O debate sério em que todos estamos envolvidos,mercê da iniciativa legislativa do P.C.P., tem de partir de uma primeira reflexão.
Por que razão a Assembleia da República debate, pela terceira, o aborto clandestino?
Em 1982 o P.C.P. apresentou 3 Projectos de Lei que tinham subjacente a ideia de que a maternidade devia ser, um acto livre responsável e consciente. Trata-se dos Projectos relativos á protecção da maternidade, à educação sexual e ao planeamento familiar, e à interrupção voluntária da gravidez.
Mostrámos a urgência de resolver graves problemas com que se das mulheres portuguesas, mas em vão. Os projectos viriam a ser rejeitados.
Em 1984, com a reapresentação dos Projectos, a Assembleia acabou por elaborar três leis, que apesar das insuficiências, representaram um marco histórico , muito embora logo afirmássemos quanto à lei 6/84- a lei sobre interrupção voluntária da gravidez- que se tratava de uma resposta recuada ao verdadeiro problema de saúde pública resultante dos abortos clandestinos.
E assim, este terceiro debate realiza-se, não só porque às mulheres não são dadas condições para o exercício de uma maternidade livre e consciente, não só porque não se cumpre a lei sobre educação sexual, não só porque apesar de alguns avanços no planeamento familiar ele é ainda muito insuficiente, mas sobretudo, porque a Assembleia não aprovou em 1984 as propostas do P.C.P que verdadeiramente combatiam o aborto clandestino.
A interrupção voluntária da gravidez não é um método contraceptivo, sempre o afirmámos no passado. Mas é, muitas vezes o último recurso para gravidezes indesejadas, ou que não se podem levar a termo por justificados motivos.
Falamos de um problema social.Falamos de mulheres com toda a espécie de problemas.
Adultas ou menores, bem ou maltratadas pelos companheiros, esgotadas, adoecidas física e psiquicamente, mulheres com filhos, que não podem acolher mais um sob pena de correr grave risco todo o agregado familiar, mulheres que verão comprometida a sua carreira profissional, mulheres que sofrem toda a espécie de violências na família e na sociedade. Falamos de mulheres que sofrem. Mulheres angustiadas pela violência de terem de recorrer ao aborto clandestino.
Ninguém pode ignorar esta situação e eximir-se a resolver o problema.
E foi assim que foi encarado, seriamente, noutros países que resolveram por cobro ao flagelo. Por que não o havíamos de fazer nós, tanto mais que estivemos na Conferência do Cairo, na Conferência de Pequim e subscrevemos os seus documentos finais?
Será bom recordar que a Plataforma de Acção de Pequim subscrita por Portugal ,fez um apelo para a não perseguição penal das mulheres que fazem abortos nos países onde é ilegal.
E no Cairo foi estabelecido como objectivo a redução drástica do número de mortes e da morbilidade resultante do aborto inseguro.
Estamos igualmente confrontados com um problema de saúde pública.
Não podemos fazer de conta que não morrem mulheres em resultado de abortos feitos nas piores condições.
Portugal é o único país da União Europeia que apresenta mortes de mulheres como consequência da clandestinidade do aborto. As mortes figuram nas estatísticas, ou como 2ª ou até como 1ª causa de morte materna.
Mas depois há todas as outras sequelas que vitimam as mulheres:as infertilidades, as doenças psíquicas, a destruição da sexualidade.
Ninguém ousa invocar ignorância desta situação.
Ninguém pode fechar os olhos e dormir sobre uma lei que só aparentemente lhe proporciona o apaziguamento da consciência.
Este problema de saúde pública nasce de uma lei penal. E assim, temos simultaneamente um problema de política criminal.
Não é inédito. Por toda a parte do mundo, a despenalização do aborto e a simultânea e necessária consagração da legalidade do recurso aos estabelecimentos de saúde para a interrupção médica, em condições dignas e seguras, da gravidez, foi sendo consagrado.
A Grécia despenalizou o aborto quando feito nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher, e consagrou a obrigação do Estado de velar pela saúde da mãe e de assegurar o tratamento nos departamentos hospitalares aquando da interrupção voluntária da gravidez.
A mesma despenalização foi feita na Dinamarca, na Suécia, na Noruega, na Áustria.
Na Holanda, país que se apresenta com uma baixíssima taxa de abortos clandestinos, a interrupção da gravidez pode ser feita a pedido da mulher até à 24ª semana de gravidez quando ela própria e só ela, se julgue em situação de emergência.
Na Suíça, o Boletim dos Médicos Suíços, assinalando, nalguns cantões, na legislação que passou a permitir a Interrupção da gravidez por razões sociais nas primeiras doze semanas, afirmava que no período entre 1991 e 1994 se tinha conseguido, nesses cantões o quase total desaparecimento dos abortos clandestinos. Até na Alemanha que parece convirá sempre citar em matérias penais, a lei aprovada e em vigor depois de 1 de Janeiro de 1996, adoptou um sistema de prazos, sem indicação, nas primeiras 12 semanas.
Lei mais restritiva, e ainda mais hipócrita que a nossa , só na Irlanda, que através de um referendo considerou que era um atentado ao direito à vida do feto o aborto praticado por mulher em território Irlandês, mas já não haveria atentado se fosse feito em território estrangeiro!
Olhos não vêem, coração não peca!
Neste debate, há duas perguntas que nunca são respondidas, porque são incómodas, aos que continuam a reclamar que a lei mantenha contra as mulheres duras ameaças com penas de prisão:
1ª questão:
A lei actual, ameaçando as mulheres com penas de prisão tem defendido o embrião e o feto?
Dado que toda a gente aceita que são milhares os abortos clandestinos, esta pergunta tem uma única resposta possível, que alguns não querem dar porque seria reconhecer a hipocrisia da lei. A resposta é: Não.
2ª questão:
Mantendo-se a lei actual, como defendem, o que querem fazer para que ela seja eficaz? Meter as mulheres na cadeia?
A esta pergunta costuma seguir-se uma ladainha sobre a necessidade de fazer mais pelas mulheres. Ninguém afirma que quer que as mulheres vão para a cadeia.
Donde, tem de concluir-se que para os que anunciaram que estão contra a despenalização, é suficiente que tudo fique na mesma. Mas as mulheres morrem, senhores Deputados! Mas as mulheres sofrem, senhoras e senhores Deputados!
Não se alterando a lei, não se impedindo os abortos com a mesma, não se querendo meter as mulheres na cadeia, então o que se manterá é o aborto clandestino e a hipocrisia! Uma hipocrisia que destrói!
De facto, não haverá lei mais ineficaz em todo o nosso Direito Penal.
Não há da sociedade, nem das instâncias formais de controlo, polícias e magistrados, real vontade de promover a perseguição penal às mulheres.
Mais do que ineficaz, e por isso desvalorizada, sem desempenhar qualquer papel de prevenção, a lei causa maiores males do que aqueles que diz querer evitar. É causa de morte, de doenças, de sofrimentos de mulheres. É mesmo criminógena porque contribui para fenómenos de extorsão, de coacção, de exploração da mulher. A lei penal excede aqui um dos princípios orientadores do Direito Penal moderno, o princípio da intervenção mínima.
Ao legislador de um Estado Social e Democrático de Direito está vedado impor aos cidadãos e cidadãs, sofrimentos desnecessários, tanto mais quanto são ineficazes.
Como escreveu S. Tomás de Aquino na Summa Theologica, "é preciso, em nome da própria moral, rejeitar as leis que, sob pretexto ideal, provocam maiores males do que aqueles que querem prevenir".
Não existindo qualquer relação de causa e efeito entre a actual lei e a realidade, tem de concluir-se que a mesma se radica em velhos preconceitos sobre o papel da mulher do mundo.
A mulher receptáculo para procriação. A mulher objecto.
Foi isto, que ressaltou de algumas demagógicas campanhas, destituídas de qualquer ética, ofensivas do mais elementar decoro, ofensivas da sociedade pluralista que somos, e onde lutamos pela liberdade de consciência, pelo direito de cada um a desenvolver a sua personalidade segundo os seus próprios Códigos éticos,espirituais,morais e religiosos.
O que ficou no ar, no discurso de alguns, supostamente piedosos, foi a intolerância expressa na litania. "As mulheres não têm o direito de...Não têm o direito,as mulheres..."
E a Mulheres interrogaram-se, sobre os seus direitos. Sobre o que Estado lhes exige. Sobre o que o Estado não faz. As mulheres, como Pessoas Humanas, são titulares do direito à vida, à saúde, do direito à intimidade da vida privada, ao bom nome e reputação, à dignidade, à maternidade consciente, do direito a constituir família com ou sem filhos, do direito à liberdade de consciência, à participação na vida pública, do direito à segurança no emprego, à realização pessoal na família e na sociedade.
Tantos direitos por cumprir!
Que dedo acusador levantam as mulheres contra o Estado que as humilha porque não podem ter mais filhos, ou não podem mesmo ter filhos!
Alguns, nos últimos tempos tentaram apropriar-se das acusações, de tal forma, que mais parecia estarmos nas vésperas de um 8 de Março!
Falaram muito da situação dramática das mulheres, da falta e precariedade do emprego, da pobreza feminina, das crianças.
Objectivamente tal postura destina-se a calar a sua consciência, que bem lá no fundo condenará a hipocrisia da lei repressiva.
E prometeram o mundo às mulheres, prometeram-lhes o céu levado à cena num teatro, como diria Natália Correia.
Mas a vida das mulheres portuguesas, não é um sonho de bonecas de porcelana, a quem basta esperar a varinha de condão de uma recheada carteira!
Num país com a maior taxa de pobreza da União Europeia num país que apresenta taxas elevadíssimas de pobreza nas crianças e jovens até aos 17 anos, com especial incidência na faixa etária dos 0 aos 6 anos, pergunta-se se é assim que o Estado garante o direito à vida das mulheres e das crianças, se é assim que o Estado garante o direito á paternidade e maternidade conscientes, se é assim que o Estado garante o direito a constituir família, se é assim que o Estado garante protecção à vida humana em potência.
Pergunta-se se é crível o discurso daqueles, que descobriram de súbito que até o Planeamento Familiar seria arma de arremesso contra a despenalização, quando é certo, como relembrou o Dr. Albino Aroso, que esses foram os que mais lutaram contra o uso de meios anticoncepcionais que não fossem métodos arcaicos.
Nós sempre lutámos, pela efectivação dos direitos sociais e económicos dos pais e das mães, aí sendo a sede privilegiada para o Estado demonstrar o valor que atribui à vida humana em potência que é a vida intra-uterina.
Mas não nos bastamos com isso.
Porque o problema do aborto não foi resolvido em países muito mais desenvolvidos, apenas com as medidas sociais.
Porque perceberam que se trata de um problema de saúde pública. Que o Estado tem o dever de resolver.
O que está hoje em causa é a censura que a própria vida faz da lei penal, e o que temos de saber é se a lei que temos é própria de um sistema democrático, pluralista, ou se conserva ainda resquícios de uma ordem jurídica intolerante, que, alheada dos efeitos criminógenos dessa mesma intolerância, quer impor às cidadãs, sofrimentos desnecessários.
Estas, não são pois questões do foro íntimo dos Senhores Deputados. A política criminal, as linhas orientadoras de um Direito Penal de um Estado de Direito Democrático, não podem ser definidas pelos Códigos morais dos que foram investidos num mandato para resolver os problemas de toda a população. E quando na sociedade não existirem consensos sobre a criminalização, o Direito Penal perde legitimidade quando cede aos Códigos de alguns e exerce censura aos que têm concepções de vida diferentes.
Por isso, hoje, ninguém se pode refugiar atrás da sua consciência, ou atrás de pressões ilegítimas, por mais elevado que seja o estatuto das pessoas que tais pressões exercem.
Porventura falta a essas pessoas a clarividência de se aperceberem que estão a lidar com a lei criminal, com uma lei feita por seres humanos e não por Deus ou deuses,restringindo com a ameaça de prisão a liberdade de consciência das mulheres. Estão a lidar com um problema que não trata de convicções religiosas.
O que foi compreendido noutros países com uma grande tolerância por parte de diversos credos religiosos, que recusaram a ver consagrada na arma mais terrível do Estado- o Direito Penal- a sua concepção de vida.
A Lei penal deve ser de facto a lei que permita a convivência, e não pode impor a uma parte da população as convicções morais de outra parte. Importa recordar-lhes a situação única em que se encontra a mulher com as palavras da célebre sentença Casey do S.T.F. dos Estados Unidos da América. "A mãe que leva uma gravidez até ao fim está sujeita a ansiedades a pressões físicas , a sofrimento que só ela sabe avaliar"
O reconhecimento do valor de um bem jurídico não basta para justificar o uso de sanções penais. Como se reconhece, por exemplo, no Ac 85/85 do Tribunal Constitucional. E como é reconhecido por todos os penalistas, sem excepção. Assim, a Assembleia da República tem plena liberdade para decidir a despenalização. Estamos assim confrontados com o núcleo fundamental do Projecto do P.C.P.: A despenalização da IVG. quando feita em estabelecimento hospitalar oficial, ou clínicas oficialmente reconhecidas, nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher. A despenalização, acompanhada da consagração do direito a recorrer ao sistema de saúde pública para que o aborto se faça em condições seguras, para que as mulheres não arrisquem a vida, e a saúde, nomeadamente as mulheres que não podem recorrer a clínicas, em Portugal, ou no estrangeiro. Não se trata de liberalizar o aborto Liberalização foi uma palavra que alguns, que até estão a favor da despenalização, inconscientemente utilizaram dando voz às concepções daqueles que não reconhecem à mulher o direito à sexualidade, e que lhe querem impor, tão só, o dever de procriar. Aqueles que como no poema de Natália Correia dizem à Feiticeira Cotovia "Confessa que és uma harpia/que tens comércio com Vénus/e que és o leito de orgia/ de poetas obscenos" Liberalizar o aborto seria aquilo que até já foi recomendado publicamente e por sinal, por um dos mais destacados opositores da despenalização: suprimir na lei todas as referências ao crime de aborto. E assim a mulher teria plena liberdade de o fazer onde entendesse: em casa, na vizinha, na parteira, na clínica privada, no consultório médico. Mas esta proposta de liberalizar revela a mais absoluta indiferença pelas mulheres das classes desfavorecidas, pelas mulheres trabalhadoras, pelas mulheres sem disponibilidades económicas para recorrerem à segurança de um aborto feito por médicos. Esta proposta é feita por quem sabe que a mesma mais não faria que acentuar a discriminação das mulheres pobres. Despenalizar, como propõe o P.C.P. é coisa bem diferente. Como pode encontrar-se justificação, por exemplo, para penalizar a mulher que engravidou involuntariamente porque falharam os métodos anticoncepcionais, ou nem sequer os conseguiu na consulta de planeamento familiar, e não pode levar a gravidez a termo por recear perder o emprego, ou por ver limitadas as suas possibilidades de acesso ao mercado de trabalho? Como pode penalizar-se uma mulher que engravidou de uma relação sexual não desejada com o companheiro que lhe proíbe o uso da pílula que ela tem de esconder em casa da vizinha, e não pode ter mais filhos, sob pena de colocar em perigo a subsistência do agregado familiar, e a própria vida da criança que não desejou? Sabem os senhores Deputados que qualidade de vida têm normalmente as crianças não desejadas? Como pode o Estado usar legitimamente do seu poder punitivo quando os direitos sociais, os que verdadeiramente protegem a vida humana em potência, os direitos que garantem a realização da maternidade e da paternidade conscientes, não são efectivados? A Actual lei penal apresenta-se, face à situação dramática das mulheres portuguesas, em substituição das medidas sociais, e não como a sua última ratio, pelo que não obedece aos princípios do Direito Penal moderno. Entendemos que com o sistema de prazos que propomos, nas primeiras 12 semanas, como acontece noutras legislações já atrás mencionadas, é a que melhor responde aos objectivos de uma política criminal própria de um Estado de Direito Democrático, tanto mais que surge acompanhada de medidas na área da saúde. Este é o núcleo fundamental da proposta do P.C.P. Sumariando ainda as restantes propostas do Projecto, importará dizer que nos debates que antecederam este debate, fez-se sentir da parte de alguns, uma resistência incompreensível ao alargamento do prazo da IVG por doença ou malformação grave do feto. No fundo de todas essas resistências estão dois factores: Uma desconfiança grande em relação às mulheres Um atitude impiedosa de obrigar as mulheres a terem filhos grandes deficientes, mesmo sabendo-se que aquela família irá ter uma vida de suplício. Deixem as mulheres decidir da sua vida. Elas saberão se podem ou não ter aquele filho. Elas recorrerão à IVG. tão cedo quanto lhes seja possível saber a brutal verdade. Não adiarão por mais tempo o sofrimento de uma gravidez que se passaria a suportar em revolta. E a respeito das semanas, porque as restantes propostas do P.C.P. alargam, nalguns casos, os prazos da não punibilidade do aborto, importará esclarecer, aquilo que ficou claro nas audições parlamentares. É que enquanto alguns, apenas preocupados em demonstrar que o embrião e o feto já eram vida humana com iguais direitos aos da pessoa humana ( o que não é verdade, nem científica, nem filosófica, nem legalmente ) tentavam descortinar no nosso Projecto, nas semanas indicadas, alguns indícios de que o P.C.P. se rendia aos seus argumentos, esqueciam a explicação mais natural, que eles próprios acabaram por ter de fornecer.. A interrupção médica da gravidez tem tanto menores riscos para a mulher quanto mais cedo se fizer. Por isso, não seguimos outras legislações que chegam mesmo à 24ª semana no caso de angústia da grávida. Aliás a 24ª semana é por nós aceite nos casos de malformações ou doenças graves do feto ou do embrião não por aceitarmos introduzir na lei o critério médico, que não legal, da viabilidade do feto, mas por nos convencermos que com base nos actuais conhecimentos da medicina e nas técnicas utilizadas no país é perfeitamente possível detectar as anomalias dentro das 24 semanas. Tendo em atenção a saúde da mulher propomos: A despenalização do aborto feito a pedido da mulher toxicodependente nas primeiras 16 semanas. A toxicodependência é uma terrível doença social, gerada pela avidez do lucro, alfobre de milionários que atira jovens para a mais atroz degradação. Uma jovem toxicodependente entra num processo tal de degradação que não se apercebe de imediato do seu estado de gravidez, por isso se justificando a concessão de um maior prazo para decidir se quer de facto tratar-se, se pode tratar-se, se a sociedade lhe dá os necessários meios para a sua recuperação, se o Estado olha a vida em potência que traz no ventre como credora de deveres por parte dele : como o dever de lhe proporcionar uma mãe saudável, uma mãe com condições para ter aquele filho. Propomos também: A menção expressa de que o risco de HIV é um risco de doença grave. E de facto assim é. E já está na lei actual. Mas é necessário que a lei se torne clara. Ninguém pode tirar-lhe o direito à sua liberdade de consciência. Propomos: O alargamento para 16 semanas nos casos de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. De facto, porque se trata de crimes em que padrões culturais machistas da nossa sociedade determinam que a mulher, que sente mais vergonha que o impante agressor, desvende tarde a sua gravidez. A distinção feita por alguns entre violações e violações violentas são a melhor prova de que há quem ainda julgue que Portugal é a coutada do macho ibérico. O prazo de 16 semanas deverá ser alargado para o prazo fixado para o aborto impropriamente chamado de eugénico no caso de menores ou de vítimas afectadas por anomalia psíquica. Por razões ainda mais evidentes. Umas não sabem que estão grávidas. Outras ainda com um maior temor devido à sua menoridade, tarde revelam muitas vezes o seu adiantado estado de gravidez. Propomos ainda: que o prazo da I.V.G. no caso de aborto terapêutico, seja alargado para 16 semanas, tendo em atenção sobretudo o caso das doentes que tomam antidepressivos, relativamente ás quais o actual prazo de 12 semanas se revelou insuficiente.
No decurso dos debates já havidos foram levantadas objecções relativamente à exequibilidade da despenalização. Desde logo, porque havendo serviços que por inteiro se declaram objectores de consciência, não haveria possibilidades de satisfazer as solicitações das mulheres. Respeitamos os verdadeiros objectores de consciência. Aqueles que caso a caso se declaram objectores. E por isso reconhecemos no Projecto a objecção de consciência. Mas na execução da lei não poderá deixar de averiguar-se quais os verdadeiros e os aparentes objectores. Também em último recurso e derrotados todas as obstruções dos opositores da lei, deparamos com o último, derradeiro e desesperado argumento de que nos serviços hospitalares terá de se investir muito- milhões mesmo- para que a lei seja executada. Mas o aborto inseguro é ou não um grave problema de saúde pública? As mulheres têm ou não direito à saúde? Em quanto se contabilizam os custos das gravíssimas complicações de aborto que chegam aos Hospitais? E não pode contabilizar-se em números, mas são importantes os custos, em termos de perda de horas e horas de trabalho, em termos do exercício da cidadania por parte das mulheres afectadas pelos traumatismos físicos e psíquicos do aborto inseguro. Com estas últimas questões suscitadas prende-se em parte uma das propostas do P.C.P. levianamente criticada por alguns membros do Conselho de Ética A proposta criticada é a que se refere à despenalização da conduta da mulher quando recorre ao aborto fora das condições legalmente admitidas. Bastaria relançar um olhar pelo direito comparado para não se fazerem afirmações aparentemente lógicas, de que o Projecto de Lei dizendo visar o combate ao aborto clandestino, acabava por fomentar esse aborto. Na verdade, esta solução existe na Dinamarca, existe na Holanda, aqui quando o aborto é feito até às 24 semanas. A crítica que é feita à proposta do P.C.P. é mais uma afirmação de desconfiança nas mulheres. É a afirmação de que as mulheres sabendo que podem fazer a IVG através de um acto médico perfeitamente normal, tendo condições para o fazer sem correr riscos, preferem arriscar a vida e a saúde nas malhas do aborto clandestino. A proposta de despenalização é ditada pela constatação de que resistências de firmes opositores à despenalização, vindas aliás da hierarquia do próprio Estado, podem tentar obstaculizar a aplicação da lei, o que aliás se tem verificado relativamente à lei actual. Mas a proposta é ditada também pela constatação de que a ameaça da lei penal relativamente às mulheres determina que com medo da punição só já em situação muito grave recorram aos serviços hospitalares para tratarem as complicações de aborto. Essa ameaça determina , também, que a solidariedade dos médicos para com a mulher que é vítima do crime, os impeça de denunciar os crimes cometidos. A não punição do comportamento da mulher que recorre ao aborto clandestino, quebrando a cadeia de solidariedade própria dos crimes sem vítima, onde se classifica o crime de aborto, determinará o reforço do valor da lei penal, o reforço das vertentes de prevenção geral positiva e de prevenção especial, contribuirá para a eficácia da mesma. E, o que não é de somenos, a lei penal deixará de impedir a mulher, com complicações de aborto, de recorrer prontamente ao Hospital. Com o que muito sofrimento se terá impedido.
Nunca entendemos o aborto como forma de contracepção. Não o é. E nem é assim que as mulheres o encaram. A educação sexual, praticamente inexistente nas escolas, por omissão do Estado, o planeamento familiar ( muito insuficiente) são seguramente meios de combate ao mal.. E por isso mesmo, porque entendemos que uma lei de despenalização não pode deixar de ser acompanhada de medidas no âmbito do planeamento familiar, recorde-se um artigo do nosso Projecto de Lei, muito esquecido por alguns porque lhes convém, mas que não caiu em saco roto pois foi notado por quem fez uma análise serena e séria do mesmo. Na audição Parlamentar o Professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, Miguel Oliveira e Silva, faria notar a importância do artigo em que o P.C.P propunha que a mulher que se submetesse a uma interrupção da gravidez teria de ter uma consulta de planeamento familiar no prazo de 7 dias. Uma lei de despenalização, deve ser acompanhada pela efectivação do planeamento familiar. É esse o objectivo do nosso Projecto.
Entendemos que as nossas propostas dão resposta ao flagelo do aborto clandestino, respondendo aos problemas e dramas das mulheres e sobretudo aos graves problemas sociais das mulheres trabalhadoras, das mulheres pobres, das mulheres excluídas, De todas aquelas que num desespero tentam resolver os problemas sozinhas, com agulhas, com pés de salsa, com as plantas mais diversas. Aquelas que aguentam as laminárias até se esvaírem em hemorragias, porque só pagaram metade do trabalho e ainda não conseguiram o restante para que o aborto seja ultimado. Aquelas que são vítimas de intolerâncias, de desconfianças. Aquelas que, neste debate, em desespero, sentiram ondas de intolerância, se viram culpabilizadas, e queriam e não puderam explicar publicamente porque se tinham visto obrigadas a rejeitar uma promessa de vida.