Num momento em que o Governo pretende alargar e multiplicar a entrega de hospitais a grupos privados, é inaceitável que a maioria parlamentar se recuse sistematicamente a fazer a avaliação da única experiência de gestão privada existente no nosso país.
Os dados revelados pelo relatório da Inspecção-Geral de Finanças sobre a mesma matéria, bem como as notícias recentemente divulgadas sobre as investigações do Ministério Público, são razão mais do que suficiente para que a Assembleia da República, no pleno uso das suas competências de fiscalização da actividade do Governo, apure como foram a utilizados os dinheiros públicos neste contrato.
Algumas das conclusões da Inspecção-Geral de Finanças são bem esclarecedoras. Assim diz o relatório da IGF:
- Segundo esta entidade [sociedade gestora do Amadora/Sintra] existiam, em Novembro de 2001, 5931 doentes em lista de espera para cirurgia.
- Duas das unidades privadas com quem a HASSG [Hospital Amadora Sintra - Sociedade Gestora] contratou a prestação de cuidados de saúde aos utentes do SNS (Casa de Saúde Senhora da Lapa e a Clínica de Santo António, SA, na Reboleira) não dispõem ainda de qualquer licença para funcionarem como tal.
- Detectaram-se diversas irregularidades nos processos clínicos de doentes do HFF [Hospital Fernando da Fonseca] transferidos para clínicas privadas.
- De notar que, durante o mesmo ano de 2001, comparativamente com o Hospital Garcia de Orta e com o Hospital de Santa Maria, o HFF teve mais 92,2% e 50% de reclamações, respectivamente.
- Ressalta assim dos factos relatados que, apesar de existir um número significativo de doentes do SNS em lista de espera (quer em consultas externas, quer em cirurgia), a HASSG tem vindo a desenvolver número razoável de intervenções cirúrgicas e de consultas externas (praticamente em todas as especialidades) no âmbito do exercício de medicina privada, o que suscita, desde logo, algumas reservas sobre o mesmo atendendo a que esse não é o objecto principal do contrato de gestão, sendo que, no caso das consultas externa, nem sequer tal possibilidade foi prevista de inicio pela própria sociedade gestora na sua proposta.
Da análise efectuada aos vários aspectos da execução do contrato com implicações em termos financeiros pode concluir-se que, de acordo com as interpretações que se afiguram mais correctas e face aos montantes considerados (aceites) pela ARSLVT [Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo], foi pago em excesso à HASSG uma verba de cerca de 75,6 milhões de euros/15,1 milhões de contos.
Considerando que a Sociedade Gestora só efectivamente tomou posse da gestão do HFF a partir de 01/01/96, afigura-se que a autorização de despesa e respectivos pagamentos, correspondentes aos meses de Novembro e Dezembro de 1995 (750 mil contos), serão questionáveis do ponto de vista da sua legalidade financeira, uma vez que não correspondem a qualquer contraprestação efectiva por parte da Sociedade Gestora à ARSLVT, prefigurando-se, assim, como uma situação de pagamentos indevidos.
Na verdade a maioria rejeita o inquérito agora proposto porque não quer que se conheça a verdade neste processo. Assim se constitui em defensor oficioso dos interesses do grupo privado envolvido neste negócio e em cúmplice da situação de falta de acompanhamento do contrato que vigorou durante todos estes anos.
A maioria que chumba este inquérito quer facilitar os negócios de privatização de mais dez hospitais em curso, em que o Grupo Mello, que gere o Hospital Amadora-Sintra está interessado.
A maioria que rejeita este inquérito quer esconder que as soluções de privatização de hospitais prejudicam o interesse público e a população, que vê o seu direito à saúde prejudicado pelo interesse lucrativo dos grupos económicos privados.
Para o Grupo Parlamentar do PCP a única solução digna e de respeito pela verdade e pelo interesse nacional seria o completo apuramento do que se passou, ao longo destes mais de sete anos, com aquele hospital. A maioria contudo não está interessada nisso.