Projecto de Resolução N.º 110/XVI/1.ª

Travar a especulação, garantir e proteger o direito à habitação

Exposição de motivos

O País enfrenta um grave problema no acesso à habitação. O aumento dos preços das rendas de casa (que mais que duplicaram numa década) e do valor dos empréstimos à habitação (em função do brutal aumento das taxas de juro), a ausência de disponibilização e construção de habitação pública (com valores residuais nas ultimas décadas), a instabilidade no arrendamento com contratos de muito curta duração (fruto da liberalização do mercado e da facilitação dos despejos), a pressão da procura estrangeira (turismo e residentes não habituais), entre outros problemas – criaram um problema social de grandes proporções que atingem milhões de pessoas em Portugal.

Na verdade, o que se verifica no sector da habitação é o impacto da aplicação das opções neoliberais que transformaram a habitação numa mercadoria e num “ativo” para investimento, apagando a sua função social e assegurando, seja para a banca, seja para a grande propriedade imobiliária, lucros colossais que se têm vindo a acumular.

Perante a gravidade e centralidade que este problema assume no nosso País, resultante das opções de sucessivos governos que promoveram este caminho, o Governo da PSD/CDS apresenta um conjunto de medidas cujo sentido geral tem como objetivo criar novas oportunidades de negócio para o grande capital.

Verifica-se uma total ausência de resposta aos verdadeiros problemas com que as populações estão confrontadas, afastando deliberadamente medidas que regulem e reduzam o valor das rendas, o valor das prestações ao banco, a disponibilização de habitação pública, tudo o que implique enfrentar os grandes interesses e garantir o direito efetivamente o direito à habitação. E, ao mesmo tempo, aproveitar a gravidade deste problema para garantir novas oportunidades de negócios para o grande capital.

A perspetiva que está colocada é a de entrega de património público ao grande negócio imobiliário por via de novas PPP, designadamente de edifícios públicos (administração central e local).

Por outro lado, o Governo anuncia a adoção de medidas – simplex urbanístico, alteração da Lei dos Solos, bónus construtivo para habitação, novo Código de Construção – que conduzem à completa liberalização do sector, à construção desregrada e contrária ao correto ordenamento do território, a impactos ambientais e urbanísticos com consequências que poderão ser irreversíveis, à Lei da Selva em matéria urbanística e do ordenamento do território.

Na prática, o que as medidas do Governo traduzem nesta matéria é a negação do direito à cidade, com a consolidação de uma organização do espaço urbano em função de critérios de classe, empurrando para distâncias cada vez maiores as populações com mais baixos rendimentos.

Tal como afirmou a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, o Governo com as medidas anunciadas visa atingir os inquilinos com contratos celebrados antes de 1990 fazendo-os transitar para o NRAU, ou seja, torná-los precários e de curto prazo, bem como aumentar as rendas para os ditos valores de mercado, especulativos e incomportáveis para a maioria destes inquilinos, maioritariamente idosos, de baixos rendimentos, sem alternativas de habitação, conduzindo aos despejos deste grupo vulnerável, sendo medidas sem ponta de humanidade e de consideração e respeito pelos mais velhos e enfraquecidos.

A lógica assumida pelo governo é a de que estamos perante um problema de escassez de oferta e que é preciso “pôr o mercado a funcionar”.

Ora, a habitação cumpre uma função social – suprir uma necessidade básica. A habitação é a base da estruturação e organização de uma família. Sendo um bem essencial, a prioridade tem de ser proteger a habitação das famílias e assegurar o acesso à habitação a todos.

É preciso enfrentar os interesses da banca, dos grandes proprietários e dos fundos imobiliários, desenvolver uma política de habitação em que o Estado se assuma como grande promotor de Habitação, intervindo de forma a garantir esse direito, contrariando a lógica nefasta da especulação e da acumulação de lucro à custa das condições de vida das populações. 

Em resultado da política de aumento dos juros do BCE e da União Europeia, a banca tem visto os seus lucros aumentar de forma escandalosa: os cinco maiores bancos em Portugal tiveram lucros acima dos quatro mil milhões de euros no ano passado, um aumento de 70 por cento.

Este aumento dos lucros é explicado, sobretudo, pelo aumento da margem financeira da banca, ou seja, a diferença entre os juros que os bancos recebem quando concedem crédito e os juros que pagam nos depósitos. Nestes cinco maiores bancos, a margem financeira aumentou 56% em relação ao ano anterior.

Os lucros da banca foram obtidos às custas da maioria da população, em particular das famílias a braços com crédito à habitação, que viram, ao longo destes meses, aumentar as suas prestações de forma insuportável.

Perante o significativo aumento das taxas de juro e das prestações do crédito à habitação e a perspetiva da continuação destes aumentos, são necessárias medidas que respondam no imediato à situação sentida pelas famílias. Medidas que introduzam maior segurança e previsibilidade para as famílias, e que contribuam para evitar situações de incumprimento generalizado que, para lá das profundas consequências sociais, possam pôr em causa a estabilidade do sistema financeiro.

Para assegurar o acesso à habitação, combater a especulação e garantir que nenhuma família entre em situação de incumprimento e possa ver-se forçada a abandonar a habitação, o PCP propõe um conjunto de medidas para travar a subida das prestações do crédito à habitação, proteger os inquilinos dos despejos e das subidas de rendas, bem como aumentar a oferta pública de habitação.

Tal como o PCP tem vindo a sublinhar, o que é indispensável garantir não são os lucros dos bancos e dos fundos imobiliários, mas sim o direito das populações à Habitação.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo que:

  1. Adote as seguintes medidas para a proteção da habitação própria:
    1. Definição de um spread máximo de 0,25% a praticar pela CGD;
    2. Criação de um mecanismo associado à Taxa Anual Efetiva Global (TAEG) determinando que a subida das taxas Euribor tenha como primeira consequência a redução das margens de lucro dos bancos que resultam de um conjunto de custos e encargos associados aos créditos à habitação (taxas e comissões bancárias, seguros, anuidades de cartões de crédito, entre outros), assegurando que a totalidade dos encargos com o crédito (amortização de capital, juros, outros custos e encargos) não ultrapasse o valor da TAEG definido no início do contrato;
    3. Criação de um regime legal de renegociação dos contratos de crédito à habitação, mediada por equipas do Banco de Portugal, considerando um limite de 35% de taxa de esforço e com extensão do prazo para pagamento do crédito;
    4. Aplicação de uma moratória de capital no pagamento do empréstimo (envolvendo dispensa de amortização de capital e limitação do pagamento de juros a uma taxa igual àquela que é utilizada para o financiamento dos bancos) por um período máximo de 2 anos, sendo o prazo de pagamento do empréstimo automaticamente prolongado por período idêntico;
    5. Criação de um regime específico de dação em cumprimento, admitindo a entrega da casa ao banco sem possibilidade de oposição deste e de forma a que a dívida seja considerada integralmente extinta e que quem entrega a casa possa ser compensado se ela for vendida posteriormente por um valor superior ao que foi considerado aquando da entrega;
    6. Possibilidade de conversão do crédito à habitação em arrendamento, com possibilidade de retoma do empréstimo no prazo de 10 anos, deduzindo do capital em dívida o valor total das rendas entretanto pagas;
    7. Proibição de penhora ou execução de hipoteca do imóvel que constitua habitação própria permanente quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do devedor ou do seu agregado familiar;
    8. Proibição de limitação de acesso ao crédito em consequência do recurso às medidas referidas nos números anteriores.
  2. Adote as seguintes medidas para a proteção da habitação arrendada:
    1. Fixação do limite máximo do valor da renda nos contratos de arrendamento que venham a ser celebrados, correspondente à aplicação do coeficiente de 1,0043 ao valor da última renda praticada no arrendamento de imóvel que tenha estado sujeito a arrendamento nos 24 meses anteriores;
    2. Proibição de despejo quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do inquilino ou do seu agregado familiar;
    3. Proibição de denúncia do contrato quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do inquilino ou do seu agregado familiar e quando se demonstre que a renda paga corresponde a uma taxa de esforço igual ou superior a 25%;
    4. Revogação do Novo Regime de Arrendamento Urbano, adotando legislação que reforce a proteção dos inquilinos, remova os mecanismos de facilitação do despejo e que regule os valores das rendas.
  3. Adote medidas para garantir o acesso à habitação:
    1. Assunção pelo Estado da sua responsabilidade enquanto promotor público de habitação, com o objetivo de alargar a oferta e disponibilização de habitação pública para suprir as carências identificadas;
    2. Identificação, reabilitação e disponibilização de imóveis do Estado que possam ser destinados à habitação, proibindo a alienação de património público com características que permitam a sua utilização para fins habitacionais;
    3. Promoção, através do movimento cooperativo, sector social e mutualista de um parque habitacional, a custos e qualidade controlados, destinado ao regime de renda condicionada;
    4. Criação de programas cooperativos, abertos a uma base alargada de agentes, destinados à recuperação e reabilitação de habitação;
    5. Disponibilização pelo Estado de uma linha de crédito a taxa reduzida destinada à recuperação e reabilitação de imóveis atualmente devolutos ou destinados a fins não habitacionais e que passem a ser destinados a habitação no regime da renda condicionada;
    6. Implementação de um regime simplificado de posse administrativa pelo IHRU, em articulação com as autarquias, de imóveis devolutos da propriedade de fundos imobiliários, ou de outros proprietários que não recorram ao mecanismo anterior, disponibilizando-os para arrendamento no regime da renda condicionada;
    7. Limitação da aquisição de habitações por fundos imobiliários.
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