Projecto de Lei N.º 546/XVI/1.ª

Altera o regime da instrução constante do Código de Processo Penal ...

... aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro

Exposição de motivos

No Programa Eleitoral com que se apresentou às eleições de 2024 para a Assembleia da República o PCP comprometeu-se a propor medidas “que permitam a diminuição da morosidade dos processos judiciais, sobretudo os processos relativos à criminalidade grave, combatendo designadamente as possibilidades de recurso a expedientes dilatórios e reconfigurando a fase da instrução de forma a evitar que se transforme numa espécie de pré-julgamento”.

Na verdade, uma das questões que maior perplexidade tem criado entre os cidadãos quanto ao funcionamento da Justiça, particularmente quando se trata de processos relacionados com a corrupção, a criminalidade económica e financeira ou que envolvam arguidos com notoriedade pública, é o excessivo arrastamento no tempo das fases de inquérito e instrução dos processos.

Várias personalidades com elevadas responsabilidades no funcionamento da Justiça se têm referido a este problema, invocando o excesso de possibilidades existentes de apresentação de recursos meramente dilatórios e o facto da fase de instrução, nos termos em que hoje está regulada no Código de Processo Penal, se transformar numa espécie de pré-julgamento, criando frequentemente na opinião pública a convicção de se tratar verdadeiramente de um julgamento, quando na verdade se trata apenas de uma fase processual onde se decide se o julgamento vai, ou não, ter lugar, e em caso afirmativo, em que termos.

Entretanto, é na fase de instrução criminal, prevista no artigo 286º e seguintes do Código de Processo Penal, que ocorre a maior parte dos entraves e subterfúgios, seja por via da intervenção excedentária do juiz, como se nesta fase fosse julgador ou investigador, seja por via do uso de estratagemas jurídicos usados pelos advogados em defesa dos seus constituintes, concorrendo nesta altura com elementos factuais que bem podiam ter exibido na fase de inquérito ou apresentando recursos sobre despachos do juiz, que a lei permite, mas que só contribuem para o atraso do processo.

A Constituição, no nº 4 do seu artigo 32º, estatui que “toda a instrução é de competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática de atos instrutórios, que não se prendam diretamente com os direitos fundamentais”. É a consagração da figura de juiz de liberdades.

O direito dos arguidos a um julgamento justo, que a Constituição impõe, determina a garantia de uma investigação feita por um Ministério Público autónomo e a defesa dos direitos fundamentais assegurada pelo juiz de liberdades.

A intervenção de um juiz de instrução tem todo o sentido na fase processual do Inquérito. Esta fase, dirigida pelo Ministério Público coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal, implica procedimentos que se intrometem com os direitos, liberdades e garantias do arguido enquanto cidadão, constitucionalmente garantidos, sendo por isso lógico que a sua observância esteja a cargo de um juiz.

Assim, na fase de inquérito, medidas pretendidas pelo Ministério Público que tenham implicações em matéria de direitos fundamentais dos arguidos, como a aplicação de medidas de coação, a determinação de buscas domiciliárias ou a interseção de comunicações, devem ser autorizadas por um juiz de instrução.

Findo o inquérito e deduzida a acusação, a fase de instrução, facultativa, deve servir para o caso em que o arguido invoque, e submeta ao juiz, violações dos seus direitos fundamentais no âmbito do inquérito, em ordem à validade ou anulação de atos processuais ou elementos probatórios a levar para julgamento.

Ao assistente ou ao ofendido com a faculdade de se constituir assistente, deve ser também concedida a possibilidade de requerer a instrução relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tenha deduzido acusação e o procedimento não dependa de acusação particular.

O juiz determina as diligências que considere necessárias e marca o debate instrutório que dirige e que deve ter um caráter célere, ouvindo as partes envolvidas sobre as questões submetidas, e profere decisão instrutória. Com o despacho de pronúncia, que é irrecorrível, os autos são remetidos para julgamento.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei tem por objeto a definição da finalidade e do âmbito do debate instrutório no processo penal, procedendo à alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.

Artigo 2.º

Alteração ao Código de Processo Penal

Os artigos 286.º e 287.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 286.º

Finalidade e âmbito da instrução

  1. A instrução, sob a direção de um juiz, visa a comprovação da salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias no processo de inquérito.
  2. (…).
  3. (…).

Artigo 287.º

Abertura da instrução

  1. A instrução pode ser requerida no prazo de 10 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
    1. pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou
    2. pelo assistente ou pelo ofendido com a faculdade de se constituir assistente se o procedimento não depender de acusação particular relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
  2. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, deve conter sumariamente as razões de facto e de direito em que se baseia e só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
  3. A instrução requerida pelo arguido visa apenas os atos do inquérito onde demonstre terem sido violados os seus direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos.
  4. No despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado.
  5. As regras de competência relativas ao tribunal são correspondentemente aplicáveis ao juiz de instrução.
  6. Quando a competência para a instrução pertencer ao Supremo Tribunal de Justiça ou à relação, o instrutor é designado, por sorteio, de entre os juízes da secção e fica impedido de intervir nos subsequentes atos do processo.
  7. O despacho de abertura da instrução é notificado ao Ministério Público, ao assistente, ao arguido e ao seu defensor no prazo de 48 horas.
  8. É aplicável o disposto no n.º 14 do artigo 113.»

Artigo 3.º

Aditamento ao Código de Processo Penal

São aditados ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, os artigos 287.ºA, 287.º B e o n.º 6 do artigo 307.º com a seguinte redação:

«Artigo 287.º-A

Diligências no processo de instrução

  1. O juiz aprecia as questões suscitadas pelo arguido num prazo não superior a 10 dias, após o que profere despacho designando a data para o debate instrutório, a realizar no prazo máximo de 20 dias.
  2. É aplicável o disposto no artigo 312º, nºs 3 e 4.
  3. Quando a instrução for requerida pelo assistente e não visar apenas questões de direito, o prazo referido no número anterior não pode exceder 30 dias.
  4. Se forem indicadas testemunhas que não tenham sido inquiridas durante o inquérito, o seu número não pode exceder dez e o requerente deve demonstrar que não lhe foi possível indicá-las anteriormente.
  5. A inquirição de testemunhas tem lugar no debate instrutório e não pode incidir sobre factos relativos à personalidade e ao carácter do arguido nem sobre as suas condições pessoais e conduta anterior.
  6. É aplicável o disposto no artigo 340º, nº 4.

Artigo 287.º B

Debate instrutório

  1. O debate instrutório realiza-se sob a forma contraditória e terá por conteúdo apenas a discussão de matéria relativa à violação dos direitos, liberdades e garantias do arguido durante a fase de inquérito.
  2. No debate intervém o juiz, o arguido ou o seu defensor, o advogado do assistente e o Ministério Público.
  3. O juiz abre o debate com exposição sumária sobre os atos praticados na fase de inquérito questionados no requerimento de abertura de instrução e de seguida concede a palavra ao Ministério Público, ao advogado do assistente e ao defensor do arguido para, querendo, pronunciarem-se sobre alguma das questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução.
  4. Antes de encerrar o debate, o juiz concede de novo a palavra ao Ministério Público, ao advogado do assistente e ao defensor para que estes, querendo, formulem em síntese as suas conclusões sobre a matéria que constitui objeto do debate.

Artigo 307.º

Decisão instrutória

  1. (…).
  2. (…).
  3. (…).
  4. (…).
  5. (…).
  6. No caso de despacho de pronúncia, que é irrecorrível, o processo é remetido para a fase de julgamento, em prazo não superior a três dias.»

Artigo 4.º

Norma revogatória

São revogados os artigos 288.º a 292.º, 294.º, 296.º a 306.º, 308.º a 310.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a publicação e aplica-se aos processos sobre os quais tenha sido deduzida acusação ou tenham sido arquivados pelo Ministério Público após a sua entrada em vigor.