Projecto de Resolução N.º 1473/XIII

Sobre o combate à poluição no mar por hidrocarbonetos

Sobre o combate à poluição no mar por hidrocarbonetos

No passado recente, no fundamental localizado até ao princípio deste século, o problema claramente dominante em termos da contaminação do mar por hidrocarbonetos, era o dos derrames, voluntários uns (estes muito menos graves, mas muito frequentes) e acidentais outros (de incidência rara, mas normalmente muito graves quando ocorriam), de hidrocarbonetos líquidos, particularmente “crude”.

De facto, durante largas dezenas de anos, no passado, foi prática corrente dos navios das frotas de petroleiros, a lavagem dos tanques em pleno mar, com o lançamento das águas de lavagem para o mar, cujos efeitos, no caso nacional, eram então sentidos diariamente nas praias portuguesas.

Mais recentemente, o problema tem estado muito mais associado ao derrame de refinados de petróleo (gasóleo, fuelóleo, naftas químicas, etc.) do que de “crude”.

A partir de meados de década de 80 do século passado, e em termos da sua taxa de ocorrência, sobretudo devido ao aparecimento e aplicação de normativos internacionais de cumprimento obrigatório, designadamente com exigências de projeto e construção relativamente aos petroleiros (cascos duplos) e normas muito exigentes sobre a gestão das águas de lavagem dos tanques, tem ocorrido uma significativa mudança de comportamentos, com uma alteração muito positiva, consistente e continuada, refletida numa grande redução do número de acidentes ocorridos e dos derrames voluntários.

Já neste século, por razões evidentes, no fundamental devido à aplicação de tais normas, a taxa de decréscimo de ocorrências tem sido mais fraca.

O nosso país só acordou para esta problemática no princípio dos anos 70 do século passado e, através do Despacho n.º 11, de 29 de janeiro de 1973, do Ministro da Marinha, foi criado no seio da Autoridade Marítima de então o Serviço de Combate à Poluição no Mar por Hidrocarbonetos, sendo-lhe atribuída a missão e responsabilidade pelo desenvolvimento das ações de combate aos incidentes de poluição no mar, que viessem porventura a ocorrer.

Nas décadas de 70 e 80 do século passado, ocorreram alguns incidentes em águas sob jurisdição nacional, que foram sendo resolvidos, embora de forma muito insuficiente, face aos escassos meios que o País então dispunha.

Em janeiro de 1990, ocorreu um grave incidente nas águas próximas do Arquipélago da Madeira, com o navio Aragon. A gravidade deste incidente, obrigou a um pedido de ajuda à Comunidade Europeia, que, na ocasião, disponibilizou significativos meios materiais e humanos para o desenvolvimento das ações de combate à poluição, que então foram levadas a cabo.

Também na sequência do incidente com o Aragon, foi disponibilizada pela Comunidade Europeia a possibilidade do pessoal envolvido nas operações de combate à poluição, frequentar ações de formação especializadas, bem como de adquirir, através do Programa Envireg, diversos equipamentos específicos, num valor de cerca de 2 milhões de contos, sendo metade desta verba destinada à Marinha e a restante destinada à Direção-Geral de Portos.

Assim, nos anos 90, os Departamentos Marítimos, as Capitanias e os Portos Nacionais, ficaram razoavelmente apetrechados com alguns meios para poderem enfrentar os incidentes que viessem a ocorrer nas suas águas jurisdicionais.

Foi também na sequência deste mesmo incidente, que foi criado o chamado Acordo de Lisboa, por via da publicação do Decreto-lei nº 37/91, de 18 de maio. Este Acordo, estabeleceu as condições dos mecanismos de cooperação entre as Partes Contratantes – Portugal, Espanha, França, Marrocos e Comunidade Económica Europeia.

Caso ocorram incidentes de poluição do mar, o Acordo impõe às Partes Contratantes a obrigação de criarem os seus próprios organismos de intervenção e de porem em ação os seus próprios planos de intervenção, o que Portugal fez através do Plano Mar Limpo.

Ainda no âmbito deste Acordo, foi criado o Centro Internacional de Luta Contra a Poluição do Atlântico Nordeste (CILPAN), com sede em Lisboa.

Em 15 de Abril de 1993, ao fim de quase doze anos, foi aprovada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/1993, que instituiu o Plano Mar Limpo (PML), o qual, por sua vez, deu origem à elaboração de diversos Planos de Emergência setoriais, envolvendo os Departamentos Marítimos, as Capitanias, os Portos, os Terminais e as Indústrias consideradas como possíveis agentes poluidores das nossas águas.

Constata-se que foi desenvolvido um esforço no sentido de obter a capacidade para lidar com este tipo de ameaças. Contudo, ele carece de melhorias, nomeadamente no que respeita à digitalização de todos Planos de Emergência, bem como, o proporcionar a articulação entre eles, por forma a torná-los mais operativos.

A inexistência de navios adaptados para desenvolver ações de combate à poluição no mar por hidrocarbonetos, foi uma importante falha verificada ao longo dos anos, que foi parcial e insuficientemente colmatada, através da cedência de navios que a Agência Europeia de Segurança Marítima pode mobilizar, por via de protocolos estabelecidos com os seus Armadores.

Contudo, não constituem meios navais do Estado português, com todas as consequências negativas daí decorrentes.

Por outro lado, em 2016, foi aprovada alguma legislação sobre a utilização de dispersantes (produtos químicos desenvolvidos para quebrar a continuidade da placa de hidrocarbonetos derramada).

A satisfação desta necessidade foi sentida desde os anos 80, levando assim mais de 20 anos para que tivesse lugar algum desenvolvimento do assunto, estando atualmente definidos quais os dispersantes e os locais onde estes se podem utilizar.

É imperativo tomar medidas que permitam a formação adequada e urgente de todo o Pessoal Operador que integre os dispositivos de resposta, com vista a este estar preparado para este tipo de ações. Nestas situações, recorre-se normalmente ao pessoal próprio, no entanto na maior parte das vezes ele é claramente insuficiente. Também neste domínio, é absolutamente é absolutamente necessária a articulação com a Proteção Civil.

Finalmente, e independentemente da evolução muito positiva verificada na prevalência e profundidade dos derrames atrás referida, não podemos de forma alguma ignorar a ameaça, sempre presente, que a passagem defronte das costa ocidental e sul do território continental de Portugal, por quase 200 navios por dia, representa em termos de potencial de risco significativo de acidentes e derrames, para além, naturalmente, dos acidentes localizados em portos, barras, etc., agora, no fundamental, de refinados de hidrocarbonetos.

Em síntese, e Independentemente dos avanços verificados na nossa capacidade de intervenção relativamente ao derrame de “crude” e de refinados no mar, no interior dos portos, em estuários, rias e lagunas, subsistem dificuldades e insuficiência diversas, de que se destacam as seguintes situações:

• Os Planos de Emergência do Sistema da Autoridade Marítima (28 Capitanias e 5 Departamentos Marítimos), encontram-se atualmente em formato papel, o que torna a sua utilização muito difícil.

• Os diversos Planos de Emergência que as Entidades ou Empresas relacionadas com a problemática da poluição do mar detêm, foram elaborados de forma casuística, o que dificulta bastante a sua interligação com os demais Planos também aplicáveis às mesmas áreas onde elas se situam.

• A completa indefinição de quais os locais na costa, sejam ou não Portos, para abrigo dos navios eventualmente acidentados nas nossas águas territoriais e na nossa ZEE, com vista à ulterior atenuação dos impactes do acidente, pois que quanto mais afastado da costa estiver o navio, maior será a zona costeira contaminada em caso de derrame.

• Os equipamentos e outros materiais de combate à poluição por hidrocarbonetos, em alguns portos, tais como Viana do Castelo ou Figueira da Foz, encontram-se em bastante mau estado de conservação, comprometendo a sua operacionalidade.

• Os portos mais pequenos estão particularmente mal apetrechados em meios humanos e materiais para o combate a derrames locais ou regionais.

• As reduções do pessoal operador nos Sistemas da Autoridade Marítima e da Autoridade Portuária, afetam a capacidade de intervenção no caso da ocorrência de um incidente nas suas áreas de responsabilidade.

• A inexistência de navios do Estado português, apropriados, e, exclusiva ou dominantemente dedicados para serem utilizados em operações de combate à poluição com hidrocarbonetos. Apenas existe a possibilidade de serem mobilizados dois navios privados, através da Agência Europeia de Segurança Marítima, situação que poderá conflituar com a sua utilização oportuna.

• Persistem ainda diversas insuficiências a nível legislativo.

Assim, tendo em consideração o atrás exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do artigo 4º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução:

A Assembleia da República, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo a adoção das seguintes medidas:

1. Atualizar, digitalizar ou informatizar os Planos de Emergência do Sistema da Autoridade Marítima, relativos ao combate a poluição por hidrocarbonetos, com vista a torná-los muito mais facilmente consultáveis e operativos.

2. Atualizar os Planos de Emergência da Autoridade Portuária e das Empresas, se necessária, e sua integração nos Planos de Emergência da Autoridade Marítima, que contemplem as mesmas áreas de atuação.

3. Articular funcionalmente com a Proteção Civil, com vista à sua adequada operacionalização, sejam os Planos de Emergência da Autoridade Marítima, sejam os Planos de Emergência da Autoridade Portuária e das Empresas.

4. Definir claramente, após a realização dos adequados estudos e cenarizações, dos locais, sejam ou não portos, bem como de todos os planos de emergência associados, para abrigo de navios acidentados, transportando hidrocarbonetos (“crude” ou refinados) e navegando nas águas territoriais ou na Zona Económica Exclusiva de Portugal.

5. Salvaguardar a formação adequada e urgente de todo o Pessoal Operador que integre os dispositivos de resposta, com vista a este estar preparado para este tipo de ações.

6. Promover a aquisição pelo Estado de um navio polivalente, simultaneamente dedicado (em termos de projeto e construção) ao combate a derrames de hidrocarbonetos no mar, bem como à salvação e ao salvamento marítimo, garantindo-se a criação das condições orgânicas, financeiras, de dotação e formação de quadros e técnicas, para a sua operacionalização em condições de prontidão, eficiência e qualidade.

Assembleia da República, 5 de abril de 2018

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