Reapreciação do Decreto da Assembleia n.º 173/X - Estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Sr.as e Srs. Deputados:
Bem podem o Governo e o PS dizer que respeitam a decisão do Tribunal Constitucional, que é bom o Tribunal Constitucional clarificar, bem podem tentar desvalorizar a declaração de inconstitucionalidade, mas a verdade é que o PS e o Governo saíram derrotados.
O Governo e a sua maioria parlamentar, apesar de terem sido, por diversas vezes e por diferentes partidos, alertados para as diversas inconstitucionalidades, teimosamente insistiram na sua manutenção e não mostraram nenhuma abertura para resolver o problema.
O Governo, no alto da sua arrogância, simulou a negociação com os sindicatos, impôs um diploma sem ouvir as justas reivindicações e os alertas de inconstitucionalidade que os sindicatos, a tempo, apresentaram.
O acórdão do Tribunal Constitucional confirma as nossas preocupações quanto à inconstitucionalidade de algumas normas e decidiu-se pela inconstitucionalidade da norma que põe em causa a «unidade e especificidade estatutária dos juízes», condição para a sua autonomia e independência, e da norma que permitia a retenção de metade da remuneração de um funcionário indiciado pela celebração de contrato de prestação de serviços inválido.
O PS, o PSD e o CDS apresentam propostas que visam expurgar, cirurgicamente, as inconstitucionalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional.
Contudo, estas propostas não invertem a natureza nem transformam este diploma num bom diploma. Bem pelo contrário, subsistem, na nossa opinião, dúvidas quanto à constitucionalidade e subsistem as injustiças e os retrocessos que este diploma representa.
Respeitando o Tribunal Constitucional e a sua autonomia, não podemos deixar de afirmar que existem diversas normas que suscitam sérias dúvidas quanto à constitucionalidade.
A definição de quais são as ditas «funções nucleares» não encontra na nossa Constituição qualquer justificação e a passagem do vínculo de nomeação para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, que fragiliza substancialmente o vínculo destes trabalhadores, ameaça o princípio da segurança jurídica e da segurança no emprego.
As profundas alterações que se podem fazer, pela simples e arbitrária alteração do mapa de pessoal, nomeadamente a redução de postos de trabalho e consequente despedimento, ameaçam também este preceito constitucional.
O direito à progressão na carreira passa a estar muito dependente da disponibilidade financeira do serviço, que é determinada arbitrariamente pelo dirigente máximo, e o mecanismo que determina a progressão na carreira para os trabalhadores que obtenham 10 pontos nas avaliações de desempenho não é suficiente para assegurar o respeito pelo princípio da igualdade.
A possibilidade de haver uma negociação directa entre o serviço que contrata e o trabalhador, quanto à sua posição remuneratória, pode constituir um factor de discriminação, violando assim o princípio de que «para trabalho igual deve ser assegurado salário igual» e o princípio da igualdade.
Quanto aos despedimentos, o Governo institui na Administração Pública o despedimento colectivo, o despedimento por extinção do posto de trabalho, por impossibilidade superveniente de a entidade pública que recebe o trabalhador e por inaptidão, utilizando para estas duas últimas formas de despedimento, conceitos muito vagos e de difícil determinação, que, na prática, pode significar a criação de um despedimento sem justa causa constitucionalmente proibido.
Estas inconstitucionalidades não foram ainda decretadas, mas fica para já provada a injustiça e o retrocesso histórico que este diploma significa para os trabalhadores da Administração Pública.
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Sr.as e Srs. Deputados:
Se a este diploma dos vínculos juntarmos o regime da mobilidade, o da avaliação do desempenho e o da liberdade sindical e se fizermos uma análise global dos diplomas, facilmente percebemos a profunda e inconstitucional transformação da Administração Pública que este Governo está a operar.
Se tivermos em conta que caminhamos para o nono ano consecutivo em que os trabalhadores da Administração Pública perdem poder de compra, percebemos que o objectivo é entregar ao sector privado, o mais depressa possível e a preços de saldo, importantes fatias da Administração Pública.
Esta profunda transformação subverte as funções e tarefas do Estado, constitucionalmente consagradas, e viola grosseiramente o projecto emancipador e progressista que a Constituição consagra.
Para já, esta Assembleia da República, vai expurgar algumas das normas inconstitucionais deste diploma.
No futuro, vai ser o povo a expurgar este Governo e este projecto político do PS por violar Abril e a sua Constituição.