O Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia, reunido em Bruxelas, aprecia desde ontem as propostas de alteração do projecto de «revisão intercalar da PAC», apresentadas pela Comissão Europeia. A avaliação sintética das novas propostas do Comissário Fischler é fácil de fazer: de mal a pior! E não se sabe o que mais admirar. Se a desfaçatez de quem andou a passear pela União Europeia, pretensamente para ouvir os agricultores e, num notável exercício de autismo, nada ouviu das críticas que, consensualmente, foram avançadas contra o seu projecto apresentado em Julho de 2002. Se a desfaçatez com que se apresentam alterações que agravam o que já era muito mau!
Na base dos mesmos argumentos fraudulentos que sustentavam o projecto de Julho – a defesa do ambiente e dos interesses dos países menos desenvolvidos do planeta – procura responder-se ao que, desde o início deste processo de revisão da PAC, são os reais motivos para a revisão: a realização de novas poupanças para «acomodar», na União Europeia os países do alargamento, facilitar as suas posições a favor da total liberalização do comércio de produtos agrícolas nas negociações em curso da Organização Mundial do Comércio (OMC), para maior glória dos lucros das transnacionais da agro-indústria, da grande distribuição, do comércio internacional e dos interesses dos proprietários de grandes patrimónios fundiários, dos grande agricultores e das grandes potências agrícolas da União Europeia. Mantém-se a discriminação negativa dos produtos mediterrânicos, sem ajudas ao rendimento ou mecanismos adequados para regularizar os seus mercados. Resultado de uma negociação da Política Agrícola Comum que segmenta a reforma das Organizações Comuns de Mercado (OCM) – agora, quando se decide da redistribuição das verbas disponíveis, reformam-se as OCM das produções predominantes nos países do Norte (cereais, carne de bovino, leite, batata para fécula, etc.), para o ano (ou quando calhar) as OCM dos produtos típicos do Sul (azeite, algodão, tabaco, frutas e hortícolas, vinho, etc.). Sublinhe-se, assume-se descaradamente a ajuda ao rendimento da batata para fécula, mantém-se sem OCM nem qualquer ajuda, a batata para consumo tal e qual! Acrescentam-se novas baixas de preços à produção (leite), em simultâneo com novas reduções do nível das ajudas directas ao rendimento, e fim de mecanismos de intervenção (centeio). Insiste-se no desligamento das ajudas directas ao rendimento das respectivas produções, e agrava-se a situação, ao transformá-las em «direitos de ajudas» transaccionáveis entre exploração, acompanhada ou não de transacção da terra!!! Põe-se fim ao «plafonamento» (tecto) admitido, ainda que de forma insuficiente, em Julho, que procurava limitar, mesmo que timidamente, a concentração das ajudas nas grandes explorações, e mantém-se um simulacro de «modulação», para disfarçar um corte quase cego de ajudas (pouco adequado à dimensão e diversidade das explorações) para realizar poupanças. Reduz-se a parte dessas poupanças destinadas ao Desenvolvimento Rural, o que tem consequências directas para Portugal. Repete-se o cálculo das ajudas directas ao rendimento a partir de referenciais históricos de produção, perpetuando-se a inaceitável, injusta e desigual distribuição dos dinheiros comunitários agrícolas entre produções, agriculturas e países. Ficam, mais uma vez, os rendimentos dos agricultores portugueses amarrados ao atraso da sua agricultura e, mais uma vez, um maná comunitário vai favorecer os grandes proprietários do Sul do País.
É ainda mais claro agora, face ao encaixe das propostas e alterações do Comissário Fischler «no quadro financeiro das despesas agrícolas até 2013», decidido pela Cimeira de Bruxelas em Outubro último, a risível encenação de preocupações e reclamações do Governo português para uso interno em mediática cruzada em defesa da agricultura nacional. Quem aprovou, como o fez o Governo, o primeiro-ministro Durão Barroso e o ministro dos Negócios Estrangeiros, as conclusões de Bruxelas, de congelamento das despesas agrícolas no contexto do alargamento a dez novos países, deve agora assumir o ónus político das suas consequências. Espera o PCP, apesar disso, que a dureza verbal e a elevada parada do sr. ministro da Agricultura, jogando a ratificação do processo de alargamento na Assembleia da República versus resposta aos problemas da agricultura portuguesa, não seja mais teatro para disfarçar a completa subserviência face aos ditames de Bruxelas. Mas não é bom augúrio, para a defesa da tão nomeada «especificidade portuguesa», que com o projecto e as alterações agora apresentadas de revisão da PAC, Portugal continue a ser o país (com excepção do Luxemburgo) que menos «ajudas directas» receberá no período 2004/2013, com o aumento dessas ajudas a crescer em Portugal abaixo da média comunitária e da generalidade dos países do Norte da Europa! Anote-se a continuidade e coerência das posições de destacados quadros do PS – depois do ex-ministro Capoulas Santos, foi agora a vez do ex-secretário de Estado Vítor Barros – (e que se julga enunciarem as posições oficiais do PS) às propostas do sr. Fischler, conseguindo ver o que ninguém vê: «mais os aspectos “muito positivos” na proposta da Comissão do que os negativos», agradavelmente conformados com a situação de profunda desigualdade e injustiça em que se encontram a agricultura e os agricultores portugueses face aos seus congéneres europeus.
O PCP continuará, em coerência com as posições há muito assumidas, a defender, na Assembleia da República, no Parlamento Europeu e na sua intervenção política quotidiana, uma profunda reforma da PAC. Uma reforma da PAC que tenha, naturalmente, em conta a dimensão ambiental da agricultura e a necessária solidariedade da União Europeia com os países e os povos a braços com problemas de subdesenvolvimento e carências alimentares. Uma reforma da PAC que privilegie a defesa da segurança e da soberania alimentares – o direito a produzir para uma maior cobertura das necessidades nacionais – a manutenção de uma rede densa de pequenas e médias explorações, os rendimentos da agricultura familiar e especificidades agrícolas dos diversos Estados membros e, em particular, a resposta à necessidade de promover e desenvolver os produtos mediterrânicos, um justo reequilíbrio das ajudas agrícolas entre países, produções e produtores, a coesão económica e social dos países e da União Europeia.