Declaração de Rui Fernandes, membro da Comissão Política do Comité Central

Sobre a política de Defesa Nacional e as Forças Armadas

Sobre a política de Defesa Nacional e as Forças Armadas

A política da Defesa Nacional e das Forças Armadas continua marcada por um quadro conceptual de submissão e subordinação a estratégias e interesses de países terceiros, e das organizações onde pontificam as suas orientações, nomeadamente a NATO, sob a direcção dos EUA. Mas também através da participação na Cooperação Estruturada Permanente ou na Iniciativa Europeia de Intervenção, sob a égide da França, cujos interesses Portugal defende na República Centro-Africana, com a sua presença militar.

O projecto de Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, apresentada pelo Governo, ilustra bem a forma como o PS e todos os partidos à sua direita, em particular o PSD, atrelam o País a uma política de subalternização estratégica e doutrinal. Nesse documento, onde as referências à NATO se atropelam, não há uma única referência à Constituição da República, o que demonstra bem a importância que atribuem à soberania nacional e ao papel das Forças Armadas, no quadro constitucional. 

A realidade é marcada por umas Forças Armadas cada vez mais depauperadas ao nível dos meios humanos e materiais, e do seu produto operacional.

Em relação aos meios humanos, o que caracteriza a situação são as crescentes dificuldades de recrutamento para os regimes de voluntariado e contrato, para além das saídas frequentes antes do término do contrato, e a incapacidade de retenção de militares do quadro permanente, com sucessivos pedidos de abate ao quadro de profissionais altamente especializados. Uma consequência da degradação do vínculo da condição militar, do afunilamento das progressões na carreira, incluindo o atraso nas promoções, e da estagnação dos vencimentos. 

Entretanto, o Ministério da Defesa Nacional continua a empurrar os problemas com a barriga, promovendo a realização de estudos sobre tudo aquilo que já está amplamente estudado e cujos resultados, no essencial, todos conhecemos: sem meios financeiros não há militares e, sem estes, não há Forças Armadas. É urgente rever o estatuto remuneratório dos militares, sem o qual nenhum destes problemas terá resolução, antes pelo contrário, continuarão a agravar-se dia após dia. E é também necessário que o Ministério da Defesa abandone o estilo de passar responsabilidades para outras estruturas na sua dependência. Se outras estruturas tuteladas pelo MDN não dão andamento a decisões ou ao cumprimento de processos dentro daquilo que a Lei estipula, compete à Ministra da Defesa agir para que tal não suceda.

Ainda sobre o problema dos efectivos, a ministra da Defesa Nacional bem pode, por exemplo, alargar o Regime de Contrato Especial ou criar quadros permanentes de praças no Exército e na Força Aérea, mas se não houver dinheiro para os dignificar e valorizar o resultado será idêntico ao da Armada, onde há largos anos existe quadro permanente de praças, mas apenas se encontra preenchido em pouco mais de 50%. Por outro lado, torna-se necessário identificar, em concreto, as necessidades de pessoal para as Forças Armadas: para quê e para onde? É necessário olhar para o futuro, para os perfis de carreira, conteúdos de formação, nível das certificações e equivalências, cargos e postos apostando em mais responsabilização em baixo. O discurso de uma juventude mais qualificada e formada tem de ter correspondência na organização das Forças Armadas. A aposta não pode ser em especialistas precários, com mais ou menos tempo de vínculo, a sustentar o funcionamento. 

No equipamento, assistimos à implementação da capacidade de helicópteros no Exército, após, em 2012, o governo de então ter suspendido a aquisição dos helicópteros NH90 que deveriam integrar a Unidade de Aviação Ligeira do Exército, que acabou por ser extinta. Isto é, uns governos extinguem outros implementam, com os elevados custos que estes processos acarretam. Neste caso, para além dos custos com a implementação e a sua sustentação anual, haverá uma sobreposição com a Força Aérea. Afinal, não há dinheiro para a melhoria de vencimentos, mas há para desperdiçar desta maneira. 

As Forças Armadas sofrem de um défice crónico na sustentação e manutenção de equipamentos, nomeadamente em navios, aviões ou carros de combate. Uma situação resultante não só de maus investimentos, mas de algumas das opções que lhe estão subjacentes, nomeadamente quanto às razões da sua compra e aos objectivos da sua utilização. Aliás, a estratégia de submissão à NATO e às políticas militaristas da União Europeia reflecte-se também na aquisição do material e na forma como é feita. O processo de aquisição é feito através da NSPA, a agência de compras da NATO, que se encarrega também da elaboração dos respectivos cadernos de encargos. Adivinha-se quem ganha com estes processos. Lembramos as recentes polémicas em torno de algumas aquisições, em particular a dos helicópteros EH101.

O PCP, ao contrário dos outros partidos e governos, alertou para os contornos deste negócio. Assim foi, quando em Março de 2008 , o PCP alertou para, e cita-se, o «nebuloso negócio que envolve a aquisição e manutenção dos helicópteros»; em Agosto do mesmo ano, através de uma nota de imprensa o PCP voltou a exigir ao governo de então esclarecimentos «pelo facto de não terem sido accionados os mecanismos para que o Estado fosse ressarcido, pela Augusta-Westland, dos prejuízos causados em função da inoperacionalidade, quase total, da milionária frota dos EH101, bem como dos custos da reactivação dos helicópteros PUMA, que nesta altura já deverão rondar os 200 milhões de euros»; em Agosto de 2010, também em nota de imprensa, o PCP sugeriu, «face a noticias que há muito têm vindo a público, lançando suspeições sobre diversos programas constantes na Lei de Programação Militar», que o governo em funções desse um esclarecimento público sobre o conjunto dos programas.

Como se percebe, nada do que anda por aí no ar é novo. Simplesmente, os alertas e denúncias do PCP foram ignoradas. 

A Lei de Programação Militar recentemente aprovada por entre muita propaganda visa, no essencial, reerguer capacidades existentes e que se encontram altamente debilitadas. Mas a roda do futuro não pára. E, por isso, alertámos para a necessidade de ser bem observado, tendo presente as possibilidades nacionais, o nível de investimentos a fazer versus a programação do futuro. 

O PCP continuará a pautar as suas apreciações e posições não pelos critérios da espuma dos dias, mas por aquilo que no seu entendimento pode reforçar as capacidades para as Forças Armadas cumprirem as missões constitucionalmente estabelecidas.

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