Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República, Reunião Plenária

A UE disponibiliza milhões de euros para armamento enquanto recusa a valorização de salários e pensões

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Sr. Presidente, 
Sra. Presidente do Parlamento Europeu,
Sras. e Srs. Deputados, 
Sras. e Srs. Convidados,

Em Portugal, como noutros países da União Europeia, a atualidade é marcada pela redução do valor real dos salários e das pensões, pela acumulada perda de poder de compra dos trabalhadores e dos reformados, pelo aumento dos preços de bens e serviços essenciais, pelo ataque a serviços públicos e direitos sociais, pelo aprofundamento das desigualdades e das injustiças, pelo aumento da exploração, ao mesmo tempo que os lucros dos grupos económicos não param de aumentar, designadamente no setor energético, da banca, das telecomunicações, lucros obtidos à custa do sacrifício dos trabalhadores e dos reformados, num processo de concentração de riqueza pelo capital. 

Perante esta realidade, não há uma palavra das instituições da União Europeia para o necessário combate ao aumento do custo de vida, nem para o aumento de salários e pensões. Não há uma palavra, porque a realidade é indissociável das opções políticas da própria União Europeia, responsáveis pela acentuada degradação da situação económica e social e que é reveladora da natureza da União Europeia, ao serviço dos interesses dos grupos económicos e das empresas multinacionais.

Acenam com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que na verdade para mais não do que nivelar por baixo os direitos sociais. Mas por mais que as instituições da União Europeia procurem passar ao lado, não conseguem esconder a degradação das condições de vida de quem vive do seu trabalho. 

Sistematicamente as instituições da União Europeia procuram impor as suas orientações neoliberais na ofensiva contra os direitos, seja direitos de trabalho e sindicais, seja direitos à saúde, educação, habitação, ou a proteção social; para conter e baixar salários e pensões; para atacar as empresas públicas e promover a privatização de setores estratégicos da economia; para travar o investimento público ou retirar novas parcelas de soberania dos países. A União Europeia sinaliza sempre como um risco ou um perigo qualquer atualização de salários ou de pensões, por mais curta que seja. 

Insiste em políticas que, não só são incapazes de resolver os problemas com que os trabalhadores e os povos estão confrontados, como são responsáveis pelo seu agravamento.

Perante a elevada inflação que o próprio Banco Central Europeu já veio a público afirmar que não resulta do aumento da procura e que está associada ao aumento das taxas de lucro, as instituições da União Europeia nada fizeram para travar o aproveitamento que os grupos económicos estão a fazer da guerra e das sanções, como antes fizeram da epidemia. O que foi adiantado na área da energia foi claramente insuficiente. Os custos da eletricidade, do gás e dos combustíveis para as famílias e para micro, pequenas e médias empresas continuam extremamente elevados.

Ontem, o Banco Central Europeu decidiu pela oitava vez consecutiva o aumento das taxas de juro no último ano e a perspetiva é que continuem a aumentar. Em Portugal, estima-se que haja mais de um milhão de famílias com empréstimos à habitação. O aumento das taxas de juro está a tornar-se insuportável para as famílias, com aumentos nas prestações de 100, 200, 300, 400 euros. É uma decisão que prejudica as famílias e o país e só beneficia a banca, permitindo a obtenção de lucros escandalosos à custa da transferência de rendimentos do trabalho para o capital.  A manter-se esta opção, mais cedo do que tarde, a situação avolumar-se-á com muitas famílias a poderem entrar em situação de incumprimento e a poderem vir a ficar sem a sua casa.

O Mediterrâneo continua a ser o maior cemitério da Europa. É desumano negar auxílio a milhares e milhares de refugiados, de homens, mulheres e crianças, que fogem da guerra, provocada em muitas circunstâncias pela ingerência dos Estados Unidos da América, da União Europeia e da NATO, e que procuram segurança e melhores condições de vida. Há passividade das autoridades, que apesar dos pedidos de ajuda, negam-se a prestá-lo, como deliberadamente deixam as pessoas em alto mar, à sua sorte, que não são poucas as vezes que a consequência é a morte, às portas da Europa. Onde está o humanismo e o respeito pelos direitos humanos que a União Europeia tanto apregoa?

Depois do “Mecanismo Europeu de Apoio à Paz”, um fundo de financiamento para operações e intervenções militares e para a aquisição de armamento e material de guerra, surge agora o Mecanismo para Apoiar a Produção de Munições (ASAP), com 500 milhões de euros de dotação e que permitirá usar fundos de coesão e PRR para a produção de munições e de artilharia. A União Europeia que mobiliza e disponibiliza milhões de euros para o armamento é a mesma que recusa a valorização dos salários e das pensões, o investimento nos serviços públicos e que empurra os povos para a pobreza. Para aumentar salários e pensões e combater o aumento do custo de vida não é possível, mas para o armamento e a guerra não há qualquer restrição.
 
A escalada armamentista só traz mais destruição e sofrimento e prolonga e intensifica a guerra. É preciso parar de instigar e alimentar a guerra na Ucrânia, abrir vias de negociação com todos os intervenientes, que permita alcançar uma solução política para o conflito, a resposta aos problemas de segurança coletiva e do desarmamento na Europa, o cumprimento dos princípios da Carta da ONU e da Ata Final da Conferência de Helsínquia.

Sr. Presidente,
Cresce o descontentamento e a luta dos trabalhadores e dos povos, luta contra o roubo de direitos, contra o aumento do custo de vida, luta pelos salários, contra a exploração, luta pela exigência da paz que cada vez se alarga mais.
A propaganda dos “valores europeus”, dos direitos, da coesão, da solidariedade, do progresso e da paz, não resiste ao confronto com a realidade, que é bem diferente. 

As opções políticas da União Europeia confirmam ser parte do problema e não da solução. O que é necessário para dar resposta aos problemas, e que os trabalhadores e os povos aspiram, é o aumento dos salários e das pensões recuperando e valorizando o poder de compra perdido; a controlo e a redução dos preços dos bens e serviços essenciais; o combate a todas as formas de especulação, incluindo pela taxação extraordinária dos lucros dos grupos económicos e das multinacionais; o reforço dos serviços públicos e a garantia dos direitos sociais, da saúde à habitação, da educação, à cultura e à proteção social.

Por uma Europa dos trabalhadores e dos povos, de progresso e na justiça social, de respeito pela soberania e igualdade de direitos entre Estados, de solidariedade e de cooperação entre os povos, e de promoção da paz.

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