Sobre a situação no ensino superior - Conferência de Imprensa do PCP

1.

É propósito do Partido Comunista Português prestar
uma acrescida atenção aos problemas do ensino superior.

Esta nossa disposição tem a ver com a consciência da
gravidade dos problemas acumulados neste sector e com a avaliação
negativa que fazemos da acção do Governo. E encontra motivações
imediatas no facto da proposta concreta de Orçamento do Estado para
o presente ano voltar a pôr na ordem do dia as questões do financiamento
do ensino superior público e no anúncio da apresentação,
pelo Ministério da Educação, de uma proposta de lei-quadro
para regular todo o sector.

Nas últimas semanas o PCP realizou encontros, a seu pedido, com o
Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, com o Conselho Coordenador
dos Institutos Superiores Politécnicos, e com os responsáveis
por importantes estabelecimentos de ensino superior.

Esse conjunto de contactos permitiu completar o diagnóstico que a
Comissão Nacional do Ensino Superior do PCP vem fazendo em relação
à situação existente, avaliar em concreto os constrangimentos
que a proposta orçamental do Governo, a ser aprovada, provocará,
e examinar diversas orientações políticas que urge adoptar
no sector.

2.

Quanto à proposta governamental do Orçamento do Estado, o aspecto
mais saliente em relação ao ensino superior diz respeito à
continuação de uma política de subfinanciamento do sector
que compromete gravemente a capacidade das escolas enfrentarem o conjunto dos
problemas com que estão confrontadas e apostarem decididamente em medidas
que promovam a qualidade do ensino e o sucesso escolar e educativos dos seus
alunos.

São três os aspectos que se identificam de uma forma mais crítica
na proposta de Orçamento do Estado para o ensino superior:

- O incumprimento da fórmula de financiamento legalmente
existente, a partir da qual está estabelecido que seja feito o cálculo
das verbas e atribuir ao funcionamento das diversas universidades.

Em termos concretos, e para o conjunto das universidades financiadas através
desta fórmula, o Governo devia assegurar uma transferência de
146 milhões de contos (orçamento padrão), mas na realidade
só tem inscrito na proposta do Orçamento um montante de 124
milhões de contos. O que representa um corte de 22 milhões de
contos (desvio de 15% para menos).

Acresce ainda e no caso da Universidade de Lisboa, o incumprimento do contrato-programa
celebrado pelo Governo com esta escola.

- A subtracção do valor das propinas pagas pelos alunos
(9,5 milhões de contos) à transferência que o Estado devia
fazer para as diversas universidades e politécnicos.

Com este procedimento o Governo desrespeita a própria legislação
por si publicada que estabelece que as verbas das propinas devem ser aplicadas
pelas escolas na elevação da qualidade do ensino. E confirma
os receios repetidamente manifestados pelo PCP de que o aumento das propinas
iria apenas servir para substituir o financiamento público do ensino
superior.

- Os significativos cortes feitos no orçamento de investimento
(PIDDAC) de muitas escolas, o que terá como consequência a paragem
de obras iniciadas ou o não lançamento de novas obras, bem como
a não resolução de graves problemas existentes ao nível
do equipamento.

3.

Sem prejuízo de uma ulterior e mais detalhada apreciação
do anteprojecto da proposta do Governo de lei-quadro para o sector do ensino
superior há alguns aspectos críticos que importa desde já
sublinhar.

Trata-se de uma proposta decepcionante e tecnicamente inconsistente, quando
considerada à luz do conjunto dos problemas do ensino superior e da
sua organização e ordenamento, que era suposto uma lei-quadro
para o sector dever abranger.

Mas trata-se, igualmente, de uma proposta que suscita à partida um
importante conjunto de reservas políticas.

Nomeadamente:

- quando afirma uma distinção entre o ensino universitário
e o ensino politécnico em termos claramente insatisfatórios
e redutores;

- quando formula um conceito de "rede" que, em vez de designar
as modalidades de articulação e de cooperação
de base territorial entre os estabelecimentos públicos de ensino superior
e que sejam respeitadoras da sua autonomia, na realidade se traduz na criação
de uma entidade de comando burocrático e centralista do conjunto do
sistema e na ilegítima interferência governamental nas áreas
de competência e de decisão própria das escolas;

- quando prevê a possibilidade de financiamento público do ensino
privado, no quadro de uma lógica de clara natureza substitutiva do
ensino público.

Acresce, no anteprojecto da proposta do Governo, além de um nebuloso
conjunto de disposições (como é o caso do "sistema
de regulação independente"), as numerosas remissões
para legislação a publicar ulteriormente, o que de todo inviabiliza
uma avaliação objectiva do conjunto das alterações
políticas que o Governo pretende de facto introduzir no sector.

O PCP considera que é da maior importância sujeitar a proposta
do Governo a um amplo e participado debate em todas as escolas do ensino superior
e ao nível da opinião pública em geral, de forma a poderem
ser clarificados os seus verdadeiros objectivos políticos e a manifestarem-se
as críticas que ela, sem dúvida, justifica.

O PCP tem em preparação um projecto de lei-quadro sobre o ensino
superior que será oportunamente apresentado na Assembleia da República
para ser debatido em simultâneo com a iniciativa do Governo.

Com vista à elaboração desse projecto de lei do PCP e
com o propósito de conhecer as opiniões dos principais responsáveis
académicos e de organizações representativas de docentes,
estudantes e funcionários não docentes, o PCP vai prosseguir a
realização de um largo conjunto de contactos.

 

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