Foi aqui, em Alcântara, na rua que justamente hoje tem o seu nome e para qual nos havemos de seguida dirigir expressando ali também a nossa gratidão que José Dias Coelho, o homem de cultura, o artista e militante revolucionário, o funcionário do Partido Comunista Português, clandestino, tombou, em 19 de Dezembro de 1961, assassinado pela PIDE.
É esse homem generoso, a quem o fascismo ceifou a vida aos 38 anos, que tudo sacrificou, incluindo a sua carreira artística, como escultor, para se dedicar por inteiro à luta de libertação do seu povo e do seu Partido que homenageamos evocando as várias dimensões da sua vida e a sua dedicação total
ao combate pelo derrube do fascismo, pela democracia e pelo socialismo.
Uma homenagem que assume um particular significado, quando o PCP comemora 100 anos de existência e luta ao serviço da classe operária, dos trabalhadores e do povo. Partido que tem uma história ímpar no panorama partidário português, também porque contou com o contributo abnegado e inestimável de militantes como José Dias Coelho.
Exemplo de vida vertical e de dignidade revolucionária que os 59 anos que nos separam do seu brutal assassinato não conseguem apagar.
Sim, estamos aqui, porque jamais esquecemos os nossos lutadores, os nossos heróis e os nossos mártires, porque quem nutrimos um profundo respeito e
admiração.
Respeito e admiração pelos seus exemplos que nos dão ânimo, força e coragem para prosseguirmos os combates do presente e do futuro – os combates pela transformação social, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores, contra a exploração e a opressão, pela dignificação da cultura, pela sociedade nova.
Estamos aqui porque não esquecemos que a liberdade conquistada em Abril de 1974 e tudo o que dessa gloriosa Revolução brotou de afirmação de emancipação social e política foi o resultado de décadas de luta abnegada, corajosa e perseverante de homens como José Dias Coelho, travada nas condições mais adversas, enfrentando perigos imensos, enfrentando a mais feroz repressão, perseguições, prisão e assassinatos.
Recordar José Dias Coelho além de ser uma merecida homenagem é, nestes tempos que correm, um vivo alerta e uma vigorosa denúncia daqueles que tudo hoje fazem para apagar da memória do povo os horrores da ditadura fascista e daqueles que reconstruindo a história a querem branquear.
José Dias Coelho, esse homem de cultura e revolucionário que aqui homenageamos, nasceu em Pinhel, em 1923, tendo deixado a terra que o viu nascer para acompanhar o seu pai e a sua família para se fixar em Lisboa, em 1938, depois de sucessivamente ter passado por Coimbra e Castelo Branco, onde frequentou o liceu.
O mundo vivia, então, o pesadelo do avanço do fascismo.
É no contexto de domínio total da Península Ibérica por esse odioso regime, com o desfecho dramático da Guerra Civil de Espanha, em 1939, e do eclodir da II Guerra Mundial que ao jovem José Dias Coelho se vêm abrir as portas de uma consciência colectiva que integra a arte e a resistência.
É em Lisboa, no Colégio Académico, onde conclui os estudos liceais que toma contacto com algumas das mais destacadas figuras da cultura portuguesa do período da ditadura.
É ali que toma contacto com homens da dimensão de Bento de Jesus Caraça, Lopes Graça, Carlos Oliveira, Keil do Amaral e Abel Manta, professores que a ditadura de Salazar persegue e é através deles que acede às tertúlias onde se rasgam e aprofundam os horizontes da sua cultura humanística e democrática, se apura a sua sensibilidade artística e estética e faz crescer nele esse traço da sua personalidade que o acompanhou até ao fim da vida – o da sua revolta contra as injustiças sociais e a opressão.
Entra em 1942, para a Escola de Belas Artes de Lisboa, onde vai cursar arquitectura e depois se fixar na escultura.
É neste ano de 42 que José Dias Coelho adere à Federação das Juventudes Comunistas e inicia a sua actividade política na frente da solidariedade, particularmente para com os presos políticos e as famílias atingidas pela repressão fascista. O início da sua actividade partidária coincide com a reorganização do PCP dos anos 40/41 que nessa altura supera as dificuldades e as fragilidades organizativas e a brutal ofensiva repressiva dos anos trinta
da ditadura, e se afirma como um grande partido nacional com influência na classe operária, nos meios intelectuais e estudantis.
É um tempo de grandes lutas e de uma grande dinâmica do movimento de oposição à ditadura. José Dias Coelho participa nas actividades do MUNAF e do MUD – Movimento de Unidade Democrática, participando nos trabalhos da sua Comissão de Escritores e Artistas Democráticos, lutando por dar espaço ao papel libertador da arte.
Foi o trabalho realizado neste âmbito, no qual Dias Coelho se empenhou, com a sua perspicácia política e sua capacidade para desenvolver amplos consensos, que permitiu renovar a direcção da Sociedade Nacional de Belas Artes, através de um trabalho sistemático de atracção e adesão de jovens artistas antifascistas, influenciando os seus órgãos directivos. Trabalho que abriu caminho à organização da primeira Exposição Geral das Artes Plásticas, como espaço de confluência de artistas de várias correntes e sensibilidades, liberto das pressões de carácter político ou estético.
Como artista, teve uma participação activa na Organização das Exposições Gerais, fazendo parte do núcleo organizador inicial, mas também como expositor que a partir de 1946 se vão realizar e prolongar pelos dez anos seguintes.
Exposições Gerais que vão desempenhar um inquestionável papel, quer na renovação do panorama artístico português, no combate ao preconceito e aos obscurantismos estéticos, quer no desenvolvimento e fortalecimento da unidade antifascista dos intelectuais portugueses.
Por lá passaram artistas consagrados, lado a lado, com as novas camadas de artistas que também eles se haveriam de afirmar no futuro como criadores marcantes da arte portuguesa.
Artistas que o tempo irá consagrar como Júlio Pomar, Sá Nogueira, Rogério Ribeiro, Cipriano Dourado e Vespeira e outros que irão influenciar o percurso das artes plásticas em Portugal.
A actividade de José Dias Coelho desdobra-se entre o trabalho artístico, a actividade e intervenção política e social.
Estará no apoio e em tarefas de organização na candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República e é em plena campanha, no dia 1 de Janeiro de 1949 que a PIDE o prende, que o encerra incomunicável, durante 10 dias no Aljube.
José Dias Coelho teve uma activa participação em todas as lutas estudantis e políticas dos anos quarenta e cinquenta.
No trabalho artístico e na sua carreira de escultor começa a ser reconhecido pelas obras que executa, nas quais se destacam as cabeças de Alves Redol,
Fernando Namora, Sá Nogueira, Orlando Costa.
Na sua actividade de criador de arte, partilha um atelier com Pomar e outros. Ilustra contos de José Cardoso Pires. Continua a produzir, desenhando e esculpindo. Trabalha para encomendas e para expor, mas também executa ilustrações, como as do livro de Alexandre Cabral, “O Sol Nascerá um Dia”.
Quando se realiza a última Exposição Geral, em 1956, e os seus amigos lhe reservam com a presença de um dos seus trabalhos um lugar na Exposição, numa atitude de discreta solidariedade, já Dias Coelho tinha partido para uma outra mais difícil, mais dura e mais perigosa batalha.
Há um ano que mergulhara na luta clandestina contra o regime que oprimia o seu povo, como funcionário do Partido Comunista Português.
Nesse Outono de 1955, Dias Coelho deixava para trás as primeiras encomendas públicas de escultura e a sua mais que certa consagração como artista de grande nível.
Deixava tudo, para se dedicar “por inteiro e definitivo, contra um mundo velho e feroz” como o relembrou José Cardoso Pires na sentida homenagem que lhe prestaram na Sociedade de Belas Artes os seus companheiros, os seus amigos, os seus camaradas.
José Dias Coelho sabia o alcance da sua decisão de escolher a vida de funcionário clandestino. Sabia o caminho dos grandes perigos que era preciso percorrer, até à liberdade, ou à prisão ou à morte.
Decisão que revela a nobreza e a firmeza das suas convicções quando aceita trocar a perspectiva de uma vida artística promissora e a consideração de uma vida cheia de relações sociais pela modesta, mas essencial tarefa de por de pé uma oficina de falsificação de documentos destinados à defesa dos camaradas clandestinos.
Muitas outras tarefas tomará nas suas mãos no virar da década de sessenta.
Uma década que José Dias Coelho inicia com a sua integração na direcção do Partido de Lisboa, com a responsabilidade do sector intelectual. É o regresso ao trabalho de construção da unidade antifascista junto dos intelectuais.
A sua última tarefa será a preparação do trabalho unitário de preparação da campanha das eleições fascistas de Novembro de 1961 que a Oposição aproveitava para desmascarar a guerra colonial que havia rompido no início desse ano.
Um tempo de crescimento e reanimação das forças democráticas. Tempos de reanimação de grandes lutas de massas que prosseguirão nos anos seguintes e grandes derrotas políticas para o regime que acentua o seu isolamento interno e internacional, dando origem a novas divisões e conflitos no seu próprio campo.
Nos anos de 60 e 61, o PCP, a força impulsionadora de resistência ao fascismo sofria mais uma vez as consequências da vaga repressiva que a todo custo e sem olhar a meios prendia, torturava e matava.
José Dias Coelho caiu para sempre tecendo armas neste combate desigual pela liberdade do seu povo, pela democracia, pelos ideais do socialismo.
A vida de um revolucionário chegou ao fim, mas não a luta que ele honrou com o seu exemplo de firmeza serena, de convicções e de carácter que nós, com orgulho, queremos guardar para sempre como património da nossa luta colectiva por um Portugal mais livre, mais justo e mais solidário.