A saúde dos trabalhadores está debaixo de fogo. À revelia da Constituição da República Portuguesa e contra os evidentes êxitos e qualidades do Serviço Nacional de Saúde, o actual governo, como os anteriores, tudo tem feito para, de forma contínua e sistemática, destruir os recursos afectos à prestação de cuidados de saúde e pôr em causa a saúde dos trabalhadores e do povo.
É neste contexto que o PCP avalia o processo da chamada “Reorganização das Urgências Nocturnas, na área metropolitana de Lisboa”, cuja segunda fase terá hoje o seu início, com a centralização no período nocturno (20H-8H), nos hospitais de Santa Maria e São José, de duas especialidades - Psiquiatria e Oftalmologia - num processo de concentração que até final do ano incluirá várias outras especialidades, com consequências gravíssimas na assistência aos mais de 3 milhões de portugueses que vivem nas regiões abrangidas.
Já anteriormente a especialidade de Otorrino tinha sido concentrada no Hospital de Santa Maria, o que tem levantado um conjunto de dificuldades aos doentes que têm de se deslocar dezenas de quilómetros para conseguirem ser atendidos.
Situação que será ainda mais grave no caso da Psiquiatria, cuja área de referência da urgência nocturna dos dois hospitais integrará, para além de toda a área metropolitana de Lisboa, todo o Sul do País e ainda Santarém e Leiria, reduzindo, desta forma, a capacidade de resposta desta especialidade num tempo em que este governo, para além da destruição do SNS, tem desenvolvido políticas que, objectivamente, promovem mais doença e mal-estar, bem patente no agravamento dos indicadores conhecidos que apontam para um crescimento significativo de doenças mentais devido à crise económica, ao desemprego e ao endividamento das famílias, com um aumento muito significativo de depressões e suicídios.
Processo de reestruturação dos serviços de urgência que, à semelhança do que acontece no Porto, arrastará consigo o encerramento de urgências e desvalorização de outras, como se preparam para fazer com a urgência Polivalente do Garcia de Orta em Almada.
De acordo com a prática deste governo, esta decisão agora anunciada para o período nocturno, daqui por alguns meses será alargada às 24 horas do dia.
Ao contrário do que é afirmado pelo Ministro da Saúde, não há nem racionalidade, nem qualquer objectivo sério de reorganização das urgências. O que haverá é ainda mais portugueses a quem é negado o direito à assistência médica, mais portugueses afastados do acesso à prestação de cuidados de saúde, mais portugueses sujeitos a uma política criminosa que os condena a uma morte prematura.
O PCP chama a atenção para o facto de que, ao contrário do argumento avançado pelos arautos do “Estado mínimo na saúde”, esta decisão, sendo igualmente uma medida economicista na lógica do Pacto de Agressão, não tem como causa principal a necessidade de racionalizar os meios técnicos, humanos e financeiros e muito menos uma preocupação séria de reestruturar as urgências, mas sim atingir o objectivo que há muito PSD e CDS-PP, também com o apoio do PS: destruir o Serviço Nacional de Saúde, tal como está consagrado constitucionalmente, a partir da sua desarticulação e de redução da sua actividade. Em simultâneo vão transferindo para os grandes grupos monopolistas da saúde uma parte significativa das responsabilidades do Estado, como se pode verificar, no caso das urgências hospitalares, na evolução dos atendimentos registados nas urgências dos hospitais privados em detrimento dos atendimentos realizados nas instituições públicas.
Com a decisão de aumentar para o dobro o valor das taxas moderadoras nas urgências e alargar o pagamento de taxas a muitos outros episódios clínicos, com o argumento de que era preciso moderar a afluência, (como se não soubessem que a principal razão de uma maior afluência se deve à inexistência de uma eficaz rede de Cuidados de Saúde Primários e ao encerramento de urgências e Serviços de Atendimento Permanente), o resultado foi a transferência de centenas de milhar de atendimentos dos hospitais públicos para os hospitais privados.
Os números não enganam. Em 2012 a quebra de atendimentos nas urgências dos hospitais públicos foi superior a 500 mil, enquanto que nos hospitais privados, no mesmo período, a previsão, segundo o Presidente da Associação dos Hospitais Privados, era de um aumento de 250 mil atendimentos face aos mais de 1,7 milhões realizados em 2011.
Esta é que é a verdadeira razão das reestruturações em curso na saúde. Transferir para os grandes grupos monopolistas da saúde a prestação de cuidados com o respectivo financiamento público.
A “Reorganização das urgências nocturnas na área metropolitana de Lisboa”, a par dos cortes para a saúde em 2014 que podem vir a atingir 15% face a 2013, depois de quatro anos consecutivos a cortar – cortes estes que são sustentados em grande parte pelo conjunto de medidas de ataque aos direitos dos trabalhadores da Administração Pública e que se revelarão uma brutalidade face à situação que se vive na generalidade dos serviços públicos de saúde, cortes que integram um conjunto de medidas que estão em curso contra os trabalhadores da Administração Pública, são apenas duas peças de um puzzle muito mais vasto. Mais uma vez, estamos perante uma política assassina que despreza os utentes do Serviço Nacional de Saúde e que, ao contrário do que o Ministro da Saúde tem vindo a afirmar, recusa aos portugueses o acesso de que necessitam em tempo útil e que contribuirá para reduzir a esperança de vida.
É importante recordar que, ainda há cerca de um ano, a OCDE publicava um relatório em que destaca o facto de Portugal, entre os 34 países que integram a organização, ser o 5º com melhor evolução na esperança de vida e que isso se deve em grande medida ao SNS que agora querem destruir.
Este é um governo que, quando tem de fazer opções entre a saúde dos portugueses e o benefício dos grandes grupos monopolistas, não hesita, está sempre do lado dos mais fortes, dos que vêem na saúde uma oportunidade de negócio.
Ao contrário do que tem sido afirmado pelos responsáveis do Ministério da Saúde, todo o processo de “Reorganização das Urgências” foi elaborado à margem daqueles que melhor conhecem as insuficiências e as dificuldades sentidas no funcionamento das urgências dos hospitais do SNS e que estão em melhores condições para encontrar as soluções que permitam melhorar o atendimento aos doentes: os profissionais de saúde, os utentes e as autarquias.
Qualquer reorganização séria dos serviços de saúde, deve ter em conta os destinatários e a região onde se inserem e nunca ser feita a régua e esquadro e muito menos contra os profissionais e os utentes. Só assim se compreende o porquê de avançarem com uma medida que implica que os médicos passem a ir trabalhar nas urgências de outros hospitais, que não o seu, quando uma parte significativa dos médicos estão abrangidos por Acordos Colectivos de Trabalho em que nenhuma cláusula os obriga a deslocarem-se a outra instituição senão aquela abrangida pelo seu vínculo laboral.
Muitas são as questões que o governo não quer ver respondidas.
Será que foi tido em conta o facto de só na área metropolitana de Lisboa viverem 2,8 milhões de pessoas e de nela estarem localizadas importantes áreas industriais de grande perigosidade, o maior aeroporto nacional e ser uma zona de forte sinistralidade rodoviária, e que qualquer acidente grave não se compadece com uma concentração desta natureza?
Será que quem tomou esta decisão, conhece a rede de transportes da área metropolitana de Lisboa, particularmente no período nocturno?
Como estão a pensar garantir o transporte a todos os que necessitam de se deslocarem à urgência, e quem o vai pagar?
Sabem por acaso que no último inquérito realizado pelo INE às “Despesas das Famílias 2010/2011”, as despesas com os transportes representavam 14,5% dos orçamentos familiares e que com a saúde as famílias portuguesas já despendiam 5,8% directamente do seu bolso, para lá do que pagam de impostos?
Sabem que os dois hospitais onde se vão concentrar as urgências no período nocturno, com as condições de espaço/cama/técnicas que existem, não têm capacidade de resposta para o volume de afluência de episódios que irão ocorrer?
Mas será que desconhecem que estas especialidades, apesar de parecerem de menor risco, envolvem muitas vezes situações muito delicadas para os utentes, como no caso da Oftalmologia, em que a resposta, caso não seja a mais correcta, eficaz e atempada, poderá favorecer situações de cegueira?
Será que desconhecem que os casos de agudização da doença mental necessitam de uma resposta rápida, eficaz e adequada sob pena de se estar a colocar em causa a integridade física e a vida dos utentes que dela padecem e dos que os rodeiam?
Que poupança vão fazer, quando os doentes vão passar a andar a passear de ambulância de hospital para hospital com custos elevadíssimos?
Não foi por acaso que a maioria parlamentar que sustenta politicamente o governo, rejeitou a proposta apresentada pelo PCP para que o Ministro da Saúde fosse à AR prestar esclarecimentos sobre esta medida.
O PCP anuncia desde já, para o início da sessão legislativa, a apresentação de um Projecto de Resolução que vise a revogação desta medida e a criação de condições para uma correcta avaliação das verdadeiras necessidades na rede de urgências da Área Metropolitana de Lisboa, que coloque no centro das preocupações os interesses dos utentes