Em nome do Partido Comunista Português quero saudar e agradecer a todos os que connosco estão nesta Sessão evocativa do Centenário do nascimento de Sofia Ferreira, dirigente comunista dedicada, firme resistente antifascista e combatente de Abril, exemplo notável de mulher cuja vida e militância revolucionária constituem um inestimável património do PCP.
Sofia Ferreira foi uma mulher de muita coragem que desde muito jovem tomou o partido da luta pela emancipação dos trabalhadores e pela libertação do nosso povo do jugo fascista.
Ela faz parte daquele núcleo de militantes (tal como suas irmãs Georgette e Mercedes) que, em condições extremamente difíceis e à custa de enormes sacrifícios pessoais e humanos – vida precária, clandestinidade, anos e anos ausentes do convívio familiar, prisões, torturas –, deram um inestimável contributo para afirmar o PCP como a grande força que permanece como necessária e insubstituível na luta dos trabalhadores e do nosso povo.
Sofia Ferreira que aqui hoje evocamos e a quem prestamos a nossa homenagem não era apenas aquela mulher modesta e afável, portadora de um humanismo enternecedor e de uma serenidade revolucionária tocante e envolvente que nos juntava e nos unia, era uma mulher portadora de uma história de vida de total entrega à luta, de uma enorme firmeza e inabaláveis convicções na justeza da causa da emancipação da classe operária e dos trabalhadores, pela liberdade, a democracia e pelo socialismo.
Sofia foi uma combatente com uma enorme consciência de classe, generosa, inteligente e sagaz, possuidora de uma grande capacidade de trabalho e disponibilidade revolucionária.
Sofia Ferreira nasceu em Alhandra no dia 1 de Maio de 1922. Filha de trabalhadores agrícolas, apenas com 10 anos conheceu as durezas do trabalho nas lezírias do Ribatejo. Esse mundo do proletariado rural, particularmente explorado na dureza da faina exercida, de sol a sol. Essa vida que a actividade criadora dos autores e artistas na pluralidade das suas vozes, que este Museu do Neo-Realismo que nos acolhe representa, projectaram reflectindo o mundo objectivo do trabalho nos campos, nas fábricas, nas pescas e da vida da parte maioritária do povo que por aqui e por outras paragens mourejava, que tinha salários infames, assolado pela miséria e pela violência dos poderes dominantes.
Sim, Sofia Ferreira que nasceu nestas terras de inspiração de Soeiro Pereira Gomes bem podia, em criança, ser uma daquelas personagens dos seus livros que não tiveram tempo de ser meninos.
Cedo foi levada para Lisboa para trabalhar numa casa particular, como empregada doméstica. O contacto com a sua família de comunistas, em particular com as suas irmãs, nunca se perdeu. Foi através delas e da Organização de Vila Franca de Xira que tomou contacto com o Partido. A separação dos pais, já idosos, e com duas filhas já na luta clandestina do Partido, não foi fácil.
Sofia Ferreira adere ao PCP em 1945. Aderiu num tempo negro, marcado pela opressão generalizada, mas também por intensas lutas, muitas das quais com forte expressão nesta região de Vila Franca de Xira.
Aderiu ao PCP num momento político crucial no plano internacional marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pela derrota do fascismo na guerra, e no plano interno por uma crescente afirmação do PCP como a grande força da resistência ao fascismo no nosso País e pronta para todos os combates. Combates que exigiam organização, quadros valorosos e ligação estreita à classe operária, ao campesinato, às mais diversas camadas do nosso povo.
Sofia Ferreira entra na clandestinidade, como funcionária do Partido, tinha 24 anos, um ano após ter vindo ao Partido no quadro desta exigência da luta, exercendo tarefas numa tipografia clandestina na Figueira da Foz onde se imprimia O Militante e outras obras do Partido.
Era todo esse esforço organizativo e de ligação às massas que vai permitir ao PCP encabeçar e dirigir grandes movimentações de massas, grandes lutas nas fábricas e nos campos e lançar-se em todas as frentes da luta antifascista, na construção da unidade das forças democráticas contra a ditadura.
Um esforço realizado num quadro de repressão e em que teve de enfrentar ardilosas manobras pseudodemocráticas de uma feroz ditadura que vê os seus aliados fascistas derrotados na guerra e o movimento comunista em ascensão. Manobras concebidas para isolar o PCP às quais o imperialismo dá cobertura aceitando Portugal sobre o domínio da ditadura como fundador da NATO.
Hoje, quando assistimos ao levantar de cabeça de um certo fascismo reciclado aqui na Europa e, nalguns casos, com assento nos centros de poder, sob a complacência normalizadora, senão com a cobertura dos mesmos que no passado deram a mão ao fascismo para o salvar, diz-nos quanto precisamos de estar alerta e quanto importante e decisivo é o reforço e o papel deste Partido Comunista Português para esconjurar os perigos que tal situação transporta e contra todas as actuais tentativas de branqueamento dessas negras forças.
Sofia Ferreira assumirá desde os primeiros anos de actividade na clandestinidade diversas responsabilidades – junto do Secretariado do Comité Central, em tarefas de apoio e protecção das casas clandestinas, na Organização Local do Porto onde foi responsável pela organização partidária em empresas têxteis e em serviços da Função Pública.
Foi eleita para o Comité Central no V Congresso do PCP, responsabilidade que manteve até 1988. Em finais dos anos 1960 assumiu tarefas na Organização Regional de Setúbal e, posteriormente, no Portugal de Abril, na Direcção das Organizações Regionais de Setúbal, Beira Litoral e Lisboa. Em 1988, continuou a trabalhar dedicadamente em tarefas centrais do Partido, junto dos organismos executivos do Comité Central até ao final dos seus dias.
Sofia Ferreira é presa pela primeira vez em Março de 1949, numa casa clandestina no Luso, juntamente com Militão Ribeiro e Álvaro Cunhal.
Perante a polícia comportou-se sempre com grande coragem, superou espancamentos, insultos e um prolongado isolamento durante seis meses, cinco dos quais sem receber qualquer livro ou jornal. Julgada em 9 de Maio de 1950 pelo Tribunal Plenário, foi condenada a três anos de prisão. Após ter sido libertada não tardou em regressar à luta da clandestinidade.
Num período de grande recrudescimento das lutas políticas e reivindicativas dos trabalhadores, em que a PIDE e as forças repressivas intensificaram a sua acção contra o Partido e os democratas mais destacados, Sofia Ferreira foi presa novamente em Maio de 1959. Torturada e submetida à tortura da estátua, Sofia Ferreira mantém a mesma firmeza e dignidade de sempre.
Julgada em finais de Maio de 1960 foi condenada a cinco anos e seis meses de prisão mais três anos de medidas de segurança. Aguardou pelo julgamento durante um ano sem nunca lhe ter sido permitido pela PIDE uma única entrevista com o seu advogado de defesa. No total, Sofia Ferreira passou mais de doze anos da sua vida encarcerada nas prisões fascistas. Sofreu todo o tipo de privações e castigos mas a polícia fascista nunca conseguiu refrear o seu espírito combativo, tendo voltado à clandestinidade poucos meses depois de libertada, onde se manteve até ao 25 de Abril de 1974.
A vida de combatente revolucionária de Sofia Ferreira era conhecida no plano internacional e foi motivo de uma ampla campanha mundial pela sua libertação. A sua presença em Junho de 1969, em Helsínquia, no 6º Congresso da Federação Democrática Internacional das Mulheres (FDIM) à frente da delegação portuguesa suscitou um caloroso acolhimento pessoal e da delegação portuguesa e uma onda de simpatia e respeito por si e pela luta das mulheres portuguesas.
Com a vitória da Revolução de Abril, a camarada Sofia Ferreira assume importante papel na luta pela libertação de todos os presos políticos, pela extinção da PIDE, da censura e do aparelho repressivo do fascismo, pela defesa e consolidação das liberdades democráticas.
A camarada Sofia Ferreira abraçou cada tarefa que o seu Partido de sempre lhe atribuiu com extrema perseverança, dedicação e sensibilidade e é um exemplo da acção e da luta dos comunistas e do seu Partido que em todas as circunstâncias souberam estar na linha da frente em defesa dos interesses dos trabalhadores e do nosso povo, como hoje continuam a estar, travando uma grande batalha contra todas as tentativas de imposição de novos e dolorosos sacrifícios e retrocessos nas suas vidas, agora a pretexto da guerra na Ucrânia e da espiral de sanções impostas pelos EUA, a União Europeia e a NATO e a cumplicidade do Governo português e do conjunto das forças da política de direita.
Por isso é tão importante assegurar a paz pela qual desde o início nos batemos e contra a escalada da guerra a que assistimos.
Sim, o PCP continua hoje e com a mesma determinação de sempre a assumir a defesa dos interesses do nosso povo nas mais variadas frentes.
Seja na frente de combate contra o preocupante aumento do custo de vida, um combate que se torna prioritário face à desenfreada especulação por parte dos grupos económicos nacionais e transnacionais a que assistimos, exigindo e propondo medidas de emergência de reposição e valorização dos salários, pensões e reformas, de tabelamento e fixação de preços máximos de bens essenciais, designadamente energia, combustíveis, bens alimentares e habitação.
Medidas necessárias e imprescindíveis que não encontram resposta na política do Governo PS que nestas e noutras matérias age e conta com acção convergente de PSD, CDS, Chega e IL, apostados que estão uns e outros na intensificação da exploração do trabalho, estimulada pelas normas gravosas da legislação laboral.
Seja na frente da defesa dos serviços públicos e funções do Estado, com prioridade para o SNS e em defesa dos direitos à saúde, à educação, à protecção social e à cultura que o Governo do PS secundariza, em nome da política da ditadura do défice e da dívida que os grandes interesses económicos e financeiros e a Europa dos monopólios e do Euro determinam e impõem.
Seja na frente da defesa e modernização dos sectores produtivos e da produção nacional e da afirmação de uma política económica que sirva o povo e a soberania do País, combatendo a privatização dos sectores estratégicos e a liberalização dos preços e mercados, responsáveis pela crescente e continuada acumulação e centralização da riqueza, bem patente no brutal contraste entre as dificuldades do povo e das micro, pequenas e médias empresas e os lucros extraordinários obtidos pelos principais grupos económicos.
Seja para garantir o direito a um ambiente saudável e ao equilíbrio ecológico, com o combate à mercantilização da natureza e a prevenção e mitigação dos efeitos das alterações climáticas.
Nestas e noutras frentes, lutando por uma política alternativa que responda cabalmente aos problemas do povo e do País, que liberte Portugal de constrangimentos e imposições contrários aos interesses nacionais.
Sim, estamos cá e cá continuaremos o combate de gerações de comunistas de que a vida de Sofia Ferreira é um exemplo que nos honra.
Exemplo que nos dá força à nossa luta de hoje. Uma luta exigente contra a política de direita e pela afirmação de uma política alternativa patriótica e de esquerda para responder aos exigentes desafios da defesa dos interesses dos trabalhadores, do nosso povo e do desenvolvimento do País.
Uma luta norteada pelos valores de liberdade, democracia, emancipação social, desenvolvimento e independência nacionais e pelo porvir de uma nova sociedade mais justa, mais solidária e mais fraterna, liberta da exploração do homem pelo homem – o socialismo – que Sofia Ferreira abraçou e dignificou com uma vida de coerência e dignidade.
Sim, Sofia Ferreira é inspiração pela sua dedicação, coragem e firmes convicções ideológicas para os nossos trabalhos de hoje e do futuro. Esse reconhecimento é a maior homenagem que lhe prestamos!