Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Audição Pública «Teletrabalho: ilusões; fragilização dos trabalhadores; garantia de direitos»

Teletrabalho: ilusões; fragilização dos trabalhadores; garantia de direitos

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O desenvolvimento científico e tecnológico é uma realidade com incidência em todos os planos da vida e da sociedade, e também no trabalho. Ele pode servir os trabalhadores ou, no quadro da sua apropriação pelo capital, ser posto ao serviço do seu objectivo de agravamento da exploração e de ataque aos direitos dos trabalhadores.

Sabemos que hoje com a crescente automação do processo produtivo que alia, nomeadamente, inteligência artificial e computação a organização do trabalho leva, em muitas situações, à separação física em diversas das unidades de produção de componentes, fora do mesmo espaço e até do mesmo país, dissociadas da unidade de produção que finaliza um determinado produto.

E que a informática e o processo de digitalização de muitas actividades desmaterializaram a base de informação para o trabalho e abriram a possibilidade de uma separação física, presencial, do local a partir do qual se opera essa informação.

O grau de informatização nos processos produtivos, máquinas e equipamento tornam possível também a sua manutenção e mesmo manejo à distância.

A cada vez maior capacidade e velocidade de comunicação a partir das redes electrónicas permite tecnicamente que, mesmo com separação física de centenas ou milhares de quilómetros, as condições de acesso não sejam muito diferentes das que tem quem acede, por via do mesmo tipo de redes, a escassas dezenas de metros.

É neste contexto que é referido o teletrabalho. No entanto no conceito de teletrabalho misturam-se realidades muito diferentes: trabalho à distância em instalações da empresa; o trabalho à distância em espaço comum a várias empresas e o trabalho a partir da residência do trabalhadores que é, afinal, o que pretende ser promovido e endeusado.

Não está em causa para o PCP o aproveitamento das novas tecnologias ao serviço do desenvolvimento e da melhoria das condições de trabalho e de vida, o que está em causa é, como muitas outras vezes se verificou, o aproveitamento pelos mesmos de sempre, o grande capital, para criar ilusões e fragilizar os trabalhadores. Este período da epidemia favoreceu uma mais larga utilização de formas de teletrabalho a partir de casa, que alguns pretendem aproveitar para uma generalização acrítica. Promovem ilusões sobre vantagens para os trabalhadores omitindo as consequências negativas, que aliás este período claramente evidenciou.

A consideração individual do teletrabalho como solução aceitável, nomeadamente pela poupança de tempo em transportes, melhor articulação da vida pessoal, confrontação menos directa com a intervenção e imposição de chefias, distanciamento de ambientes de trabalho menos favoráveis, é compreensível.

Mas o que está em causa é muito mais que isso. O que verdadeiramente quer o grande capital? A que é necessário estar atento? O que é preciso evitar?
Querem o agravamento da exploração com intensificação do trabalho, na duração e ritmo, uma maior pressão para alargamento do período de trabalho, para a disponibilidade permanente, com a dificuldade acrescida de definir, controlar e fiscalizar os tempos de trabalho.

Com isso, visam a redução de custos das empresas com a transferência para o trabalhador de custos de instalações, água, electricidade, bem como a pressão para o uso de instrumentos de trabalho do trabalhador ao serviço da empresa.

Pretendem impor um salto qualitativo na devassa na vida dos trabalhadores. A imposição da instalação e funcionamento de câmeras de filmagem, a utilização por controlo remoto dessas câmeras, a pretexto do controlo do tempo de trabalho, da garantia de não visualização do trabalho ou do acesso a informações por parte de pessoas estranhas ao empregador. Só que esta invocação para fiscalizar o ambiente de trabalho em casa, significa mesmo o controlo do ambiente familiar e as tentativas de devassa não se ficam por aqui, verificando-se já exigências do acesso à residência do trabalhador por parte de empresas para verificação de exercício do trabalho ou controlo de funções e actividade.

Querem fazer o caminho para acabar com componentes da remuneração dos trabalhadores, no imediato ou a prazo, nomeadamente o subsídio de refeição, de transportes e outros de incidência familiar.

Têm o propósito de se desresponsabilizar das questões de segurança e saúde no trabalho e da protecção de acidentes de trabalho, estabelecendo a confusão entre o que é esfera privada ou de trabalho em condições de teletrabalho no domicílio, para fugir às responsabilidades que as empresas têm que assumir, num quadro em que se potencia o desenvolvimento e agravamento de doenças profissionais resultantes do aumento do isolamento e da não diferenciação do ambiente do trabalho e da residência.

A tudo isto acresce ainda o objectivo da separação física e do maior isolamento dos trabalhadores uns dos outros, em seu prejuízo, negando a possibilidade de partilha de experiências e conhecimentos que favorecem o seu desenvolvimento profissional e pessoal, promovem a fragilização, se não uma ruptura na construção de laços de sociabilização e de afirmação de espaços de solidariedade colectiva, com impactos negativos no esclarecimento, na unidade, na organização e na luta dos trabalhadores.

Estas são preocupações que temos, que compartilhamos convosco, sobre as quais vos queremos ouvir nesta iniciativa, mas ao mesmo tempo afirmamos a disposição de iniciativa e intervenção do PCP.

Contribuiremos para esclarecer as ilusões sobre a generalização do teletrabalho em casa como solução alternativa de prestação de trabalho, combateremos as linhas de fragilização dos trabalhadores.

Lutamos para fixar e garantir os direitos dos trabalhadores abrangidos pelo teletrabalho.

Defendemos o desenvolvimento equilibrado do País, combatemos o despovoamento do interior, propomos o aproveitamento de todos os seus recursos e potencialidades, no mundo rural, na indústria, nos serviços. Defendemos o planeamento e ordenamento do território, na fixação das actividades produtivas e da habitação como caminho necessário para reduzir deslocações, poupando tempo e recursos.

É esse o sentido da intervenção do PCP no plano geral e da sua iniciativa na Assembleia da República que iremos intensificar. Apresentando propostas para defender os trabalhadores em teletrabalho, no plano dos salários e da garantia de todas as componentes remuneratórias, do cumprimento escrupuloso dos horários, do direito à privacidade e dos direitos sindicais.

Sempre com os trabalhadores e os seus direitos.

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