Exposição de motivos
A carência de habitação das famílias portuguesas a viver em condições de alojamento indigno ascende a mais de cem mil, a que há a acrescentar os milhares de jovens que não conseguem ter acesso a habitação e todos os que, mercê da desregulamentação do mercado de arrendamento ou do aumento das taxas de juro, correm o risco de perder a casa.
Isto, num quadro em que avultam problemas mais profundos da sociedade portuguesa, desde logo a precariedade e os baixos salários e pensões. Portugal é o país da OCDE, onde a relação entre a subida dos preços da habitação com o aumento dos salários é a mais díspar.
A Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto (“novo regime do arrendamento urbano”), que ficou até hoje conhecida como “Lei dos Despejos”, veio trazer múltiplos fatores de injustiça, arbitrariedade, conflitualidade ao arrendamento e continua a motivar profundas preocupações e problemas neste setor da vida do país.
O regime em vigor suscita preocupações e oposição, não apenas entre os inquilinos, mas também entre todos aqueles que se preocupam em responder ao imperativo constitucional de garantir que todos os portugueses tenham “direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (artigo 65.º da Constituição da República).
É um facto que pequenas alterações que já foram introduzidas nos últimos anos permitiram atenuar alguns dos seus efeitos, mas a atual crise da habitação põe em evidência que é necessário ir mais fundo e por isso é necessária uma nova legislação do arrendamento urbano que inclua muita da regulamentação da Lei de Bases da Habitação.
A habitação não deve ser uma mercadoria e tem uma finalidade concreta e especial e é a resposta a uma necessidade humana essencial.
Para concretizar o anteriormente referido, deve ser implementado um conjunto de medidas imediatas que respondam à agudização da crise habitacional garantindo a defesa do direito à habitação, o que exige:
A habitação não deve ser uma mercadoria e tem uma finalidade concreta e especial e é a resposta a uma necessidade humana essencial. Para concretizar o anteriormente referido, deve ser implementado um conjunto de medidas imediatas que respondam à agudização da crise habitacional garantindo a defesa do direito à habitação, incluindo:
Extinguir o Balcão do Arrendamento, vulgo “balcão dos despejos”;
Salvaguardar situações dramáticas criadas com a morte do arrendatário (primitivo ou cônjuge) por levar à caducidade do contrato, defendendo o interesse de filhos ou incapazes residentes com o dever legal de assistência;
Dar garantias de acompanhamento social nas situações de despejo e garantir a suspensão dos despejos, sempre que se verifique grave risco social, até que seja encontrada solução alternativa;
Obstar à caducidade do contrato de arrendamento pelo facto de ter sido celebrado com usufrutuário, representante legal, cabeça de casal de herança, tutor, curador, ou figura similar ou, ainda, com base num direito temporário ou em administração de bens alheios;
Impedir a recusa, aquando do final do contrato, da devolução das quantias entregues a título de caução;
Defender a estabilidade e a segurança do contrato ainda que celebrado a prazo certo, fixando-se uma duração inicial de 10 anos, com renovações automáticas mínimas de 3 anos se nenhuma das partes manifestar a sua oposição na forma e prazo consignado na Lei;
Tornar claro que, se o senhorio não pretender manter o contrato, deve utilizar, única e especificamente, a faculdade conferida por Lei que é a de comunicar ao arrendatário, no tempo e pela forma consignada, a sua oposição à renovação, eliminando a expressão “Salvo estipulação em contrário…”.
Neste contexto, o PCP propõe com a presente iniciativa legislativa um importante e amplo conjunto de alterações aos principais instrumentos que, ao nível do arrendamento urbano, têm contribuído para a degradação das condições de vida de milhares de famílias portuguesas.
Assim, com este Projeto de Lei propomos alterações cirúrgicas ao Código Civil, ao Novo Regime de Arrendamento Urbano e ao Regime de Celebração de Contrato de Arrendamento Urbano.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Alterações ao Código Civil
Os artigos 1051.º, 1076.º, 1081.º, 1094.º, 1096.º, 1097.º, 1098.º, 1102.º e 1103.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 1051º
Casos de caducidade
- [Atual corpo do artigo].
- No arrendamento urbano, o contrato não caduca pela verificação dos factos previstos na alínea c) do número anterior se o arrendatário, no prazo de seis meses após tomar conhecimento, comunicar ao senhorio por carta registada com aviso de receção, que pretende manter a sua posição contratual.
Artigo 1076.º
Pagamento de renda e antecipação de rendas
- O pagamento da renda é efetuado por transferência ou depósito bancário na conta do senhorio.
- O pagamento da renda pode ser antecipado por período não superior a três meses desde que a respetiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato assinado pelas partes.
- As partem podem caucionar, por qualquer das formas legalmente previstas, o cumprimento das obrigações respetivas, no limite máximo de uma renda.
- No caso da situação prevista do número anterior, a devolução tem de ocorrer até à data da desocupação e entrega do local e constar de documento escrito e assinado pelas partes.
Artigo 1081.º
Efeitos da cessação
- […].
- […].
- […].
- Na falta de acordo, o horário é, nos dias úteis, das 18 horas às 19 horas e 30 minutos e, aos sábados das 17 horas às 18 horas e 30 minutos.
Artigo 1094.º
Tipos de contratos
- […].
- […].
- No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período inicial de dez anos, e renovação automática no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos se não for impedida a renovação por qualquer das partes nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 1096.º
Renovação automática
- O contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se este for inferior sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- […].
- […].
Artigo 1097.º
Oposição à renovação deduzida pelo senhorio
- […].
- […].
- […].
- Revogado.
Artigo 1098.º
(Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário)
- […].
- […].
- Sem prejuízo do número seguinte, decorrido um décimo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:
- […];
- […].
- […].
- […].
- A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa com quem este viva em economia comum há mais de um ano ou da verificação de situação derivada do regime excecional de moratória no pagamento das rendas constante de diploma próprio.
Artigo 1102.º
(Denúncia para habitação)
- O direito de denúncia para habitação do senhorio depende do pagamento do montante equivalente a dois anos e meio de renda e da verificação dos seguintes requisitos:
- Ser o senhorio proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio há mais de cinco anos ou, independentemente deste prazo, se o tiver adquirido por sucessão;
- não ter o senhorio, há mais de cinco anos, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto resto do país, casa própria ou arrendada que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1.º grau;
- não ter ainda usado esta faculdade.
- […].
- […].
- O senhorio que tiver diversos prédios arrendados só pode denunciar o contrato relativamente àquele que, satisfazendo as necessidades de habitação própria da família, esteja arrendado há menos tempo.
Artigo 1103.º
(Denúncia justificada)
- […].
- […]:
- […];
- […];
- comprovativo de que com o procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efetuar no locado foi indicada a situação do arrendamento existente.
- […].
- […].
- […].
- […].
- […].
- […].
- […].
- […].
- […].»
Artigo 2.º
Alterações ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU
)
Os artigos 14.º-A e 57.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 14.º-A
(Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas)
- O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário, salvo discordância das partes quanto aos valores.
- […].
Artigo 57.º
(Transmissão por morte)
- O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou do cônjuge sobrevivo quando lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento, se lhe sobreviver:
- […];
- […];
- […];
- […];
- […];
- […].
- […].
- […].
- […].
- […].
- […].»
Artigo 3.º
Aditamento ao Novo Regime do Arrendamento Urbano
São aditados ao Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação atual, os artigos 14.ª-B e o 34.º-A com a seguinte redação:
«Artigo 14.º-B
Apoio e proteção nas situações do procedimento de despejo
- A notificação de procedimento de despejo deve conter informação concreta relativa aos serviços públicos a quem o arrendatário se possa dirigir caso não tenha alternativa de habitação.
- Os serviços de segurança social que acompanham o procedimento de despejo mantêm, até ao final do processo, ligação com o tribunal e com o agente de execução, com obrigatoriedade de elaboração de relatório sobre a situação social do arrendatário.
- Constitui motivo de suspensão excecional do processo de despejo a conclusão, no relatório previsto no número anterior, da situação de fragilidade por falta de alternativa habitacional ou outra razão social imperiosa do arrendatário.
Artigo 34.º A
Novos Contratos
Aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e que tenham transitado para o NRAU, cujo arrendatário, à data da entrada em vigor da presente lei, resida há mais de 20 anos no locado e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 %, o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil havendo lugar à atualização ordinária da renda, nos termos gerais.»
Artigo 4.º
Alterações ao regime de celebração do contrato de arrendamento urbano
Os artigos 2.º e 3.º do Regime de celebração do contrato de arrendamento urbano aprovado pelo Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto, republicado pelo Decreto-lei n.º 266-C/2012, de 31 de dezembro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 2.º
Conteúdo necessário
Do contrato de arrendamento urbano deve constar:
- […];
- […];
- […];
- […];
- […];
- […];
- […];
- a natureza do direito do locador, sempre que o contrato seja celebrado com base num direito temporário ou em poderes de administração de bens alheios.
Artigo 3.º
Conteúdo eventual
- O contrato de arrendamento urbano deve mencionar, quando aplicável:
- […];
- revogado.
- […];
- […];
- […];
- […];
- […];
- […].
- […].»
Artigo 7.º
Norma revogatória
São revogados os artigos 15.º a 15.º-S do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação atual.