1. O PCP considera ser necessário proceder à avaliação do impacto do surto epidémico, nas suas diversas dimensões, na situação das mulheres, na sua relação entre a sua actividade profissional e a vida familiar, e tomar medidas que travem a degradação das condições de vida e de trabalho e façam cumprir os seus direitos.
Nos últimos três meses regista-se o agravamento das desigualdades, discriminações e violências que incidem sobre a maioria das mulheres.
Sendo uma realidade prevalecente antes do surto epidémico, tende a um agravamento que aprofunda os sinais de recessão económica e social, sem que sejam dadas as respostas necessárias a esta situação excepcional por parte do actual Governo e da União Europeia.
Não contribuiremos para a secundarização dos problemas que afectam a grande maioria das mulheres, face a um quadro de generalizado agravamento da exploração, de desigualdades na distribuição do rendimento nacional e de empobrecimento. Nem tão pouco aceitaremos que sejam remetidos para uma mera desigualdade de "género", abordagem que não dá resposta à espiral de desigualdades, discriminações e violências que o actual contexto proporciona, nem tão pouco contribui para afirmar a exigência de uma política alternativa que as enfrente e as elimine.
Confirmou-se o peso crescente das mulheres, enquanto trabalhadoras, mas igualmente das micro e pequenas empresárias e das agricultoras e rurais no tecido económico do País.
Ficou evidente o valor do trabalho das mulheres nos sectores que mantiveram actividade no período de confinamento. São disso exemplo as trabalhadoras da saúde, essenciais à resposta do Serviço Nacional de Saúde, das que garantiram o funcionamento da rede de equipamentos e serviços de apoio (serviços de apoio domiciliário, lares de crianças e jovens, de pessoas com deficiência e idosos), das trabalhadoras dos serviços de limpeza e de distribuição alimentar, entre outras.
Entretanto, o surto epidémico expôs de forma muito evidente a situação de vulnerabilidade da condição da trabalhadora, acrescentando impactos muito negativos no plano da sua actividade profissional ou na ausência dela, na brutal quebra dos seus rendimentos de trabalho, a par da profunda sobrecarga com a esfera familiar e doméstica.
Desde logo, a falta de uma justa valorização do estatuto socioprofissional das trabalhadoras, dos baixos salários e incumprimento de direitos laborais, que sendo anteriores ao surto epidémico se tornaram mais evidentes e chocantes face às redobradas exigências que lhes têm sido colocadas neste período.
A profunda injustiça e perversidade da precariedade laboral tem levado a que milhares de trabalhadoras tenham ficado sem trabalho e sem salário.
Injustiças entre enfermeiras infectadas pela Covid-19, considerada uma doença profissional pela luta travada, mas cujo montante se fica em 75% para quem tem contrato individual de trabalho.
Os baixos salários e as discriminações salariais, directas e indirectas, que incidem sobre as trabalhadoras repercutem-se na redução do seu rendimento disponível, face aos cortes nos salários de todas aquelas que ficaram em casa para acompanhar os filhos, das que estão abrangidas pelo lay-off, com cortes de um terço do salário, o que representa uma dupla dificuldade para as que recebem salários mais baixos.
Mais baixos salários, que continuam no actual contexto a ser um factor de grande peso na decisão de ser a mulher a ficar em casa com os filhos, garantindo desta forma uma menor perda de rendimento familiar.
O actual contexto anima o fomento de concepções conservadoras sobre o papel das mulheres na familia assentes na ideia de que devem ser as mulheres a ficar em casa, a cuidar dos filhos, dos idosos e dos doentes.
Acresce, que o teletrabalho não representou qualquer benefício para as mulheres mas, pelo contrário, um enorme custo. Mesmo para aquelas que nestes meses sentiram um enorme alívio por não perderem tempo na deslocação entre residência e local de trabalho.
O teletrabalho, colocado como necessário nesta situação de excepção, constituiu uma total desorganização do tempo de trabalho e do tempo pessoal e familiar, com uma enorme sobrecarga diária para a grande maioria das mulheres, face à impossibilidade prática de articular o tempo de trabalho com o tempo para acompanhar os filhos e responder à organização dos restantes aspectos da vida e familiar.
Ao mesmo tempo que ficou patente a impossibilidade prática de transformar uma habitação simultaneamente em escritório, sala de aula, e espaço de convívio entre os membros da família.
É fundamental dar combate às teses do grande capital sobre as vantagens do teletrabalho para as mulheres, que têm sido impulsionadas pelos governos e pelas orientações da União Europeia como “boas práticas de conciliação”. Trata-se de uma velha aspiração indissociável do aumento da exploração a pretexto do surto epidémico, para ampliar a precarização das relações laborais e reduzir os custos do trabalho.
Queremos ainda destacar a profunda degradação das condições de vida das trabalhadoras das áreas das artes e da cultura, bem como nas micro e pequenas empresários e agricultoras e rurais resultante da suspensão das atividades económicas e culturais.
2. O PCP tem apresentado propostas muito concretas que visam responder aos problemas acrescidos com que as mulheres estão confrontadas e que são comuns às classes e camadas sociais que estas integram e que estão a ser fortemente fustigadas nas suas condições de vida e no seu futuro próximo, bem como para dar resposta aos seus problemas específicos no que concerne à necessidade de impedir o agravamento das desigualdades, discriminações e violências que as penalizam.
As propostas do PCP têm visado a necessidade de consolidação do Serviço Nacional de Saúde, designadamente com a adopção do Plano de Emergência visando o reforço da sua capacidade de resposta aos doentes com Covid-19 e aos doentes com outras patologias.
Mas, igualmente, propostas que têm visado evitar uma grave recessão económica, quebra de rendimentos do trabalho e agravamento brutal do desemprego.
Destacam-se as iniciativas que visaram assegurar aos pais que têm de acompanhar os filhos o pagamento a 100% da remuneração e o alargamento desse apoio às familias com crianças até aos 16 anos; a prorrogação e renovação automática de todas as prestações sociais; a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos permanentes dos trabalhadores contratados para reforçar os serviços públicos; a criação de apoio extraordinário de protecção social a trabalhadores sem acesso a outros mecanismos de apoio, designadamente para trabalhadores com formas de prestação de trabalho atípicas, como sejam o trabalho à hora e ao dia; garantia de protecção social aos trabalhadores de empresas de trabalho temporário que tenham sido alvo de despedimentos, permitindo o acesso ao subsídio de desemprego.
Igualmente, as iniciativas que visam assegurar o cumprimento das decisões constantes no Orçamento do Estado para 2020, que por proposta do PCP garante a gratuitidade da frequência da creche para as famílias do primeiro escalão de rendimento e para o segundo filho do segundo escalão; e estabelecimento de um plano de alargamento da gratuitidade das creches ou soluções equiparadas para todas as crianças até 2023.
Foram diversas as propostas apresentadas para responder aos problemas da agricultura familiar, dos micro e pequenos empresários, a par da criação de um fundo de apoio social de emergência ao tecido cultural e artístico.
E, por último, destaca-se aprovação da proposta do PCP visando a melhoria das condições de acesso ao subsídio social de desemprego, garantindo o direito a esta prestação social a trabalhadores que tenham ficado sem rendimentos ou cujos rendimentos tenham diminuído significativamente e que actualmente não têm direito à protecção social no desemprego.
O PCP reafirma que no quadro do surto epidémico, a resposta à prevenção e combate à violência doméstica passa pelo cumprimento dos direitos das mulheres, por uma resposta pública, articulada e descentralizada, com reforço dos meios financeiros, técnicos e humanos dos serviços públicos para que possam cumprir o seu papel na detecção, sinalização, encaminhamento, proteção e defesa das mulheres vítimas de violência doméstica, garantindo os apoios psicológico, social, e jurídico adequados. Ao mesmo tempo que é necessário dar prioridade à prevenção da reincidência da violência doméstica.
No que à prostituição concerne, o surto epidémico torna visível a inexistência de programas de saída para as mulheres prostituídas que são sujeitas a uma violência extrema que alimenta um negócio sórdido que rende milhões ao proxenetismo.
3. Importa, ainda referir que alguns pretendem que o surto epidémico iluda o combate à exploração, desigualdades, discriminações e violências que atingem as mulheres. Este combate é uma questão de justiça para com as mulheres que exigem exercer direitos, participar em igualdade em todos os sectores de actividade e em todos os domínios da vida em sociedade. Mas é, igualmente, uma condição necessária para edificar um País ancorado na justiça social, no seu desenvolvimento económico e social e na sua soberania.
As mulheres podem contar com o PCP na luta para travar a degradação das suas condições de vida e de trabalho, para combater e prevenir desigualdades, discriminações e violências e para fazer cumprir os direitos das mulheres nos seus diferentes domínios.
Mas, a força da sua acção organizada é fundamental no tempo presente e para o futuro, porque o surto epidémico não suspende a justiça que preside à satisfação das reivindicações que uniram muitos milhares de mulheres que participaram na Manifestação Nacional de Mulheres promovida pelo MDM, no âmbito da comemoração do Dia Internacional da Mulher, nem tão pouco as que estiveram na base das iniciativas realizadas no âmbito desta data, designadamente na semana da igualdade promovida pela CGTP-IN e por sindicatos por “Emprego de qualidade, viver e lutar pela igualdade”.
Pelo contrário, estas reivindicações são centrais no tempo presente, para dar confiança às mulheres do seu papel insubstituível na luta que denuncie e dê visibilidade aos problemas acrescidos com que estão confrontadas e afirmem a justiça que preside à sua exigência de cumprimento dos seus direitos.