Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República, Debate de actualidade em plenário

Supervisão Bancária

Debate de actualidade sobre supervisão bancária

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Srs. Deputados:

O que foi montado no BPN, o que ali se desenvolveu e reforçou desde o início da década de 2000 foi uma verdadeira rede criminosa sustentada em dependências, em favores e em cumplicidades pessoais.

Tudo o que de pior se possa imaginar lá sucedeu e por lá passou.

Um esquema ardiloso de mais de 90 offshore e uma pirâmide de instituições e sucursais financeiras com vértice cimeiro no BPN serviram para evasão fiscal, branqueamento de capitais, ocultação de acções próprias, ocultação de créditos a administradores e a alguns accionistas de referência, créditos concedidos a amigos sem garantias nem hipotecas reais, ocultação de prejuízos, operações trianguladas entre o BPN, o BPN Cayman e o famoso Banco Insular para desvio de fundos em proveito próprio.

Em síntese, Srs. Deputados, uma autêntica rede mafiosa. Não tenhamos ilusões.

Na cúpula desta rede, estava, sem dúvida, o antigo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva e antigo quadro do Banco de Portugal, Oliveira Costa. Mas, para se montar e desenvolver uma teia desta dimensão, é preciso uma equipa igualmente responsável e totalmente conivente, a qual inclui antigos administradores do BPN e da SLN, directores financeiros, jurídicos e de crédito, para além de alguns dos accionistas de referência que participaram activamente em muitos dos esquemas, que obtiveram créditos ilegais, que tinham de conhecer bastante bem os esquemas e a falcatrua institucional montada em torno do Banco Insular.

Todos se aproveitaram dela, todos beneficiaram dela, enganando e roubando os depositantes e o próprio País. Anos a fio sem que a supervisão bancária desse por alguma coisa. Sem que o Banco de Portugal nomeasse (ou ameaçasse nomear) um administrador-delegado, sem que o Banco de Portugal mandasse (ou ameaçasse mandar) fazer uma qualquer auditoria externa

Anos a fio sem que a supervisão bancária perguntasse o que devia no momento em que o podia e devia fazer. Anos a fio em que o Banco de Portugal soube tudo ou quase tudo, conheceu todos ou quase todos os esquemas, anos a fio em que, com a provável (mas não certa) excepção do Banco Insular, o Banco de Portugal dispunha de todos os dados para desconfiar.

Só que, Srs. Deputados e Sr. Ministro, nunca o fez!

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Dr. Bandeira, Presidente do BPN, e o Governo querem, agora, vender a ideia que este buraco pode não custar um cêntimo sequer aos contribuintes.

Os capitais negativos - o buraco - no BPN é superior a 1600 milhões de euros, incluindo um prejuízo de mais de 570 milhões em 2008. As injecções de dinheiro líquido que a Caixa já fez são superiores a 2500 milhões de euros, que não se sabe nem quando nem como poderão ser recuperados.

E, a propósito, recorde-se que o buraco anunciado pelo Governo no momento da designada «nacionalização do BPN» não chegava sequer aos 700 milhões.

A conclusão é, pois, incontornável: enquanto diz que não há dinheiro para alargar e aumentar o subsídio de desemprego e fazer frente a uma taxa de desemprego oficial que já vai nos 9,3%, o Governo não hesitou em injectar milhares de milhões de euros no BPN.

Esta é uma das consequências da decisão do Governo em nacionalizar os prejuízos do BPN e deixar nas mãos dos accionistas - alguns deles responsáveis pela situação do Grupo - áreas e sectores que podiam ser rentabilizados, que podiam e deviam equilibrar os prejuízos.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Tal como na Comissão de Inquérito ao Banco Comercial Português, o Banco de Portugal continua a negar informações essenciais à Comissão de Inquérito. Invocando o segredo profissional, o Banco de Portugal tem impedido que documentação essencial seja transmitida à Comissão de Inquérito.

Isto é: o Banco de Portugal nega informação a uma Comissão de Inquérito constituída precisamente para analisar o seu próprio desempenho e a sua actividade de supervisão.

Perante isto, a Comissão de Inquérito tinha a obrigação de não se deixar vergar à vontade do Dr. Vítor Constâncio. Infelizmente, tal não sucedeu por imposição exclusiva do Partido Socialista.

Afinal, o empenho anunciado em levantar o segredo profissional foi «sol de pouca dura».

Em vez de usar os meios que toda a jurisprudência aponta, o PS impediu que a Comissão de Inquérito recorresse ao Tribunal da Relação para levantar o segredo profissional e obrigar o Banco de Portugal e o Dr. Vítor Constâncio a fornecerem a informação solicitada.

Não chegam, por isso, declarações de boas intenções, sejam elas para incluir nas conclusões da Comissão o repúdio pela atitude do Banco de Portugal ou para recomendar que, em futura legislatura, seja revisto o regime jurídico das comissões parlamentares de inquérito... Nada, nenhuma conclusão ou recomendação, por mais justas que sejam, nem mesmo o eventual indeferimento do recurso pelo Tribunal da Relação, podem servir de argumento para justificar a oposição obstinada do PS à proposta do PCP - aliás, apoiada pelos restantes partidos.

Por imposição exclusiva do PS, a Comissão de Inquérito, e, por maioria de razão, a Assembleia da República, vergou-se, submeteu-se à vontade majestática do Banco de Portugal e do Dr. Vítor Constâncio.

Prova-se assim que, para o PS, o desempenho da supervisão do Banco de Portugal é intocável.

É que nem sequer o PS - aliás, aqui acompanhado também pelo PSD - permitiu que a Comissão de Inquérito participasse ao Ministério Público da possível existência de um crime de desobediência qualificada cometido pelo Banco de Portugal, com a sua recusa em levantar o segredo profissional.

Estas atitudes, Sr. Ministro e Srs. Deputados, não auguram nada de bom para a Comissão de Inquérito ao BPN. E de duas, uma: ou o PS muda e deixa de proteger Vítor Constâncio ou as conclusões e recomendações desta Comissão - que tantas expectativas, legitimamente, têm criado - arriscam-se a ser quase tão inócuas quanto foram as do caso BCP.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,

Numa prática que já vem sendo habitual, vem para este debate fazer recomendações ao seu candidato às eleições europeias de que não deve imiscuir-se nas questões da supervisão.

Esta é uma sede onde estamos a debater todas as questões relacionadas com a supervisão bancária de uma forma legítima, não estamos a falar de eleições europeias.

O Sr. Deputado Victor Baptista,

Em nome do Partido Socialista, veio dizer que está tudo normal. Portanto, para o Partido Socialista, o que aconteceu no Banco Comercial Português, o que aconteceu no Banco Português de Negócios, o que aconteceu no Banco Privado Português é normal, corresponde a uma actuação normal da supervisão bancária. Para o PCP, não corresponde, Sr. Ministro!

Sr. Ministro,

Quanto às alterações da supervisão bancária, tenho o dossier preparado e quero confrontá-lo com as mudanças que os senhores disseram que fizeram na supervisão bancária.

Quer que lhe diga? Os senhores querem que continue a ser passível de aplicação apenas de multa a realização fraudulenta de capital social. Querem que a falsidade, a falsificação da contabilidade e a inexistência de contabilidade organizada se mantenha objecto apenas de multa, quando em todos os países da Europa é passível de prisão.

É esse o reforço que os senhores querem introduzir na supervisão bancária! Aliás, neste caso, o bloco central funcionou bem e também votou favoravelmente essa iniquidade, Sr. Ministro! Vou dar-lhe mais dois exemplos.

Tínhamos proposto que, na supervisão bancária, fossem criadas equipas permanentes nos grandes bancos.

Sabem o que é que a vossa maioria, acompanhada pelo PSD, fez? Rejeitaram esta hipótese, votaram contra esta proposta, quando, ainda na semana passada, repito, ainda na semana passada, o próprio Dr. Vítor Constâncio as veio defender!

Está a ver qual é a vossa postura perante a supervisão? É esta!

Quer outro exemplo, Sr. Ministro? Vou dar-lhe outro.

Os senhores votaram contra a protecção daquelas testemunhas que o Dr. Vítor Constâncio e o Deputado Victor Baptista dizem que é a base da supervisão, que é a denúncia, e para isso é preciso proteger testemunhas.

Sr. Ministro,

Sabe qual foi a votação da sua maioria, da maioria absoluta, que, às vezes, mais parece maioria absurda do que maioria absoluta?

Votaram contra. Esta é a verdadeira face de quem diz que está a defender e a reforçar a supervisão bancária, mas, na prática, está a rejeitar as propostas para a reforçar. É isto, Sr. Ministro.

(...)

Sr. Presidente,

Quem acusou o toque foi o Sr. Ministro, porque julgava que eu não o ia confrontar com o reforço concreto da supervisão e eu dei-lhe vários exemplos propostos pela bancada de que faço parte e o senhor votou contra. Esta é que é a verdade a que V. Ex.ª e a sua maioria, por mais habilidades que façam, não conseguem alguma vez fugir!

O que mostra o debate da iniciativa do PCP é não só a incompetência ou a ineficácia do Governador de Portugal e da supervisão bancária mas, também - e importa, nesta fase final, realçá-lo e sublinhá-lo novamente -, a obstrução do Dr. Vítor Constâncio aos trabalhos da Comissão de Inquérito.

E agora estou a falar, de facto, na Comissão de Inquérito.

Registe-se, lamente-se, sublinhe-se aqui, Sr. Ministro e Srs. Deputados, a posição do Partido Socialista perante esta situação, que permitiu que a Comissão de Inquérito, permitiu que a Assembleia da República se subjugasse - digo bem e repito com o peso político que estas palavras significam! - perante a vontade do Dr. Vítor Constâncio em impedir que a Comissão de Inquérito tivesse acesso a documentos essenciais.

Mais, Sr. Ministro: a verdade é que é absolutamente inaceitável que uma entidade pública - o Banco de Portugal - recuse documentos a uma comissão cuja finalidade, aprovada por toda a Câmara por unanimidade, é precisamente a de investigar o desempenho dessa entidade. Isto é que é inaceitável e devia fazer corar de vergonha o Dr. Vítor Constâncio e esta maioria absoluta, que impediu que houvesse recurso para o Tribunal da Relação

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