Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Alterações ao Código Civil, ao Código Penal, à eleição do Presidente da República, à Lei Eleitoral para a Assembleia da República, à eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, e ao Regime Jurídico do Referendo Local

(projetos de lei n.os 61/XIII/1.ª, 62/XIII/1.ª e 63/XIII/1.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim,

Estas iniciativas podem legitimamente ser vistas como um rebate de consciência do PSD e do CDS relativamente à forma como os idosos, enquanto uma parte da população especialmente vulnerável, foram agredidos, nos últimos quatro anos, pelas políticas do Governo do PSD e do CDS.

E podemos colocar duas questões. Em primeiro lugar, porque é que só para além da última hora é que os senhores se lembraram dos idosos? Ou seja, os idosos apareceram no discurso do PSD e do CDS para efeitos de campanha eleitoral, quando, antes disso, se limitaram a prejudicar os idosos nos seus direitos sociais e nas suas condições de vida, negando, a muitos deles, as mais elementares condições para uma vida digna e depois fizeram o programa eleitoral e apareceram, já depois da hora, ou seja, na Legislatura seguinte, a apresentar iniciativas legislativas nesse sentido.

Mas, Sr. Deputado, relativamente às iniciativas legislativas, há um vezo incriminador que é muito típico da direita portuguesa, mas que não pode deixar de nos chocar. No fundo, os senhores, em relação a uma das normas concretas que aqui propõem, que é a criminalização do abandono de pessoa idosa em hospitais, o que aqui pretendem fazer é criminalizar as famílias sem recursos. Efetivamente, este problema, do nosso ponto de vista, não é resolúvel por via da criminalização das famílias sem recursos para cuidar dos seus idosos, mas através da criação de condições para que esses idosos possam ter instituições onde, para além dos hospitais, possam ser tratados.

Ora, os senhores vão pelo caminho aparentemente mais fácil, isto é, o de criminalizar as famílias que não tenham forma de cuidar dos seus idosos.
Mas a questão que queria colocar-lhe é esta: qual é o bem jurídico que se procura aqui salvaguardar? Uma família que não tenha recursos para cuidar do seu idoso e que não tenha condições para, retirando-o do hospital, o colocar noutra instituição, a criminalização dessa família é suscetível de quê? É suscetível de colocar o idoso numa situação de maior abandono ainda do que aquele em que ele pudesse ficar no hospital.

Admitimos que os hospitais não tenham essa possibilidade, essa vocação. Mas, então, tem de se encontrar forma de esses idosos serem devidamente cuidados pelo Estado português…

Sr. Presidente, houve aqui uma vozearia que eu próprio nem me conseguia ouvir!

Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim, qual é o bem jurídico que se visa salvaguardar quando, com esta norma, se pode provocar uma situação muito pior de abandono do idoso do que aquela que se verifica? Gostaria que o Sr. Deputado fosse claro a esse respeito.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Creio que valeria a pena, relativamente ao conteúdo das iniciativas aqui em debate, distinguir duas coisas. A primeira tem a ver com as exposições que são propostas em matéria de alterações ao Código Civil e as daí decorrentes nas leis eleitorais no que se refere à matéria das incapacidades, que são matérias cuja discussão é pertinente. Não negamos a pertinência da necessidade de ser bem ponderada uma atualização das disposições da lei civil portuguesa que supere a rigidez com que está estabelecida, desde os anos 60, a matéria relativa às interdições e às inabilitações, e que admitimos se revele pouco adequada relativamente a uma necessidade de flexibilização da definição das capacidades de exercício das pessoas relativamente ao grau de incapacidade que possam manifestar. Portanto, a discussão desta matéria é pertinente, e nós não a recusamos.

Questão muito diferente tem a ver com o projeto de lei que aqui é apresentado relativo a matéria penal, visando aditar a criminalização de uma série de comportamentos à legislação penal que já existe.

Dir-se-á que este projeto de lei, paradoxalmente, tem até um mérito no seu preâmbulo, que é o de toda a sua primeira parte referir a desnecessidade do próprio projeto de lei ao mencionar que aquilo cuja criminalização se propõe está, no essencial, previsto em matéria da criminalização de maus tratos, da criminalização de abandono, enfim, uma série de negação de auxílio. Ou seja, aqueles tipos criminais já existem.

O que no essencial este projeto de lei visa é resolver problemas de natureza social por via da criminalização das famílias e, particularmente, das famílias de menores recursos. E é essa a questão fundamental que aqui se coloca.

Dizia o Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim que esta é uma forma de demonstrar quem está com os idosos e quem está contra os idosos. Sr. Deputado, essa é uma forma completamente enviesada de colocar a questão. Se querem colocar a questão nesse ponto, então também dizemos que os senhores se querem esconder por detrás da criminalização para não fazerem o que é necessário fazer, que é garantir aos idosos condições de apoio social que lhes permita ter uma vida digna e para que não sejam efetivamente abandonados. Essa é que é a questão.

O PSD e o CDS, quando foram Governo, estiveram sempre manifestamente contra os idosos e agora procuram aliviar a consciência, não protegendo os idosos, mas procurando criminalizar as famílias, e esse é um caminho que nós recusamos.

Do nosso ponto de vista, este projeto de lei que visa alterações ao Código Penal é, pois, inaceitável e não pode, de maneira nenhuma, ter a nossa concordância.

  • Justiça
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • Alterações ao Código Civil
  • Código Penal
  • eleição do Presidente da República
  • eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais
  • Lei Eleitoral para a Assembleia da República
  • Regime Jurídico do Referendo Local