Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Primeiro-Ministro,
Este Governo procurou, ao longo destes meses, passar a ideia de que se gasta dinheiro a mais na saúde. Mas a verdade é que, no nosso País, a despesa de saúde no produto interno bruto é inferior à média da União Europeia.
A verdade é que a despesa pública per capita com saúde é de menos de 40% da média da União Europeia e a verdade também é que as famílias portuguesas gastam mais do seu bolso com a saúde do que a média dos países da OCDE.
Isto é, no nosso País não há despesa pública a mais com a saúde, mas sim despesa pública a menos com a saúde.
Por isso, o corte de 1000 milhões de euros que o seu Governo fez, pondo o Orçamento aos níveis de 2003, tem consequências dramáticas para a vida das pessoas, porque significa encerramento de serviços, porque significa menos acesso a medicamentos e a tratamentos, porque significa (e o Sr. Primeiro-Ministro referiu-se a isso) menos horas extraordinárias — disse o Sr. Primeiro-Ministro, como se isso fosse uma vitória dos profissionais de saúde.
O problema é que menos horas extraordinárias significam, neste caso, menos atendimento às pessoas, menos cirurgias, menos consultas, menos disponibilidade nas urgências. É disso que o Sr. Primeiro-Ministro se vangloria.
E mais, Sr. Primeiro-Ministro: nós sabemos que hoje o Governo já se apresenta a dizer — um membro do seu Governo disse-o — que algumas terapias e tratamentos não poderão ser assegurados a todos os portugueses. Esta é uma questão gravíssima, porque consubstancia, exatamente, que aquilo que os senhores querem fazer é que haja um Serviço Nacional de Saúde degradado para apenas uma pequena parte da população e que os que tiverem dinheiro recorram ao setor privado e não precisem de ir ao Serviço Nacional de Saúde. É este o direito à saúde que os senhores querem consagrar!
Quando vemos o aumento brutal das taxas moderadoras, que não são um importante financiamento… Pois não são, diz o Sr. Primeiro-Ministro, e é verdade, mas são um importante meio de afastar as pessoas dos serviços de saúde, porque não têm dinheiro para pagar as taxas. É aí que o Governo poupa, nas pessoas que não vão, não com a receita das pessoas que vão, mas com as pessoas que não vão aos serviços de saúde.
Quando o Governo se apresenta perante os profissionais de saúde, propondo que, por exemplo, os médicos sejam contratados como mão-de-obra barata, com o único critério de ser o preço mais baixo a obter de qualquer empresa de mão-de-obra o que está a fazer é a destruir o Serviço Nacional de Saúde, afastando os profissionais, afastando os serviços das populações, deixando-as à sua mercê numa coisa tão importante como é o direito à saúde.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Chegamos ao fim desta moção de censura com várias confirmações: este Governo não tem qualquer solução para os problemas do País nem qualquer perspetiva de saída da crise; este Governo tem uma política contra o interesse nacional; este Governo é um mero gestor da decadência do País, ao serviço do poder económico e do grande capital.
Mais ainda, é um Governo derrotado perante o povo e perante o País, porque já não há manobra de propaganda, não há reunião domingueira, com jipe e sem gravata, que disfarce, perante os portugueses, o desastre em que este Governo e a sua política se traduzem para o País.
Há um ano atrás, no debate do Programa do Governo, afirmámos: «A política deste Governo é estruturalmente a mesma que arrastou o País para a situação em que está e por isso não pode resolver os problemas nacionais. (…) É hoje já claro que a ser aplicado o Programa aqui apresentado e o acordo com a troika, apoiado por PSD, CDS e PS, o resultado será um afundamento ainda maior do País.»
A vida veio confirmar totalmente estas previsões, mas não se pode dizer que este programa seja um insucesso para o Governo e o grande capital. Ao contrário, este programa e a política do Governo são um sucesso para o poder económico.
É que este é, fundamentalmente, um programa de destruição de direitos e de alienação do País. Um programa que não tem qualquer preocupação com a nossa economia ou com o desenvolvimento do País mas que visa, sim, aumentar a exploração, diminuindo salários e direitos, privatizar o que ainda resta e garantir mais negócios chorudos para os grandes grupos económicos, nacionais e estrangeiros, sempre acompanhados pela colocação da rapaziada dos partidos do Governo e do acordo com a troica, a beneficiar de chorudos cargos para recompensar as suas influências nos negócios com o Estado ou nas privatizações.
O Primeiro-Ministro ainda agora passou uma semana a vender o País a grupos estrangeiros, através da oferta de importantíssimas empresas nacionais. E é verdade, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que isto é lesar o interesse nacional, porque anda lá por fora a vender o que é dos portugueses e faz falta à nossa economia, ao nosso desenvolvimento, à nossa soberania. Ou o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros esconde que anda lá por fora a vender a TAP, a ANA, os CTT, como venderam a GALP, como venderam a EDP, empresas altamente lucrativas, ou até a REN, que o CDS, quando estava na oposição, dizia que não podia ser privatizada porque era um monopólio natural. Esqueceram-se, entretanto, desse prurido que tinham, quando estavam na oposição?
É um programa para beneficiar os interesses económicos, nacionais e estrangeiros, é vender o património do País, é isso que os senhores estão a fazer!
Mas mesmo no que diz respeito ao controlo do défice e da dívida pública, este programa, o pacto de agressão, é completamente ineficaz: não só os sacrifícios aplicados aos portugueses são injustos como são inúteis para o País. Mais ainda, aprofundam a grave crise económica e social, aprofundam os défices estruturais da nossa economia e comprometem gravemente o nosso futuro.
Os dados da execução orçamental vêm provar isso mesmo: a política da recessão não resolve o problema do défice. Só o crescimento económico permite equilibrar as contas públicas. Não há crescimento económico sem melhoria do mercado interno, isto é, sem melhoria dos salários, sem melhoria das reformas e pensões, sem mais investimento público — sim, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros! —, sem uma melhor distribuição da riqueza. Sem crescimento económico também não há criação de emprego.
O Primeiro-Ministro falou da dimensão dívida pública, mas esqueceu-se de dizer porque é que a dívida pública aumentou! Aumentou devido à especulação financeira, devido às negociatas dos bancos, que obtinham financiamento no Banco Central Europeu a 1% e emprestavam ao Estado a 5, a 6, a 7%!
Aumentou porque se está a transferir a dívida privada da banca, designadamente — essa, sim, muito elevada —, para a dívida pública. E é a essa mesma banca, que transfere a sua dívida para a dívida pública, que o Governo vai dar 6000 milhões de euros.
Este é que é o problema da dívida pública, que o Governo não quer resolver.
Estes 6000 milhões são entregues sempre com o argumento de que é preciso recapitalizar a banca para ajudar a economia. Então, o Governo exige uma contrapartida a esse valor, que é a seguinte: que desses 6000 milhões, 60 milhões cheguem à economia — portanto, 1% do capital que é injetado na banca, com dinheiros públicos, que vamos pagar com juros altíssimos.
Esta dívida é impagável com este programa. Este programa, em aplicação, não é só um programa de destruição económica e social, é um programa de não pagamento da dívida, e daí a necessidade da renegociação.
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o que se fez na Grécia não foi uma renegociação, tal como a defendemos.
Foi uma imposição dos credores que, já tendo extorquido milhões e milhões de euros ao povo grego, perceberam que agora, para continuarem a receber, tinham de transferir mais e mais dívida para o Estado, para continuarem a receber por muitos e bons anos. Não foi nenhuma renegociação da dívida, tal como a defendemos!
Queremos a renegociação da dívida porque só assim é possível pagá-la, porque só assim é possível desviar dinheiro que hoje é empenhado no serviço da dívida para o crescimento económico e para a criação de emprego.
Em 2011, a dívida pública era de 184 000 milhões de euros. Em 2014, vai ser de 200 000 milhões de euros. Portanto, vai aumentar.
Em 2011, a despesa anual com o serviço da dívida, foi de 6600 milhões de euros. Em 2014, vai ser de 8300 milhões de euros. Portanto, temos mais dívida, pagamos mais serviço da dívida e não temos dinheiro, com esta política, para apostar no crescimento económico e na criação de emprego. Isso é que é a renegociação da dívida: é pagá-la, mas com o crescimento económico; é pagá-la naquilo que é justo e não naquilo que deriva da especulação; é pagá-la, sabendo nós e sabendo o Governo que não está resolvido nenhum problema de financiamento com este programa, porque ninguém garante o que vai acontecer em 2013 e em 2014, nem que o Sr. Ministro das Finanças venha aqui vangloriar-se de que os juros estão — veja-se! — a 7%, como se este fosse um número positivo para o financiamento do Estado.
E, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a solução não é tão simples como dizer sim ou não à manutenção ou à saída do euro. O que não podemos ter é esta política, que nos retira todos os instrumentos de política económica e orçamental para nos desenvolvermos. O que não podemos ter é uma política que impede o investimento público, uma política que degrada o mercado interno, os salários e as reformas, uma política que abdica da produção nacional, porque está vendida àqueles que, durante alguns anos, mandaram para cá fundos comunitários, com a contrapartida de destruírem a nossa economia e de passarem eles a produzir e a exportar para cá o que nós anteriormente produzíamos.
É por isso que precisamos de alterar esta política.
É preciso, também, dizer que, agora, aparecem muitos a defender o alargamento do tempo de aplicação do programa. Mas o prolongamento não é solução, se for para aplicar a mesma receita: mais tempo não torna justas as alterações ao Código do Trabalho, que o Presidente da República acaba de promulgar; mais tempo não torna menos graves as privatizações em curso, não aligeira a destruição do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública; mais tempo não torna menos grave a alienação da nossa soberania e a submissão ao diretório das grandes potências da União Europeia.
Do que precisamos não é de mais tempo para a mesma política! Do que precisamos é de outro tempo para outra política!
Neste debate, ficou claro que o Governo se prepara para aplicar mais medidas contra os salários, ou contra os direitos, ou contra os serviços públicos. Não chega a ser um tabu.
Desta vez, o Primeiro-Ministro não o negou, como na campanha eleitoral, em que respondeu a uma criança que seria um disparate cortar o subsídio de férias, certamente não para enganar a criança, mas para enganar, no voto, os seus pais.
O Sr. Primeiro-Ministro afirmou hoje que o povo não se deixou enganar pelo PCP. Pois não! Nem podia, Sr. Primeiro-Ministro, porque o PCP assumiu depois das eleições os compromissos que assumiu na campanha eleitoral. O Sr. Primeiro-Ministro e o Governo é que fizeram o contrário.
O Sr. Primeiro-Ministro diz que quer atacar a raiz da crise. Perguntamos: mas o que é a raiz da crise? São os direitos dos trabalhadores que estão na raiz da crise? É o Serviço Nacional de Saúde que está na raiz da crise? São as micro e pequenas empresas que estão na raiz da crise? É que estes são os que estão a ser atacados pela política do seu Governo.
E se o Sr. Primeiro-Ministro quer falar de desperdício na saúde, então contabilize nesse desperdício 320 milhões de euros que, este ano, vão ser pagos às PPP, na área da saúde, as quais foram criadas por um Governo do seu partido (estas não são do Partido Socialista, como muitas outras).
E contabilize também cerca de 600 milhões de euros que são entregues diretamente aos grandes hospitais privados pela ADSE, de tal maneira que os responsáveis dos grupos económicos privados da saúde já vêm a público defender, a todo o transe, a manutenção da ADSE. Eles que eram sempre contra o Estado, contra qualquer tipo de Estado, agora querem a manutenção da ADSE. Porquê? Porque é ali que assenta a subsistência dos seus lucros privados. Ora, aí, tem onde poupar, Sr. Primeiro-Ministro.
As verdadeiras causas da crise mantêm-se e agravam-se. Qual é a raiz principal do problema, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros? A raiz principal do problema é a degradação da nossa atividade produtiva, é nós produzirmos pouco, produzirmos cada vez menos. E só se inverte a situação do País não com programas de recessão, mas com programas de apoio à produção nacional e de aumento da produção nacional. Foi isso, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que correu mal nestes últimos 10 anos e nos anos anteriores, em que a União Europeia pagou para destruirmos a nossa economia. E é isso que os senhores têm de reconhecer: só com crescimento económico, só com o aumento da produção nacional, sairemos da situação em que estamos. Ora, com este programa estamos a fazer exatamente o contrário, estão os senhores a fazer exatamente o contrário. Estão a acudir à gula do setor financeiro; estão a degradar a atividade produtiva; estão a promover a falta de formação e qualificação, a baixa dos salários, das reformas e das pensões e a alienação da soberania económica e orçamental.
Estamos, por isso, mais próximos do abismo. Mais do que isso, muitos milhares de portugueses já caíram no abismo, porque já não têm como governar a sua vida por causa da política deste Governo e das medidas que tem vindo a aplicar.
Ouçam-nos, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e Srs. Deputados! Ouçam os desempregados, ouçam os reformados que não têm acesso à saúde, ouçam os jovens excluídos do ensino superior, ouçam os que perderam a casa! Ouçam o País e perceberão, sem qualquer margem para dúvida, porque é que esta moção de censura é justa, oportuna e indispensável.
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, falou em aumento das reformas? As reformas, quase todas, diminuíram. E as que o senhor atualizou ao nível da inflação foram imediatamente «comidas» pelo aumento do custo de vida, pelo aumento dos transportes, pelos medicamentos, pelas taxas moderadoras. Não houve qualquer aumento das pensões no nosso País.
O CDS e o Ministro Paulo Portas disseram, hoje, aqui, o contrário do que disseram no debate da moção de censura que apresentámos, em 2010, ao Governo PS.
Vou citar o, então, Deputado Paulo Portas: «Razões para censurar o Governo há inúmeras, desde o aumento de impostos ao crescimento do desemprego, ao fracasso do projeto das grandes obras, ao risco do endividamento, à ocultação do défice durante a campanha eleitoral, ao falhanço na agricultura, ao crescimento da insegurança, ao caos na educação, onde não se percebe qual a política que vigora,…» — bem vimos, na semana passada, como não se percebe como é que vão funcionar as escolas no próximo ano letivo — «… à injustiça relativamente às pensões dos mais pobres. Há, portanto, inúmeras razões para censurar o Governo, e sobre isso não há nenhuma dúvida.»
Mas também perguntava nesse debate o Dr. Paulo Portas ao, então, Primeiro-Ministro o seguinte: «Qual é o valor que dá à palavra com que se compromete com os eleitores numa campanha eleitoral?». E perguntamos nós agora: o Sr. Ministro Paulo Portas já fez essa pergunta ao atual Primeiro-Ministro? E qual foi a resposta que obteve a essa pergunta tão pertinente que fez há alguns anos?
Já o PS, que andou toda a semana a queixar-se de ser alvo do PCP, entreteve-se, na maior parte do seu discurso, a atacar o PCP. Mas, Srs. Deputados do Partido Socialista, não foi o PCP que chamou o FMI.
Aliás, em bom rigor, quem decidiu isso nem foi o Governo do PS, quem decidiu isso foi a banca, porque, durante um ano inteiro, andaram a recusar o recurso ao FMI e, depois, numa semana, deram entrevistas todos os dias e os senhores obedeceram e foram chamar o FMI e a União Europeia. Essa é que é a verdade do que se passou neste País, e todos os portugueses sabem disso.
Depois, Srs. Deputados do PS, nós não mandámos o Governo embora. Quem se foi embora foi Sócrates. Sócrates demitiu-se! Foi assim, não foi de outra maneira!
E o Governo não caiu por causa do PEC 4. O Governo caiu porque estava podre e porque a sua política não se diferenciava, nas questões fundamentais, da política da direita.
E pergunto: com quem governou o PS? Quem aprovou o Orçamento do Estado para 2010? O PSD e o CDS! Quem aprovou o Orçamento do Estado para 2011? O PSD! Quem aprovou o PEC 1, o PEC 2 e o PEC 3? O PSD! Com quem governou o Partido Socialista, que tanto se queixa dos partidos à esquerda, mas que, sempre que está no Governo, dá o braço à direita e, agora, na oposição, não vai por caminho muito diferente?
É verdade, deve dizer-se, que o PS não tem sido ingrato com este Governo. Já aprovou o Orçamento do Estado, o Orçamento retificativo, o Código do Trabalho, o Tratado orçamental. E aprovará muitas outras coisas, recompensando, assim, aquilo que o PSD fez quando estava na oposição.
E vai fazer, nesta moção de censura, o mesmo que a direita fez, em 2010: apoiar a continuação do Governo e da sua política.
E, assim, autoexclui-se da defesa de uma nova política, que não quer, porque, no fundamental, está de acordo com a atual.
Não se pode dizer ser contra o Governo e, depois, ser a favor da sua política. Não se pode ser defensor e subscritor da aplicação do «pacto de agressão», aprovar o Tratado orçamental e, ao mesmo tempo, falar de crescimento e emprego.
Hoje, percebeu-se que a única coisa que verdadeiramente entusiasma a bancada do PS é a defesa de José Sócrates e do seu Governo, não é a defesa do povo português e dos seus direitos.
Devia o PS ter perdido menos tempo a atacar o PCP e mais a olhar para a situação do País e dos portugueses. Os portugueses, infelizmente, continuam a não contar com o PS para a política de esquerda, de que o nosso País tanto precisa.
É assim que temos um Governo que é um verdadeiro Governo de destruição nacional. Um Governo que aplica uma política que rouba o presente e o futuro.
Esta moção é, por isso, mais do que uma censura; é a exigência e a demonstração de que é possível e necessária outra política. Uma política de crescimento económico, de criação de emprego, de aposta na produção nacional, de defesa das micro, pequenas e médias empresas. Uma política que reponha os direitos que o Governo e o grande patronato querem roubar aos trabalhadores, que devolva e valorize os salários e as reformas, que garanta o direito à saúde, à educação e à habitação.
Uma política que governe para o povo e para o progresso do País, que defenda os interesses nacionais. Uma política patriótica e de esquerda que, cada dia que passa, se torna mais e mais indispensável.