É com satisfação que participo nesta sessão de Apresentação do Livro que assinala os 150 anos do nascimento de Clara Zetkin da responsabilidade da Editorial Avante! e da Organização das Mulheres Comunistas.
Após intervenções anteriores que sublinharam diferentes aspectos desta obra gostaria de apoiar a acertada decisão de empreender este projecto, em primeiro lugar, para não permitir que esta destacada revolucionária alemã seja incompreensivelmente esquecida quando a sua contribuição para a “teoria da emancipação da mulher” é verdadeiramente inestimável.
E, em segundo lugar, porque as suas principais reflexões teóricas sobre a condição da mulher e sobre os caminhos de luta pela sua emancipação social continuam a ter uma enorme actualidade no tempo presente e na luta que travamos pela efectivação das conquistas da Revolução de Abril de 1974.
Clara Zetkin viveu e interveio, nos finais do século XIX até aos anos trinta do século XX. Um período histórico concreto marcado pela entrada do capitalismo na sua fase imperialista e pela brutalidade da primeira guerra mundial (1914-1918) e por outro lado, por um acontecimento mundialmente importante, a Revolução Socialista de Outubro de 1917, com a qual Clara Zetkin se identificou desde o começo e na qual viu o alvorecer de uma nova era para a humanidade e cujo significado para a emancipação das mulheres não se cansou de realçar.
Nesta obra é dado destaque à intervenção de Clara Zetkin e ao modo como a sua intervenção política se caracterizou pela combinação entre uma actividade prática e uma teoria revolucionária. Na verdade esta revolucionária alemã não só deu um importante contributo no exame da situação de subalternização política, económica, social e cultural a que as mulheres estavam sujeitas analisando as suas causas como mostrou a absoluta necessidade de transformação política e social pela força da acção organizada das trabalhadoras no quadro do movimento operário e revolucionário.
pela sua acção, enquanto destacada dirigente do partido Comunista Alemão, da II Internacional e da III Internacional Comunista, Clara Zetkin desenvolveu uma intensa actividade visando a organização das trabalhadoras e a incorporação das suas reivindicações específicas na causa de todo o movimento operário e comunista, na sua luta comum contra o sistema capitalista e pela transformação da sociedade.
É justo que nesta obra se destaque que Clara Zetkin foi mais do que uma das muitas destacadas personalidades da vida política e social que, à época, se ocuparam da questão feminina. Com ela, a luta emancipadora da mulher, assumida como parte integrante da luta da classe operária e dos povos contra a exploração e pela sua libertação, ganha nova dimensão e uma coerência muito particular.
Assumindo uma matriz política e ideológica legada por Marx, por Engels e por Lénine o conjunto dos escritos de Clara Zetkin integra, amplia e enriquece o património do marxismo-leninismo quanto à situação das mulheres na sociedade, sobre a situação da mulher no capitalismo e sobre a revolução socialista como resposta à aspiração de emancipação social da mulher. É por isso que, muito justamente, o conjunto das suas reflexões teóricas deve ser destacado como parte integrante do acervo teórico do marxismo-leninismo.
O evidenciar da actualidade que atravessa o conteúdo deste livro que hoje é apresentado, não ignora o espaço de tempo decorrido desde que estas reflexões foram produzidas e não subestima o conjunto de acontecimentos positivos e negativos de avanços fascinantes e recuos dolorosos, que marcam a história da luta das mulheres e dos povos desde então. O evidenciar desta actualidade não nega que vivemos um tempo muito diferente daquele que foi o tempo de Clara Zetkin. Mas essa exigência não anula, antes reclama, que saibamos utilizar o imenso legado teórico que nos deixou e cuja actualidade se mantém.
Clara Zetkin destacou que pretender transformar a condição das mulheres sem abolir o modo de produção capitalista conduziria as trabalhadoras a um beco sem saída, observando que as “reformas” levadas a cabo pelo próprio sistema capitalista serviam para atenuar um pouco a vida da mulher mas não dariam êxito ao objectivo de transformação da condição social das mulheres das classes trabalhadoras, nem permitiriam efectivar o conjunto dos seus direitos económicos, sociais, políticos e culturais.
Esta é uma verdade indesmentível. É verdade que no século XX a maioria dos países veio a consagrar a igualdade política e jurídica das mulheres, pondo fim a concepções milenares erigidas com base na inferioridade da mulher e transformadas em filosofia do Estado e que foram usadas pelos diversos sistemas políticos ao longo da história da humanidade e pelo próprio sistema capitalista a partir do século XIX. As instâncias políticas internacionais e nacionais proclamam a igualdade de direitos para as mulheres. Tal alteração, que finalmente deu satisfação a tantas e tantas lutas das mulheres e do movimento operário e revolucionário, e de que Clara Zetkin também foi obreira, não consubstanciou uma mudança radical na condição social das mulheres das classes trabalhadoras e camadas desfavorecidas, crescendo o fosso entre a igualdade na lei e a desigualdade e discriminação na vida e no trabalho.
É com o triunfo da grande Revolução Socialista de Outubro, que, ao liquidar o regime explorador, a situação da mulher, sobretudo da trabalhadora, vai sofrer uma transformação social. A construção do socialismo numa séria de países, libertando as mulheres da opressão, elevando-as aos primeiros postos no trabalho, na ciência e na cultura, influi decididamente na luta emancipadora das mulheres à escala mundial. É certo que o empreendimento da construção da nova sociedade socialista se revelou mais difícil, mais complexa, mais irregular, mais acidentada e mais demorada.
Mas nem o projecto comunista de uma sociedade nova e melhor deixou de ser válido, nem o capitalismo se mostrou capaz de resolver os problemas da humanidade. Considerando a destruição da URSS, as derrotas do socialismo no Leste da Europa e a mudança na correlação de forças, e a pretensão do estabelecimento do domínio da exploração e hegemonia mundial pelo imperialismo, os arautos do capitalismo pretendem apresentá-lo como sistema sem alternativa ou fim da história da humanidade.
Verifica-se uma profunda vaga de ataques às conquistas e direitos sociais e democráticos, obtidos pelos trabalhadores e a humanidade através de duras lutas ao longo do século XX. proliferam ideologias obscurantistas, discriminatórias, opressoras e fascizantes que são uma nova e perigosas ameaça à situação das mulheres e principalmente às mulheres trabalhadoras.
Os povos, os trabalhadores, em muitos países, e também no nosso país, lutam pela sua emancipação e soberania numa acesa luta de classes.
Como Clara Zetkin afirmou, “A emancipação da mulher, como de todo o género humano, só se tornará realidade no dia em que o trabalho se emancipar do capital. Só na sociedade socialista as mulheres, como os trabalhadores, tomaram posse, plena dos seus direitos.”
Milhões de mulheres no mundo lutam pela sua sobrevivência e dos seus familiares, enfrentam a subnutrição, a falta de recursos, a fome e a doença. São as primeiras vitimas dos conflitos armados e das guerras do imperialismo. Mesmo em países onde prospera a riqueza, o aprofundamento das injustiças e desigualdades atinge sectores da população. As mulheres continuam a ser profundamente afectadas na sua condição, assuma isso uma expressão mais brutalizada, ou uma expressão aparentemente mais humanizada. Olhando o mundo actual mantêm inteira actualidade a afirmação de Clara Zetkin de que “não é possível transformar a condição das mulheres sem abolir o modo de produção capitalista” Clara Zetkin afirmava que “o que torna a mulher uma mão-de-obra particularmente apreciada pelo capitalismo não foi somente o seu preço inferior mas também a sua maior submissão”.
E, a verdade é que globalização capitalista na sua ofensiva ideológica animada pelos Governos em portugal tem vindo a fomentar uma pseudo-moderna forma de submissão: tenta orientar a luta das mulheres para becos sem saída.
São proclamadas medidas milagrosas de conciliação da vida familiar e profissional assente, no fomento de trabalho parcial para as mulheres e na flexibilização dos horários de trabalho que assentam na redução do salário e não na redução do tempo de trabalho sem perda de salário
Dizem, com o maior dos descaramentos, que estão a alargar a oferta de equipamentos sociais de apoio à família, só que não dizem que a sua entrega ao sector privado leva a que as mensalidades sejam elevadas e os horários prolongados não servindo as mulheres das classes trabalhadoras, nem os seus filhos.
A conciliação da vida familiar das trabalhadoras não pode ser à custa da redução do seu salário (trabalho a tempo parcial porque isto significa a desresponsabilização do Estado das suas obrigações constitucionais e o regresso da mulher à economia familiar.
Para os seus ideólogos as mulheres são identificadas como uma categoria social separada, distinta da dos homens, como se homens e mulheres pertencessem a diferentes categorias sociais só pelo facto de uns serem homens e outros serem mulheres. O que pretendem é anular a luta de classes, transformando o confronto entre homens e mulheres como a principal fonte e conflito. Situam o problema das discriminações salariais das mulheres num problema de mentalidades e não no conteúdo de classe das políticas económicas assentes em salários de miséria para mulheres e homens. proclamam a igualdade de direitos para as mulheres mas, na prática, cavam a perpetuação das velhas formas de dominação e de opressão das actuais e futuras gerações de trabalhadoras em cada uma das “reformas” que levam a cabo: subversão das leis laborais, políticas de baixos salários e de discriminação salarial, privatização da segurança social, redução do direito à reforma, encerramento de serviços de saúde.
Milhares de mulheres trabalhadoras portuguesas sabem que a luta contra os seus baixos salários e as discriminações acompanha e integra a luta do conjunto do movimento operário, dos trabalhadores e dos reformados por salários e pensões justas, por uma vida com qualidade.
As mulheres trabalhadoras sabem que a privatização da segurança social perpetua os seus baixos níveis de protecção social ao longo do seu ciclo de vida – realidade evidenciada em diversos estudos recentes. E, sabem, que estas políticas pretendem hipotecar desde já os direitos das gerações futuras de mulheres.
As dirigentes do Movimento Democrático de Mulheres que há poucos dias apoiaram a exigência de uma mulher que necessitava de interromper uma gravidez no Hospital de Setúbal. Não bastou realizar um Referendo, nem aprovar uma nova lei na Assembleia da República. Importa a sua efectivação. É preciso lutar, no dia a dia para que o Serviço Nacional de Saúde cumpra a nova lei da interrupção voluntária da gravidez.
porque também na questão do aborto temos uma questão de classe. É às mulheres das classes trabalhadoras, das classes mais desfavorecidas que diariamente são impedidas do seu direito de serem mães, pela falta de condições de estabilidade e segurança económica que mais necessitam que o Serviço Nacional de Saúde lhes garanta uma interrupção voluntária da gravidez.
O êxito da luta das mulheres assenta no reforço da sua presença organizada no movimento de massas.
A luta das mulheres tem uma natureza de classe bem definida, que o digam as milhares e milhares de mulheres trabalhadoras organizadas nos sindicatos e na CGTp, que assumiram importante papel no desenvolvimento da luta de massas que teve lugar nestes últimos meses – na greve geral de Maio, na manifestação do passado dia 5 em Guimarães, na manifestação da Administração pública do passado dia 12.
Olhemos para a evolução de portugal nos últimos trinta anos: indissociável de dois processos de sentido profundamente antagónico: de um lado, o significado e alcance da Revolução de Abril – que pôs fim à ditadura fascista e à total ausência de direitos – e, de sentido inverso, as consequências das políticas de direita que têm vindo a ser realizadas e que são responsáveis pela destruição (e subversão) das transformações económicas e sociais edificadas após Abril e pelo retomar de um modelo económico baseada na perpetuação das velhas formas de exploração e dominação das mulheres no trabalho, na família e na sociedade.
Não há trabalho estável para homens e para mulheres, nem uma retribuição justa para trabalho igual com o conjunto das “reformas” que tem vindo a ser representadas no plano laboral:
- a desregulamentação das relações laborais, no sector público e privado - cuja escalada está brutalmente assinalada nas propostas de alteração do Código do Trabalho – visa a generalização do desemprego, a precariedade dos vínculos laborais com o objectivo da liquidação do horário de trabalho, a maximização do lucro à custa da desvalorização do trabalho das mulheres e dos homens. O Governo, em nome de uma suposta igualdade entre homens e mulheres, nivela por baixo os salários de miséria de uns e de outros. Nivela por baixo direitos sociais.
Camaradas:
Permitam-me um parêntesis para referir a grave situação da não aplicação da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez na Madeira.
Esta é mais uma atitude que, certamente, não está desligada do conjunto de manobras que estão em curso, por parte dos apoiantes do “Não” para intimidar e condicionar o exercício do direito à IVG por parte das mulheres portuguesas.
É inaceitável que o Governo Regional da Madeira ostensivamente inviabilize a aplicação da Lei da IVG naquela Região Autónoma com o falso pretexto da falta de meios da Região.
É necessário aqui reafirmar que as leis da República são para aplicar em todo o território nacional e que é inadmissível, mais uma vez, que se tente negar esse direito às mulheres da Madeira.
Daqui exigimos a intervenção dos poderes públicos de forma a garantir prontamente que às mulheres da Madeira seja facultado, tal como ao conjunto das mulheres portuguesas o acesso a um serviço público de saúde para a concretização desse direito.
Transformar a condição das mulheres é questão fundamental mas não única nem suficiente!
processos históricos demonstram que não basta a mudança das estruturas económicas e sociais, não basta transformar as condições materiais para que automaticamente surjam relações humanas novas e se eliminem preconceitos. Há necessidade de criar novos valores e referências morais, culturais e comportamentais, um relacionamento novo entre seres humanos.
Insubstituível complementaridade que mais exige o olhar sobre a realidade e o voltar ao ponto de partida. A situação das mulheres é mais grave, mas acompanha a realidade dos trabalhadores da sua classe social:
- 55,2% dos desempregados são mulheres (qualquer que seja o escalão de idade e o ano considerado, a taxa de desemprego é sempre superior nas mulheres);
- o nível de precariedade do trabalho afere-se não só pelo peso dos trabalhadores contratados a prazo no total dos trabalhadores, mas também pelo peso do emprego a tempo parcial que afecta 16,7% do emprego feminino, enquanto nos homens esse emprego é de 8%.
E no entanto abundam programas, planos, projectos para a igualdade. pensados mais para a eleitora do que para o ser social emancipado com direitos.
Estas concepções ditas de “igualdade de género” sustentam o aprofundamento da globalização capitalista, e visam evitar que as mulheres equacionem a natureza e a ideologia, os mecanismos da exploração e dos exploradores.
No tempo presente esta submissão que o neoliberalismo procura alimentar junto das trabalhadoras tem novas roupagens porque as mulheres ganharam consciência da importância decisiva de trabalharem e, assim, o neoliberalismo e as suas centrais ideológicas fomentam a ideia de que o inimigo social da efectivação dos direitos das mulheres das classes trabalhadoras são os homens da sua classe – seja o seu companheiro de uma vida, seja o colega de trabalho, seja o camarada do seu partido – o companheiro de uma vida ou de trabalho.
As novas formas de submissão das mulheres trabalhadoras (como dos homens trabalhadores) escondem-se ainda nos inflamados e recorrentes discursos anti-partidos, que em portugal são feitos para todos os gostos e que, sob falsos independentismos, colocam quem os profere numa suposta reserva moral e ética na política quando afinal eles escondem uma profunda natureza antidemocrática, pretendem meter todos no mesmo saco, mas alimentando o preconceito anticomunista e caricaturando o seu projecto emancipador quando objectivamente são eles os mais perfeitos aliados dos partidos no poder, que protagonizam um brutal retrocesso aos direitos das mulheres, à justiça social e ao progresso do país.
No seu legado teórico, no seu conhecimento e vivência da realidade, Clara Zetkin incorpora uma mensagem que aponta um caminho de grande actualidade e validade e que é possível e necessário caminhar! Dar combate à ordem e aos valores estabelecidos à força pela classe dominante; lutar contra o conformismo; trilhar os percursos da luta específica por questões específicas que convirjam para as batalhas comuns de homens e mulheres!