Ora, são esses grupos económicos que com este orçamento passam a poder no futuro reduzir drasticamente (ou mesmo anular!) os impostos que têm de pagar, utilizando sem limite temporal o reporte de prejuízos fiscais, entre outros favorecimentos.

Para isso já há dinheiro e o défice não é problema!

Não há problema para aumentar 1,7 mil milhões de euros em aquisições de serviços a privados na saúde, enquanto o investimento público marca passo na execução.

Não há problema com os pagamentos às PPPs no valor de 1,41 mil milhões, mais as centenas de milhões em “reequilíbrios financeiros”, incluindo para a VINCI com os aeroportos.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Com este orçamento, a redução da dívida e do défice faz-se por conta da redução do valor real dos salários, reformas e pensões, pela degradação dos serviços públicos e do investimento, pelo agravamento das injustiças e desigualdades. 

Reafirmamos: havia e há alternativa! A redução da dívida e o equilíbrio orçamental poderiam ser alcançados por medidas de estímulo ao mercado interno, pelo incremento do investimento público, pela aposta na produção nacional, pela redução da dependência externa.

Mas não é esse o caminho que está a ser seguido.

De tantas vezes ouvirmos o refrão das “contas certas” repetido à exaustão, fica a pergunta que tem de ser feita: mas contas certas para quem? 

Para os trabalhadores que se confrontam com a vida cada vez mais cara, com um salário que não dá para a comida e a renda e as faturas para pagar?

Contas certas para os reformados que ficam sem o aumento das pensões que lhes era devido, e que uma e outra vez têm de escolher se o dinheiro vai para comida ou para os medicamentos, quando não basta para uma coisa nem outra?

Contas certas para os jovens que desistem de estudar porque não têm onde ficar e o mais que encontram é uma vaga num beliche a 300 euros?

Não! Com este orçamento e com esta política, as contas certas são antes de mais para os grandes grupos económicos com os maiores lucros de sempre! Preços e especulação sem controlo, lucros e dividendos sem limite, exploração e empobrecimento sem fim à vista.

É esta a opção deste orçamento. Contas certas de milhões para o poder económico – vida incerta para os trabalhadores, os jovens, os reformados!

Ora, o Governo pretendeu apresentar, como uma espécie de prefácio a este orçamento, o acordo assinado com as grandes confederações patronais e UGT, e que reflete a opção de classe do Governo PS. 

Mais do que ouvir o Governo falar do Acordo que foi apresentado, é ouvir o entusiasmo com que os próprios representantes dos grupos económicos o encaram.

A unanimidade dos elogios, desde logo a avaliação positiva do patrão dos patrões da Confederação da Indústria, confirma o que temos afirmado sobre a ação do Governo, cada vez mais inclinado para a direita e dando inquestionável expressão às exigências do grande capital.

Perante estas opções políticas, reclama-se à direita por (ainda!) mais borlas fiscais para o poder económico. De resto, a posição do PSD não se fez esperar – e tentou o mais que pôde para enxertar, no orçamento que aí vem, a discussão sobre o tema dos gasodutos que hão de vir. Não se sabe se é falta de assunto, lá terão as suas razões.

Por parte do PCP, não deixamos nem deixaremos de marcar com a nossa oposição o debate orçamental. Uma oposição que se fará também com propostas que marcam a opção por uma política alternativa e que confrontarão o Governo com as soluções que existem para responder, de facto, aos problemas que atingem os trabalhadores, o povo e o país.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

O País exige medidas de emergência que não podem continuar a ser adiadas, tal como precisa de soluções para os seus crónicos e agravados problemas de fundo, que exige a concretização de uma outra política em rutura com as atuais orientações.

O PCP reafirma que os trabalhadores e o povo português não estão condenados à degradação das condições de vida, ao aumento da exploração e das injustiças sociais, que é necessário e possível construir uma alcançar uma vida melhor, uma sociedade mais justa, um Portugal desenvolvido e soberano.

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