Exposição de motivos
I - Colocar os lucros da banca a suportar o aumento das taxas de juro
Em Portugal mais de 1 milhão e 300 mil famílias têm empréstimos à habitação e sentem o sufoco provocado pelos aumentos das taxas de juro (o décimo desde julho do ano passado) decretados pelo BCE. São decisões tomadas ao serviço do capital financeiro que se traduz num agravamento da situação do País (sujeito a novas pressões para o seu financiamento), das famílias com crédito à habitação, das pequenas e médias empresas e, sobretudo, do povo português.
A subida das taxas de juro pelo BCE coloca as famílias numa situação aflitiva e os sacrifícios acumulam-se na tentativa de manter a casa e não ter de a entregar ao banco. Estamos perante uma política que agrava injustiças e desigualdades, provocando enormes dificuldades no acesso à habitação, com preços que não são suportáveis pelos baixos rendimentos das famílias.
Ao mesmo tempo as instituições de crédito a operar em Portugal batem todos os recordes de lucro: mais de 11 milhões de euros por dia, com tendência a aumentar. Estes lucros obscenos são alcançados pelos bancos á custa da miséria do povo português através dos aumentos das prestações, mas, também, pela cobrança imparável de taxas e comissões.
A cobrança abusiva de taxas e comissões é um problema mais amplo da atividade bancária que é preciso combater, nomeadamente através do exemplo que deveria ser tomado pela Caixa Geral de Depósitos e por uma atuação decidida do Banco de Portugal. Se esta prática era justificada pela banca como essencial quando as taxas de juro eram muito baixas ou negativas, não há motivo nenhum para prosseguir estas práticas no atual cenário.
Neste contexto, a proposta do PCP propõe a redução em igual valor e proporcional das taxas, comissões e outros custos e encargos face ao aumento das taxas de juro, aliviando as famílias nos encargos suportados coma as prestações de crédito á habitação.
Se os bancos estão a lucrar como nunca, a questão que se impõe é de colocar os lucros da banca a pagar a subida das taxas de juro. A banca deve ser chamada a suportar o aumento das taxas de juro e não a manter este estatuto de privilégio. Importa relembrar que a Constituição consagra o direito de todos à habitação – e não o direito dos bancos a impor a lei do mais forte.
II - Extinguir o “Balcão dos Despejos” e repor o procedimento especial de despejo por via judicial
Na XIII Legislatura foram introduzidas alterações ao Regime de Arrendamento Urbano que permitiram dar maior proteção aos inquilinos e arrendatários. Medidas positivas que mereceram o apoio do PCP porque possibilitam a resolução de problemas concretos, mas que não escondem, nem iludem as injustiças do Novo Regime de Arrendamento Urbano imposto por PSD e CDS, que persistem e a que o PS recusa pôr fim.
Um desses casos é a facilitação dos procedimentos de despejo, através do Balcão Nacional do Arrendamento, agora rebatizado, no âmbito do “Plano Mais Habitação”, Balcão do Arrendatário e do Senhorio, a liberalização dos valores de renda incomportáveis para muitas famílias face aos seus rendimentos, aspetos que condicionam e que precarizam o direito à habitação.
A manutenção e o reforço operado pelo PS, com o apoio de PSD, IL e CH, do “Balcão dos Despejos”, na lei, demonstra, por um lado, que se podia ter ido mais longe nas anteriores legislaturas e só não foi porque o PS não quis. Na verdade, que a maioria absoluta do PS serve apenas para desenvolver e aplicar a política desastrosa que o PSD e o CDS abriram. A realidade e o drama por que passam milhares de famílias no nosso país demonstra que é necessário remover da lei os mecanismos de facilitação do despejo.
O agora chamado Balcão do Arrendatário e do Senhorio não é mais do que um balcão dos despejos, tem como única atividade o despejo facilitado. De facto, não estamos perante um instrumento que promove o acesso à habitação, mas sim o despejo das famílias.
Muitas vezes, os partidos da política de direita, procuram transmitir uma ideia errada sobre os inquilinos, como se entrassem em incumprimento levianamente. Sabemos que num quadro de dificuldades económicos de muitas famílias, tudo fazem para não deixar de pagar a renda e quando isso ocorre é porque não tiveram outra hipótese, por vezes num contexto de perda de rendimentos porque alguém do agregado familiar ficou desempregado, ou devido a alterações da composição do agregado familiar. Mas o balcão dos despejos ignora tudo isto, sem sequer perceber quais as razões que levaram as famílias a entrar em incumprimento.
Nunca faltou a proposta do PCP para pôr fim a um instrumento injusto e que tem como único objetivo tirar a habitação às famílias, o balcão dos despejos, o que houve foi uma opção política de PS, PSD, CDS, IL e Chega de manter e alargar, na lei, um mecanismo que desprotege os inquilinos, beneficia os grandes proprietários e coloca em causa o direito à habitação.
Há famílias inteiras que vivem na incerteza e com medo dos aumentos das rendas e com a iminência de serem despejadas da habitação e de não terem condições económicas que permitam suportar os elevados custos com a habitação.
Entendemos que a solução definitiva para pôr fim às injustiças e desigualdades que persistem e que resultam de uma errada conceção do regime de arrendamento urbano passa, naturalmente pela criação de um novo modelo assente numa perspetiva de salvaguardar o direito à habitação e simultaneamente promover a reabilitação urbana e a dinamização das vilas e cidades, permitindo a fixação de novas pessoas nos centros das localidades. No entanto face à necessidade de impedir que haja mais famílias despejadas por via administrativa e à urgência de proteger os inquilinos e arrendatários, o Grupo Parlamentar do PCP propõe no imediato a extinção do Balcão do Arrendatário e do Senhorio e a tramitação do procedimento especial de despejo por via judicial, de onde nunca deveria ter saído. Pretendemos resolver um problema concreto muito sentido pelos inquilinos e arrendatários, sem perder de vista a necessidade de uma intervenção mais profunda que devolva estabilidade ao arrendamento urbano.
III - Revogação imediata dos privilégios constantes do regime de atribuição de “Vistos Gold” e do Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais
O fim do regime fiscal de privilégio na tributação dos chamados residentes não habituais no final de 2023, anunciado pelo Governo PS, não elimina de imediato os privilégios concedidos indevidamente, que são atribuídos por 10 anos, mantendo a tributação mais vantajosa a estes cidadãos no futuro, conforme consta da Proposta de Orçamento do Estado para 2024 entregue pelo Governo à Assembleia da República, à semelhança do que fez ao manter o regime de atribuição de “Vistos Gold” aquando da discussão parlamentar do chamado “Programa Mais Habitação”,
O Governo PS concluiu, com 14 anos de atraso, após milhares de milhões de euros perdidos e depois de rejeitar sucessivas propostas de revogação deste regime apresentadas pelo PCP, que este mecanismo de tributação paralelo não serve, mas revela-se politicamente incapaz de lhe pôr termo imediatamente- é grande o seu compromisso com a política de direita.
Mais, a forma como o Governo deixa passar propositadamente o tempo entre o anúncio do fim dos regimes e a efetiva aplicação da lei promoveu e promove uma “corrida” de novos candidatos a beneficiários, que contrasta, por exemplo, com a decisão imediata de suspensão da emissão de certificados de aforro de série E em junho deste ano, em benefício da Banca e em prejuízo dos pequenos aforradores.
O regime fiscal dos residentes não habituais é um regime de tributação paralelo, profundamente injusto, que beneficia de forma injustificada cidadãos estrangeiros com rendimentos muito acima da média nacional e que se tem revelado um mecanismo gigantesco de sonegação de receitas legítimas do Estado português e um fator de pressão nos preços do mercado de habitação onde os salários e as pensões de miséria dos trabalhadores e do povo português não conseguem concorrer. Pôr-lhe fim não se trata de aumentar impostos, trata-se de promover justiça fiscal e conter os efeitos de mais de uma década de promoção de uma medida errada.
Só no ano de 2022, segundo o relatório da “Despesa Fiscal 2022” o custo deste privilégio fiscal foi de 1507,9 milhões de euros. É inaceitável que esta sangria continue!
Nos anos de 2020, 2021 e 2022 o Estado privou-se neste privilégio de 3751,9 milhões de euros que poderiam ser justamente utilizados na concretização de decididas políticas de aumento e requalificação do parque público de habitação.
Bastava acabar com o privilégio, foram apenas as opções políticas do PS e dos seus Governos que o impediram.
O PCP sempre se opôs, igualmente, ao regime de autorização de residência para atividade de investimento, os chamados “Vistos Gold”, introduzidos pela Lei n.º 29/2012, de 9 de março. Esta Lei transpôs para a ordem jurídica nacional um regime profundamente injusto e bem demonstrativo dos valores das instituições da União Europeia. Criou-se, assim, um regime de compra e venda de autorizações de residência e de livre circulação no espaço Schengen, bastando a investidores nacionais de Estados terceiros o preenchimento de um conjunto de requisitos para podem obter a Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI) no nosso País através, por exemplo, de uma transferência de capital para um banco com sede em Portugal para a criação de postos de trabalho ou para a compra de um imóvel. Este último foi, e continua sendo, o meio mais usado, bastando para isso um contrato de compra e venda e o valor do imóvel depositado. O critério para o acesso a autorização de residência, e por essa via à aquisição de nacionalidade por via de naturalização, não pode ser o de ter capital.
Na verdade, todos os objetivos maiores da consagração destes mecanismos saíram gorados e continuam por demonstrar os benefícios para a economia nacional diretamente ligados à mais baixa tributação de rendimentos. Quase não houve investimento produtivo ou gerador de postos de trabalho e ao invés, há uma clara contribuição para a especulação imobiliária e para a criação de dificuldades no mercado do arrendamento para habitação.
As autorizações de residência em Portugal não devem ser objeto de comercialização. Quem reside e trabalha em Portugal, seja investidor ou não, deve poder legalizar a sua situação e obter autorização de residência e pagar impostos como os todos os outros cidadãos.
As consequências do método mercantil de obtenção de Autorização de Residência através da compra de imóveis em território nacional e o regime de privilégio fiscal de tributação dos rendimentos dos chamados residentes não habituais foram exponenciadas pela infame “Lei dos Despejos” e deram um contributo assinalável ao aumento da especulação imobiliária que nega a milhares de famílias o direito constitucional a uma habitação condigna. Os efeitos perversos destes regimes são inegáveis e, num momento em que o País está a braços com uma verdadeira emergência social no sector da habitação e de outros serviços públicos é hora de se pôr um fim imediato e definitivo a estes benefícios e abrir caminho a outra política que defenda os interesses e direitos dos trabalhadores e outras camadas populares.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede:
- À redução de taxas e comissões cobradas pela Banca no crédito à habitação;
- À extinção do Balcão do Arrendatário e do Senhorio e reposição do procedimento especial de despejo por via judicial;
- À cessação imediata dos benefícios previstos no regime de autorização de residência para atividade de investimento aos nacionais de Estados terceiros, para efeitos de exercício pessoal ou através de uma sociedade;
- À cessação imediata dos benefícios fiscais constantes do regime fiscal dos residentes não habituais.
Artigo 2.º
Definições
Para os efeitos da presente lei entende-se por:
- «Crédito à habitação» os contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de crédito à habitação destinado à aquisição, construção ou realização de obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação de habitação própria permanente;
- «Outros custos e encargos com o crédito» os custos e encargos que concorrem para a formação da Taxa Anual Efetiva Global (TAEG), acrescendo à Taxa Anual Nominal (TAN), sejam fixos ou variáveis, pagos de uma única vez ou em prestações periódicas, designadamente:
- Taxas e comissões bancárias de abertura do processo de crédito, de avaliação do imóvel, de manutenção de conta ou outras associadas ao processo de contratação do crédito;
- Prémios de seguros associados;
- Custos e encargos associados a vendas de produtos e serviços associadas ao contrato de crédito que constituam condição de redução do spread ou outro tipo de bonificação das condições contratuais;
- «Comissões» as prestações pecuniárias exigíveis pelas instituições de crédito aos clientes como retribuição por serviços prestados, diretamente ou através de terceiros, no âmbito da sua atividade;
Artigo 3.º
Redução de taxas, comissões bancárias e outros custos e encargos
- O aumento das taxas Euribor relevantes para efeitos do crédito à habitação determina a redução correspondente, de igual valor e proporcional dos outros custos e encargos com o crédito, de forma que não seja ultrapassado o valor da Taxa Anual Efetiva Global (TAEG) fixado no início do contrato.
- A identificação dos custos e encargos previstos no número anterior é feita a partir dos elementos constantes da Ficha de Informação Normalizada Europeia e do contrato de mútuo.
- Para efeitos do disposto no n.º 1 o valor do montante de redução é apurado com base no valor da taxa Euribor registada em junho de 2022.
- O disposto no presente artigo é imperativo para todas as instituições de crédito mutuantes.
Artigo 4.º
Procedimento Especial de Despejo
O procedimento especial de despejo prossegue a via judicial prevista nos termos da lei geral.
Artigo 5.º
Contratos em regime vinculativo ou de perpetuidade
Aos contratos de arrendamento já existentes à entrada em vigor do NRAU e que se mantenham em regime vinculativo ou de perpetuidade, não lhes são aplicáveis as normas do NRAU.
Artigo 6.º
Extinção do Balcão do Arrendatário e do Senhorio
São revogados os artigos 15.º a 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação atual.
Artigo 7.º
Revogação do regime fiscal dos residentes não habituais
São revogados os n.º 9 a 12 do artigo 16.º, o n.º 10 do artigo 72.º, os n.º 4, 5, 7 e 8 do artigo 81.º; o n.º 8 do artigo 99.º e a alínea d) do n.º1 do artigo 101.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro.
Artigo 8.º
Revogação das autorizações de residência para atividade de investimento
São revogados:
- A alínea d), do n.º 1 e os n.ºs 2 a 5 do artigo 3.º, o artigo 90.º-A e a alínea r), do n.º 1 do artigo 122.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual.
- Os artigos 61.º e 65.º a 65.º-K do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de novembro;
Artigo 9.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.