Intervenção de João Amaral na Assembleia de República

Sobre o XV Congresso do PCP

Neste primeiro "Período de Antes da Ordem do Dia" ocorrido desde a realização nos passados dias 6,7, e 8 de Dezembro, na cidade do Porto, do XV Congresso do PCP, o grupo Parlamentar do PCP expõe à Assembleia da República, à " assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses", as principais conclusões políticas do Congresso, que marcarão o trabalho que aqui desenvolveremos no futuro próximo.

O XV Congresso do PCP mostrou, a todos os que querem ver, uma força política viva, empenhada e actuante, uma força política solidamente enraizada, na sociedade portuguesa, com um projecto político próprio, e com a determinação de intervir activamente em todos os planos da vida nacional.

Alguns dos nossos adversários e críticos não pouparam avisos e conselhos acerca da forma como o PCP deveria actuar no Congresso. Mesmo depois do Congresso realizado, continuaram a produzir comentários, alguns cheios de verrina e pesporrência, insistindo que o PCP, para ser verdadeiramente "actual", deveria ter seguido os seus conselhos. Tanto desvelo e tanta preocupação vinda de adversários e críticos comovem-nos muito ... Mas, certamente todos acharão natural que desconfiemos de tanta "generosidade". Aos que pensam que seríamos tão ingénuos que poderíamos acreditar em conselhos vindos de adversários e críticos, ou que seríamos tão frágeis que poderíamos ser pressionados por essa forma, respondemos com a realização de um Congresso em que afirmamos com inteira autonomia e liberdade a nossa própria perspectiva sobre a nossa identidade, o nosso programa, e as nossas propostas políticas. Saberemos sempre ouvir todas as opiniões. Prezamos o diálogo e o debate de ideias. Mas pensamos pela nossa própria cabeça e decidimos de acordo com os nossos objectivos e critérios.

O Congresso foi antecedido de um grande debate partidário, sobre as propostas de Resolução Política e de alteração aos Estatutos. Foi um debate que envolveu todas as organizações e dezenas de milhar de membros do Partido, e que permitiu apurar o sentir partidário, individual e colectivo, acerca dos grandes problemas nacionais e acerca das questões concretas que a acção política tem de defrontar. Claro que um método de debate como este tem para nós vantagens, mas apontam-lhe desvantagens. Tem para nós a vantagem de fazer intervir os militantes na definição da linha de actuação do Partido. Mas apontam-lhe outros a desvantagem de retirar ao Congresso aquele ar de " competição desportiva" que por razões óbvias faz as delícias da comunicação social. Com o método que seguimos não teremos nunca a situação de um futuro líder entrar no Congresso sem saber que estratégia partidária vai apoiar. E muito menos a situação de, apoiada uma moção de estratégia, se descobrir depois que ignora o seu conteúdo... Não estamos aqui a criticar quem usa esses métodos, exercem o seu direito a optarem pelos métodos que entendem. O mesmo direito que exercemos quando optamos por métodos que podem não servir o espectáculo mediático, mas servem, e bem, o aprofundamento do estudo das questões, o alargamento do debate interno e a solidez e credibilidade das decisões.

O que dominou os trabalhos do Congresso, quer na fase da sua preparação, quer durante os três dias da sua realização, foi inquestionavelmente a realidade concreta do País e os problemas e aspirações das portuguesas e portugueses. O Congresso teve o espaço necessário para reflectir sobre o próprio Partido, e a sua organização, porque um Partido mais forte é uma condição indispensável para uma maior e mais eficaz intervenção política. Mas o espaço maior foi o das questões da política social, económica e cultural que atingem e preocupam o País. O que os militantes vindos ao Congresso mostraram e denunciaram foram as consequências da política de direita seguida pelo Governo no plano do quotidiano. É o desemprego que se agrava, o trabalho precário que continua a alastrar, o tecido produtivo no mesmo caminho de degradação, um processo de desindustrialização que não foi invertido, a agricultura e as pescas cada vez com maiores problemas, os reformados com a mesma difícil e desumana situação agora agravada com os brutais aumentos dos preços dos remédios, a juventude estudantil defraudada nas suas expectativas quanto ao ensino e às "paixões de baixa intensidade" do Primeiro Ministro. Doa a quem doer, o que os Congressistas de todo o País e dos mais variados sectores profissionais vieram manifestar à Tribuna do Congresso foi a expressão directa de que o PS prossegue no Governo no essencial a mesma política de direita que fazia o PSD, com as mesmas desastrosas consequências de travar o desenvolvimento do País, acentuar as desigualdades sociais, agravar as assimetrias regionais, e provocar o aumento do desemprego, o enfranquecimento do estatuto e da situação dos trabalhadores e a degradação das prestações sociais e das condições de vida da população.

Nas propostas que discutiu e que constam da Resolução Política aprovada pelo Congresso, o PCP define as linhas de uma política alternativa à política de direita que vem sendo seguida. O eixo central dessa alternativa é a resposta aos problemas do País e do povo português numa assumida perspectiva de esquerda. Essa perspectiva tem o mérito próprio das soluções que preconiza e apresenta. Mas tem o valor acrescentado de dar resposta às esperanças e expectativas da larga massa de eleitores que em 1 de Outubro do ano passado derrotaram o PSD e o cavaquismo, votando por uma mudança de política, e que o PS, assumindo o Governo, defraudou sistematicamente. Esses eleitores, a massa de trabalhadores e outras camadas sociais vítimas da política de direita, constituem a larga base social que torna possível uma mudança de política, à esquerda e para a esquerda.

Com o PS enfeudado às políticas de Maastricht, ao neoliberalismo monetarista e aos interesses do grande capital, o PCP assume-se sem complexos como um Partido portador de um projecto alternativo de esquerda e como um grande polo aglutinador das vontades e aspirações de esquerda existentes na sociedade portuguesa.

Uma política de esquerda não pode subordinar o País a critérios de matriz neoliberal e monetarista como são os critérios de Maastricht. A esquerda não pode se não combater a ditadura antecipada da moeda única, porque com ela se atinge a soberania nacional e se impõe um espartilho ao desenvolvimento económico e social, em proveito exclusivo das grandes potências europeias e dos gigantescos empórios económicos e financeiros que as dominam.

Uma política de esquerda não pode negar ao País o direito de debater livremente e com profundidade o caminho imposto para a moeda única e o direito de se pronunciar em referendo sobre a matéria.

Uma política de esquerda tem de pôr em primeiro lugar os portugueses, o mundo do trabalho, os sectores produtivos e não os critérios de Maastricht.

Uma política de esquerda assume todas as consequências da defesa do primado da vontade democrática dos portugueses sobre a vontade dos grupos económicos. Quem defende a "subordinação do poder económico ao poder político democrático" não pode alinhar nas desnacionalizações a mata cavalos, para reconstituição rápida do poder dos grandes grupos à custa do património de todos os portugueses.

Uma política de esquerda assume a força dos trabalhadores e das suas organizações de classe como uma componente essencial do seu próprio projecto político e da sua base social de apoio.

A compreensão que a direcção do PS tem destas questões resumiu-a o Deputado Francisco Assis. Especializado em usar o seu dilecto professor Karl Popper como uma espécie de cachaporra, o dirigente partidário Assis comenta o Congresso do PCP com um chorrilho de inqualificáveis insultos. E como não é muito dado a subtileza, levou tudo raso à sua frente. O dirigente partidário do PS que é encarregado de comentar o Congresso do PCP e que, para isso, fala em paranóias e obsessões e qualifica uma figura como a de Álvaro Cunhal como uma peça de museu, dá a exacta medida do tipo de debate que esta direcção do PS pretende. E basta ver as agressivas declarações com que o membro do Governo que assistiu ao Congresso como convidado o comentou, e compará-las o ar simpático e de vencedor com que esse mesmo membro do Governo se passeou pelo Congresso do PP e segurou a mão de Manuel Monteiro, para se perceber que tipo de amigos e de políticas privilegia hoje o PS.

Quando o Governo PS se prontifica a usar os sacos azuis para beneficiar as autarquias PP neste ano de autárquicas; ou quando com o parecer neo- corporativo que aprovou com a CIP e a UGT na Comissão de Acompanhamento do Acordo Económico e Social apoia a fraude à lei que o patronato engendrou com a retirada das pausas da contagem do tempo de trabalho; ou quando tem em curso negociações com o PSD para a revisão constitucional, incluindo para a adulteração do sistema de representação proporcional, o PS afasta-se pelo seu pé e por sua inteira responsabilidade dos valores e princípios de uma política de esquerda.

O Congresso do PCP mostrou ao País um grande partido nacional, que gere 49 autarquias abrangendo um terço do território nacional, que tem a maioria na Área Metropolitana de Lisboa, que participa em coligação no governo municipal da capital; um partido que intervem em todos os planos da vida nacional; um partido profundamente ligado à sociedade e às lutas do nosso povo; o partido da esquerda, o partido que assume a vontade de mudança e que lutará por ela, com a convicção de que a mudança é possível, e é necessária e indispensável para o bem do nosso povo e de Portugal.

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