Uma saudação a todos vós. Uma saudação especial ao Coro Lopes Graça. Uma particular saudação ao camarada Domingos Abrantes, que nos trouxe aqui, como participante, os detalhes e a experiência vivida nessa heróica fuga de Caxias, como então e muito justamente a titulava o nosso Avante! na sua primeira página, quando dava a conhecer ao nosso povo esse valoroso acontecimento que hoje evocamos e celebramos.
Neste tempo de comemoração do Centenário do Partido Comunista Português não podíamos deixar de assinalar este acontecimento marcante da resistência dos comunistas à ditadura fascista – a audaciosa fuga das prisões de Caxias dos militantes do PCP, funcionários do Partido, que à luz do dia, naquela manhã de 4 de Dezembro de 1961, depois de meticulosa preparação, rompendo e atravessando, num carro blindado do próprio regime e debaixo do fogo tardio e inútil dos guardas, as barreiras físicas e o portão principal de acesso à rua, vão alcançar a liberdade para continuar a luta.
Esta espectacular fuga foi um caso único pela complexidade dos problemas a resolver, pelo contexto do regime prisional na época, de apertado reforço de segurança, de alterações constantes na distribuição dos presos pelas salas, do isolamento imposto aos presos. A sua preparação exigiu um longo e persistente estudo das condições da fuga, organização e muita, muita coragem e determinação, e uma entrega profunda à luta revolucionária.
Já aqui se disse muito e o que importava acerca da preparação e organização da fuga e da vida e luta dos comunistas na prisão, que faziam do cárcere fascista um espaço de luta e de preparação para a luta, e do punhado de homens determinados e decididos a reocupar os seus postos nas fileiras da luta que o seu Partido desenvolvia contra o fascismo, pela liberdade, pela justiça social, pela paz, pela democracia, para apressar o derrube da mais velha ditadura fascista da Europa.
Fugir das cadeias fascistas, era para os comunistas, uma tarefa, determinada pela vontade de recuperar o seu posto na luta clandestina e servir os trabalhadores e o povo português. Foi o que fizeram António Gervásio, António Tereso, Domingos Abrantes, Francisco Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Ilídio Esteves e José Magro, que em conjunto passaram 90 anos nas cadeias fascistas.
A fuga que hoje evocamos foi uma extraordinária vitória do nosso Partido, da Resistência, do nosso povo sobre o fascismo, mais um rombo na muralha de um regime odioso. Digo mais um rombo, porque no ano anterior outra fuga colectiva com um elevado número de destacados quadros e dirigentes comunistas tinha ocorrido com êxito - a memorável fuga da fortaleza de Peniche.
Uma e outra vão ser determinantes para assegurar um notável reforço do Partido – reforço orgânico, ideológico e de intervenção - com consequências que não se haviam de fazer esperar na sua acção e intervenção e na vida política nacional.
Inicia-se a partir daqui uma década de uma intensa actividade do Partido, a passagem a uma fase da luta qualitativamente superior.
Vamos encontrar alguns dos protagonistas da fuga de Caxias a agir no imediato e com um papel destacado na organização das grandes lutas de massas desse período, nomeadamente na grande jornada do 1.º de Maio de 1962 em Lisboa e nas lutas pela conquista das oito horas de trabalho nos campos do Sul.
No 1.º De Maio e sob a direcção do PCP, centenas de milhar de trabalhadores, de Norte a Sul do País, fizeram do Dia do Trabalhador a mais poderosa jornada de luta, até então, do movimento operário português – no decorrer da qual, mais de 100 mil trabalhadores ocuparam as ruas de Lisboa durante longas horas, enfrentando a brutalidade e a violência das forças repressivas e na sua sequência mais de 150 mil assalariados rurais do Sul, na continuidade de uma luta de décadas, conquistaram as oito horas de trabalho.
A nova dinâmica e o novo conteúdo da acção do Partido reflectir-se-iam num conjunto de situações como o início do funcionamento da Rádio Portugal Livre, em Março de 1962, uma nova arma da luta antifascista que permitia fazer chegar mais longe e a um maior número de portugueses as opiniões e as orientações do PCP e das restantes forças democráticas – ao mesmo tempo que, à palavra de ordem do Partido, se desenvolvia e ganhava nova dimensão a luta contra a guerra colonial, e tinham lugar as grandes lutas de estudantes de Coimbra, Lisboa e Porto, em cuja preparação, direcção e desenvolvimento os estudantes comunistas – lado a lado com estudantes de outras opções políticas e ideológicas – desempenharam um papel decisivo e determinante.
Foi na sequência das fugas que o PCP construiu o seu VI Congresso, que traçou as orientações visando o desenvolvimento da luta popular e o reforço da unidade da classe operária, das massas trabalhadoras e de todas as forças antifascistas – orientações que estiveram na origem da vaga de lutas que abalaram os últimos anos do fascismo e preparava o seu derrube.
Esse histórico Congresso no qual foi discutido e aprovado o Programa para a Revolução Democrática e Nacional, que definia o caminho para o surgimento de uma situação revolucionária, visando o levantamento nacional popular e militar para o derrube da ditadura e os objectivos da revolução portuguesa; esse histórico VI Congresso que contou com o precioso contributo de Álvaro Cunhal com essa obra notável que é o “Rumo à Vitória” – a grande bússola orientadora do debate congressual e das decisões tomadas. Decisões que, inquestionavelmente, criaram as condições para a Revolução de Abril, para essa realização histórica do povo português e um dos mais importantes acontecimentos da história de Portugal.
Evocamos aqui hoje a fuga de Caxias e ao evocá-la não podemos deixar também de recordar todos os resistentes: todos os homens, mulheres e jovens que passaram por todas as prisões fascistas, Tarrafal, Angra do Heroísmo, Aljube, Prisão da PIDE no Porto, Peniche, Caxias, que aqui hoje nos junta; todos os que não hesitaram em arriscar as suas vidas pela liberdade e a democracia.
Foram milhares de militantes comunistas e outros democratas que sofreram as consequências de um regime brutal e desumano, cujo único crime que cometeram foi o de lutarem pelo bem do seu povo e da sua pátria.
Mais de vinte mil prisões, entre 1932 até aqueles princípios dos anos sessenta, na sua imensa maioria militantes comunistas, onde preponderam os exemplos de coragem e de entrega generosa à luta de libertação dos trabalhadores e do povo.
E referir este facto não significa que estejamos a reivindicar louros e condecorações para os militantes comunistas e para o seu Partido: fazemo-lo tão somente para sublinhar que nesse tempo difícil da opressão e da repressão fascistas, nesse tempo em que lutar pela liberdade e pela democracia tinha como consequência inevitável a prisão, a tortura, muitas vezes a morte, os militantes do PCP souberam assumir dignamente a sua condição de comunistas, integrando sempre, durante 48 anos, a primeira fila da luta e da resistência. Isto é: souberam sempre ocupar o lugar que era o deles – da mesma forma que, após o Dia da Liberdade, deram o seu contributo determinante para os grandes avanços revolucionários e para a construção da democracia de Abril.
Homens e mulheres do nosso povo, que em todas as épocas foram capazes de se superar nas mais difíceis tarefas e transpor os mais espinhosos obstáculos de um combate desigual e nas mais tenebrosas circunstâncias de um regime sem escrúpulos.
Alguns na esperança de buscar um lugar na história que não tiveram, tentam pôr na sombra o papel deste Partido Comunista Português na Resistência.
Jamais esqueceremos e deixaremos de valorizar e respeitar o papel e contributo de outros antifascistas e resistentes de outras correntes de opinião ou sem partido, mas também é o momento oportuno para afirmar que jamais deixaremos usurpar o património de luta de um Partido que foi uma força central na Resistência ao fascismo.
Avançamos não há muito, no próprio dia em que passavam os 100 anos da criação do PCP, as razões da vitalidade e a iniciativa politíca que hoje apresenta e mantém. Uma delas era, sem dúvida, ter contado no seu seio com a dedicação e o trabalho de gerações de intrépidos combatentes, mulheres, homens e jovens de grande coragem e dedicação à causa da emancipação dos trabalhadores e do povo.
Essa é uma verdade indesmentível que a vida provou.
Perante todos eles nos curvamos, neste momento de celebração do Centenário do Partido Comunista Português, exprimindo a nossa mais profunda gratidão.
A gratidão deste Partido com 100 anos cumpridos e com uma história ímpar que se confunde com a história e a luta do nosso povo.
Sim, quem olhar com objectividade para o nosso País, para a sua história nos últimos 100 anos, encontrará sempre os comunistas portugueses nas primeiras linhas de combate, tomando parte do lado certo dessa história em defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País; pela liberdade, a democracia, o progresso social, a paz e a independência nacional; pelo socialismo.
O único partido que se manteve ao longo de quase meio século de fascismo agindo e lutando ininterruptamente com dedicação e empenhamento revolucionário, apesar das perseguições, prisões, torturas, assassinatos.
Partido que desde muito cedo selou com os trabalhadores e as massas populares uma sólida e indissociável ligação que se prolongará no tempo e em muitas lutas nas fábricas, nos campos, nos portos, nas ruas.
Partido que lutou abnegadamente pela unidade das forças antifascistas, desde logo no MUNAF, no MUD e MUD juvenil, e posteriormente em todas as batalhas importantes do nosso povo e das forças democráticas, como o aproveitamento das farsas eleitorais do regime, para isolar, enfraquecer e derrubar a ditadura e apontando a via do levantamento nacional para o seu derrube.
O Partido que esteve na primeira linha da acção no ascenso do movimento popular de massas “rumo à vitória” que, em conjugação com a luta libertadora dos povos coloniais, conduziu ao derrube da ditadura.
Que deu um contributo inigualável no exaltante processo da Revolução de Abril e no desenvolvimento da poderosa intervenção das massas populares, transformando a acção militar em Revolução e na concretização das suas extraordinárias conquistas e em todos estes anos esteve na frente da luta em sua defesa e contra a sua destruição.
O Partido que esteve em todos os grandes combates políticos, sociais e civilizacionais do século XX e princípios deste século XXI, muitos dos quais continuam presentes na sua intervenção de hoje. No grande combate em defesa da soberania e independência nacionais, nas muitas batalhas travadas em defesa da valorização do trabalho e dos trabalhadores, na defesa da igualdade entre homens e mulheres no trabalho e na vida, no grande combate pelo direito de Portugal a produzir e em defesa da produção nacional, na luta pelo desenvolvimento regional e local e por um País territorialmente equilibrado, nos múltiplos combates que por todo o País travamos pela concretização do direito das populações à saúde, à educação, à habitação, à cultura e à mobilidade e pelo direito a viver num ambiente saudável.
Evocamos aqui a fuga de uma prisão do fascismo, num tempo e num contexto diferente desse negro período da nossa história, mas um tempo que não está isento de perigos.
Nos tempos que vivemos temos assistido a inquietantes movimentações de forças reaccionárias e fascizantes na Europa, nas Américas, em outras paragens, mas também por cá, às quais se impõe dar um combate sem tréguas. Um combate sério e com os instrumentos eficazes.
Não basta agigantar o perigo da direita e de tais forças reaccionárias e fascizantes, quantas vezes por meros objectivos tácticos para perpetuar as políticas que, afinal, as alimentam.
Não vale a pena gritar que vem aí o lobo, quando pouco ou nada se faz para agir sobre as causas que estão na origem do seu aparecimento – as políticas que fomentam as desigualdades e a exploração.
Sim, na origem desse perigo que existe estão as políticas do neoliberalismo dominante. Estão as políticas de rapina e ingerência e de guerra contra os povos que fomentam o racismo e xenofobia. Uma política que tem conduzido a um violento aumento da exploração do trabalho, destruição de direitos sociais, brutais ataques à soberania dos povos e a uma gigantesca e crescente concentração e polarização da riqueza.
Uma política que, servindo os senhores do dinheiro e do mundo, despreza o homem, os seus direitos e degrada a democracia e que, naturalmente, tem também tradução no nosso País na política de direita dos muitos governos dos últimos anos.
Nestes tempos de epidemia, onde as desigualdades e a exploração se aprofundam e ficaram expostas as muitas fragilidades do País, afirmava-se, por estas ou outras palavras, que nada podia ser como dantes, que não se poderia esperar que as soluções de ontem fossem as de amanhã.
Disseram-no, mas depressa o querem fazer esquecer. Ficam-se pelas palavras, quando são precisas políticas e soluções concretas. Em vez da mudança é a mesma cartilha que ditava o que servia os interesses dominantes que continua e se perspectiva fazer imperar.
Sim, os perigos existem, mas combatem-se com as políticas que sirvam os trabalhadores e o nosso povo e dando força e reforçando este Partido que provou nestes últimos cem anos ser a mais consequente força no combate aos projectos de regressão democrática e de subversão constitucional que as forças da direita e reaccionárias são portadoras.
Comemoramos 100 anos de vida e de luta e os 60 dessa memorável e exemplar fuga do cárcere fascista de Caxias de um punhado de combatentes que sabiam que o futuro não acontece, constrói-se e conquista-se com coragem, com trabalho, com organização colectiva, com este Partido Comunista que nunca virou a cara à luta e que continua presente na sociedade portuguesa como força de mudança e dar resposta aos problemas do nosso tempo, abrindo os caminhos da transformação social e do progresso, da vitória sobre a injustiça e as desigualdades e a concretizar as aspirações dos trabalhadores e do povo a uma vida melhor, num Portugal com futuro!
Sim, seguiremos em frente, com a luta e com a coragem que nunca faltou às gerações de comunistas que nos precederam!