Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Como sempre fez em ocasiões anteriores, o PCP não se recusa a considerar a possibilidade de acompanhar a aprovação pela Assembleia da República de medidas de clemência, designadamente amnistias e perdões genéricos, desde que cumpridos alguns pressupostos que importa enumerar:
Em primeiro lugar, tais medidas devem ter caráter excecional e não podem ser recorrentes. Não se pode criar na sociedade portuguesa ou entre arguidos e reclusos, a ideia de que mais ano menos ano temos aí mais uma amnistia. A esse respeito importa recordar que, se excetuarmos as medidas especificamente destinadas a limitar os efeitos da epidemia de Covid 19 no sistema prisional e que, sendo de outra natureza, não tiveram os efeitos nefastos que os seus detratores previam, desde há muitos anos que não há nenhuma medida legislativa de clemência.
Em segundo lugar, qualquer amnistia ou perdão genérico deve ter um caráter limitado. Deve excluir condenações por crimes graves e não deve contribuir para qualquer situação de alarme social. Nós sabemos que não faltarão os justiceiros demagogos e os mentirosos do costume a dizer que as amnistias só servem para pôr os criminosos cá fora, mas por isso mesmo é indispensável que os termos da amnistia não lhes possam dar razão. Embora se saiba evidentemente que as amnistias só são aplicáveis a pessoas que cometeram infrações. Por isso mesmo são medidas de clemência.
Em terceiro lugar, as amnistias não podem ser vistas como medidas destinadas a resolver os problemas do sistema prisional, nomeadamente de sobrelotação. Esses problemas são muitos e precisam de ser resolvidos, mas não é por via de amnistias que esses problemas devem ser resolvidos.
Finalmente, qualquer decisão de amnistia deve procurar contar com um consenso significativo na sociedade portuguesa que exclua apenas aqueles que estarão sempre contra qualquer medida de clemência seja ela qual for.
Dito isto, importa que abordemos esta proposta concreta do Governo e as críticas que lhe têm sido feitas, algumas das quais não acompanhamos.
Desde logo, não nos parece que a aprovação de uma amnistia a propósito da realização no nosso país das Jornadas Mundiais da Juventude venha lesar gravemente o princípio da laicidade do Estado. Não estamos apenas a falar de uma visita do Papa a Portugal. Visitas de papas a Portugal têm sido diversas. João Paulo II visitou Portugal diversas vezes, o mesmo aconteceu com Bento XVI e mesmo o Papa Francisco já visitou Portugal sem que alguém tenha proposto qualquer amnistia. Se se tratasse de uma qualquer visita do Papa já a proposta seria discutível do ponto de vista da laicidade do Estado. Sendo a propósito de uma iniciativa ecuménica que reunirá por uma vez centenas de milhares de jovens entre nós, a avaliação deve ser outra.
Também não acompanhamos a crítica de que circunscrever a amnistia a jovens constitui uma discriminação sobre os condenados menos jovens. Desde logo pela simples razão de que não existe um direito a amnistias cuja violação possa ser invocada. Uma amnistia é uma medida de clemência excecional cuja lei determina os termos dessa excecionalidade. Aplica-se a alguns crimes, mas não a outros. Pode aplicar-se a determinada faixa etária e não a outra. Aliás, a adoção de regimes penais diferenciados em razão da idade não é novidade nenhuma, mesmo com caráter permanente, seja quanto a jovens seja quanto a idosos. Em todo o caso, se houver consenso quanto ao alargamento da proposta a condenados menos jovens, não será o PCP a inviabilizar esse consenso.
Apreciando esta proposta pelo que ela efetivamente é, e não apenas sobre perceções que alguns pretendem impor, trata-se na verdade de uma medida de aplicação muito limitada. Não serão muitos os casos abrangidos, mas é mesmo assim que deve ser. Deve ser uma medida de generosidade, mas deve ter um caráter restrito e limitado que não seja suscetível de criar qualquer alarme social. A mensagem que uma amnistia deve dar é uma mensagem de paz e é esse o sentido em que o PCP, também neste caso, estará empenhado.