Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Autoriza o Governo, no âmbito da transposição da Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, a proceder à alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras,...

...aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro
(proposta de lei n.º 225/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Em 2008, o mundo foi assolado por uma crise estrutural do capitalismo. A resposta a esta crise foi, ao melhor estilo da ortodoxia neoliberal, uma maciça intervenção dos Estados, destinada a salvaguardar, a todo o custo, os interesses da oligarquia financeira e os seus lucros. A pesada fatura, essa, Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, foi endossada aos trabalhadores e aos povos, traduzindo-se em cortes nos rendimentos, na liquidação de direitos e no ataque às funções sociais do Estado. Empobreceu-se uma imensa maioria para proteger os interesses de uma ínfima minoria.
Apesar de todas as intensas campanhas para culpabilizar os povos pela crise — que entre nós encontrou expressão na mentira, mil vezes repetida, «Os portugueses viveram acima das suas possibilidades!» —, não foi possível esconder a responsabilidade do sistema financeiro pela erupção da crise. Um sistema financeiro envolvido, de forma crescente, em atividades financeiras de natureza especulativa e parasitária, possibilitadas pela cumplicidade ativa de governos mais interessados em servir o grande capital do que em zelar pelos interesses dos seus povos. Tornava-se, assim, necessário mudar alguma coisa para que tudo continuasse na mesma.
Lembramo-nos bem dos inflamados discursos sobre a ganância dos banqueiros e dos especuladores, sobre a necessidade de moralizar o sistema, de acabar com os paraísos fiscais, de implementar um imposto sobre as transações financeiras ou de eliminar os «produtos» financeiros derivados de alto risco. Deste denodado, mas falso, impulso reformador restou apenas o quadro regulamentar de Basileia III, acolhido com bonomia pelos banqueiros, um quadro regulamentar que foi determinado pelo próprio capital financeiro e à exata medida dos seus interesses.
A Diretiva e o Regulamento europeus, que o Governo pretende agora transpor para a ordem jurídica interna, constituem mais um passo no processo de concentração monopolista do setor financeiro à escala europeia. Representam mais uma machadada nas soberanias nacionais e na possibilidade de desenvolver um setor financeiro ao serviço da economia real e das necessidades dos povos.
Criam-se maiores dificuldades, custos e obstáculos aos bancos de pequena escala, ao mutualismo e ao setor cooperativo, promovendo uma ainda maior concentração e centralização da riqueza nos grandes bancos. Sujeita-se todo o setor financeiro às mesmas regras, procurando eliminar aquelas que, em alguns casos, ainda defendiam, ou tinham o potencial para defender, a especificidade nacional de cada país e as necessidades de financiamento da economia real.
Não tenhamos dúvidas, não são medidas como estas que porão cobro à especulação financeira ou que impedirão que o grande capital financeiro continue a parasitar a economia real! O que o País necessita é de um setor financeiro controlado pelo Estado e ao serviço do desenvolvimento económico e social.

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