1. Os gravíssimos acontecimentos e profundas alterações verificadas na URSS a partir do dia 19 de Agosto têm de ser considerados, para completa compreensão do seu significado, importância e consequências:
– por um lado, na base da consciência daquilo que a revolução de Outubro e as transformações e conquistas revolucionárias na construção da nova sociedade representaram para os trabalhadores e os povos da URSS; para o avanço da luta de libertação dos trabalhadores e dos povos de lodo o mundo; para as conquistas sociais e democráticas nos próprios países capitalistas; para a derrota do fascismo na 2.ª guerra mundial e a reconstrução no pós-guerra; para a derrocada do sistema colonial e a conquista da independência de povos secularmente escravizados; para o desenvolvimento da cooperação entre os povos, a limitação dos armamentos, a segurança e a defesa da paz mundial;
– por outro lado, tendo em conta a consideração e análise do período anterior à «perestroika», marcado por uma profunda crise latente que representava o acumular de fracassos do «modelo» de socialismo que se viera a configurar;
– finalmente, no quadro da evolução da situação na URSS nos últimos anos após a proclamação da «perestroika» pelo XXVII Congresso do PCUS.
2. No decorrer do século XX, independentemente do juízo crítico sereno e correctivo que se pode, se deve fazer e se faz de soluções que no seu desenvolvimento acabaram por configurar um «modelo» que se afastou de concepções e objectivos dos comunistas – a União Soviética pelas suas realizações e pela sua solidariedade com os trabalhadores e os povos em luta desempenhou um importante papel – em muitos casos determinante – para ás grandes transformações progressistas da sociedade humana no século que agora finda.
Outras revoluções socialistas; revoluções nacional-democráticas; o ruir do sistema colonial e a formação de dezenas de novos Estados independentes em resultado da luta heroica dos povos; importantes conquistas democráticas e sociais da classe operária e dos trabalhadores em geral nos países capitalistas; o derrube de numerosas ditaduras fascistas e reaccionárias e a conquistada liberdade e de regimes democráticos – constituem profundas transformações revolucionárias e progressistas que marcaram o século XX como um século em que, apesar de duas guerras mundiais desencadeadas pelo capitalismo, de numerosas guerras de agressão e da vaga de terror fascista se deram passos gigantescos no caminho da libertação dos trabalhadores e dos povos, da democracia, do progresso social e da independência das nações.
Por tudo isto, o PCP considerou e considera que a evolução da situação na URSS não é apenas uma questão do interesse dos trabalhadores e dos povos soviéticos, mas do interesse de todos os trabalhadores e povos do mundo.
Uma evolução na URSS no sentido da que se verificou em países do leste da Europa, conduzida para a restauração do capitalismo e a integração como país capitalista no sistema capitalista mundial, significaria uma nova e gravíssima mudança da correlação mundial de forças a favor do imperialismo constituiria um grave factor de instabilidade internacional e animaria as forças do capitalismo não só a apressarem a reinstauração do domínio, exploração e hegemonia mundiais, como a tentarem isolar e sufocar em cada país as forças mais progressistas pelo seu programa e acção.
3. O XIII Congresso do PCP, ao examinar a «perestroika» na União Soviética e as mudanças tumultuosas verificadas numa série de países do leste da Europa, concluiu pela existência anterior de uma crise latente nesses países extensiva a toda a vida da sociedade.
Procedendo a uma primeira análise relativa às causas de tais mudanças, o XIII Congresso (sublinhando a necessidade da ponderação das circunstâncias históricas e das inegáveis realizações alcançadas) apontou como principais traços negativos comuns do «modelo» que se tornara a efectiva realidade nesses países: a substituição do poder popular por uma forte centralização do poder político cada vez mais afastado das aspirações, opiniões e vontade do povo; graves limitações da democracia ao mesmo tempo que se verificava a acentuação da acção repressiva do Estado e a infracção da legalidade; a edificação de uma economia com centralização excessiva na propriedade estatal, a eliminação de outras formas de propriedade e de gestão, o desprezo pelo papel do mercado e a desincentivação do empenhamento e potencialidades dos trabalhadores; o estabelecimento no Partido de uma direcção altamente centralizada e de um sistema de centralismo burocrático, com o afastamento progressivo dos trabalhadores e das massas populares da vida e da participação nos órgãos de decisão a todos os níveis e a imposição administrativa das decisões tanto no Partido como no Estado dado o peso e confusão das estruturas do Estado e do Partido; e finalmente a dogmatização e instrumentalização do marxismo-leninismo e a sua imposição como doutrina do Estado.
Assim, o PCP na análise da crise, das derrotas do socialismo e das mudanças no leste da Europa, não viu apenas «erros humanos» e «desvios», mas o afastamento e afrontamento dos ideais comunistas em questões essenciais do poder, do Estado, da democracia, da organização económica, do papel do partido e da ideologia.
Reforçaram-se as concepções do PCP já anteriormente definidas no seu Programa e na sua acção acerca do projecto para Portugal e designadamente as relativas a democracia política como um elemento fundamental integrante do projecto de sociedade socialista; reforçou-se a concepção, expressa numerosas vezes, de que não pode haver socialismo sem a vontade e o empenhamento revolucionário consciente e criativo dos trabalhadores e das massas populares.
Estas concepções estão necessariamente presentes na análise do PCP sobre os últimos acontecimentos verificados na URSS.
4. A posição do PCP relativamente à «perestroika» na União Soviética assentou em duas ideias centrais: a primeira, que o «modelo» de socialismo existente na URSS, decalcado por ouros países do leste da Europa, se afastou em traços essenciais do ideal dos comunistas e se impunha por isso a sua superação; a segunda que, ao contrário dos outros partidos no poder nesses países, o PCUS tinha tomado consciência da situação real e empreendido a reestruturação geral da sociedade, com o objectivo declarado de defender, reforçar e renovar criativamente a sociedade socialista.
Assim, como salientou o XIII Congresso, o PCP desde o início da «perestroika» assumiu uma atitude solidária para com o PCUS e o povo soviético nesse empreendimento de alcance mundial. O PCP apreciou altamente a importância real dos objectivos repetidamente declarados por Gorbachov e outros responsáveis soviéticos: corrigir e superar erros, atrasos, estagnação, abuso do poder, métodos de comando burocrático, violação da legalidade, privilégios, corrupção e degradação moral; restabelecer o efectivo poder político do povo; instaurar a democracia no Estado, no Partido e na sociedade; acelerar o desenvolvimento sócio-económico na base da aplicação das tecnologias avançadas resultantes da revolução científico-técnica; e satisfazer as aspirações crescentes do povo em correspondência com as potencialidades do sistema socialista.
O PCP sublinhou no seu XIII Congresso a contribuição determinante da política e das iniciativas de paz da URSS, inseparáveis da «perestroika», para a viragem então verificada no clima internacional no sentido do desanuviamento, do desarmamento e do afastamento da ameaça do holocausto nuclear.
O PCP considerou então que a vitória da «perestroika» daria um novo impulso histórico ao desenvolvimento da sociedade socialista e recuperaria, na consciência e na opção dos povos, a exaltante atracção do socialismo e do comunismo.
Não tem assim qualquer fundamento a violenta e insidiosa campanha que visa apresentar o PCP como adversário da «perestroika». É uma falsidade e uma calúnia. O que, desde a primeira hora, os caluniadores apoiaram realmente invocando abusiva e oportunisticamente a «perestroika», não foi a política revolucionária de reestruturação da sociedade e de construção do socialismo renovado dinamizada pelo PCUS, mas as forças que se desenvolveram, actuaram e actuam para destruir e liquidar o socialismo na URSS para impedir que se concretizassem os anunciados objectivos da «perestroika».
O PCP expressou claramente a sua solidariedade com a «perestroika» como processo de reestruturação construção do socialismo renovado, da mesma forma que deixou claro que não é nem poderia ser solidário (e sempre o afirmou com frontalidade e sem ceder às mais variadas pressões) com as forças anti-socialistas que se desenvolveram à margem e a coberto do nome da «perestroika» e cujo plano é a destruição das conquistas revolucionárias dos povos soviéticos e do sistema socialista, a desagregação da União Soviética, a restauração do capitalismo.
Esta apreciação e posição básica do PCP, repetidas vezes afirmada, tem de estar presente para a compreensão da posição do PCP sobre os últimos acontecimentos na URSS.
5. A situação na URSS não se desenvolveu a diversos níveis segundo o projecto e os objectivos da reestruturação do Estado e da sociedade socialista soviética anunciados pelo PCUS e pelos órgãos dirigentes da URSS para a «perestroika».
É certo que foram justamente criticados, condenados e abandonados aspectos graves do «modelo» e da situação anterior. A instauração de liberdades fundamentais e medidas de democratização política do regime (apesar de violações, deformações e abusos que viriam a ser cometidos) contam-se como passos de extraordinária importância que, associados à realização dos objectivos económicos e sociais e de ouros objetivos da «perestroika», poderiam não só ter assegurado a renovação socialista da sociedade e dado novo e poderoso impulso ao desenvolvimento económico, social, político e cultural na URSS, como ter significado a experiência de uma nova realidade influindo positivamente em toda a evolução mundial no sentido da democracia, do progresso social, dos direitos dos povos e nações, da segurança e da paz.
Não foi porém nesse sentido que globalmente evoluiu a situação na União Soviética.
A realidade afastou-se cada vez mais dos objectivos anunciados da «perestroika».
O PCUS entrou num estado de crise interna cada vez mais profunda, com agudos conflitos, constituição de fracções e demissões, sem unidade de intervenção na disputa de eleições e nos órgãos do poder, à deriva no plano político e ideológico, perda de ligação com os trabalhadores e de influência de massas.
– A destruição dos mecanismo de uma economia excessivamente centralizada e a tentativa de passagem para uma «economia de mercado» insuficientemente definida e sem as orientações, os instrumentos, os métodos e os estímulos correspondentes conduziu a uma desorganização atingindo aspectos caóticos de todo o aparelho produtivo.
– A gravíssima deterioração da situação social, com o abaixamento do nível de vida, o desemprego, a carência até à ruptura de abastecimentos, aprofundou as insatisfações e as tensões sociais.
– Enquanto baixava o nível de vida das mais vastas massas populares, formou-se uma voraz camada de milionários, mercê da especulação, de negócios de divisas e dos mais variados expedientes criminosos.
– Conflitos étnicos e tendências separatistas em muitas das repúblicas provocaram gravíssimos e sangrentos confrontos armados, criação de milícias, grupos e forças armadas próprias, formação de governos desobedecendo abertamente à legalidade constitucional e a instauração de poderes reaccionários em repúblicas e regiões da URSS.
– As forças anti-socialistas organizadas nos mais variados grupos, muitos deles de intervenção reaccionária e provocatória, formados à sombra da importante democratização verificada, passaram a actuar livremente à margem da legalidade democrática, carecendo o PCUS da orientação coerente da unidade e da coesão necessárias para enfrentar a situação e dar ao processo um sentido favorável à democracia socialista.
– Em vez da mobilização e participação dos trabalhadores e das massas manteve-se a governação por decretos e o poder evoluiu de novo para uma grande centralização, particularmente evidente no esvaziamento das competências e acção dos sovietes em favor de uma presidencialização do poder a todos os níveis.
– Alastraram as desordens, a criminalidade e a insegurança.
– Em vez da realização dos objectivos da «perestroika» que deveria superar a crise da sociedade soviética, os problemas centrais agravaram-se e a crise adquiriu um grau extremo. Ao mesmo tempo diminuiu de forma preocupante a iniciativa e a autoridade internacional da URSS.
A caótica e anárquica situação política, económica, social, nacional e a desintegração do Estado soviético atingiu uma gravidade e evidência universalmente reconhecida.
6. Desta forma, a realidade soviética nos últimos anos foi abalada e caracterizada pelo confronto cada vez mais agudo e violento entre dois processos: um processo de reestruturação e renovação da sociedade socialista – a «perestroika» – embora contraditório, hesitante, pleno de concessões, alterações e recuos e nos últimos anos cm perda progressiva da coerência e eficácia; e um processo contra-revolucionário em nítido ascenso nos últimos anos conduzido pelas forças anti-socialistas desenvolvido à sombra da «perestroika», utilizando golpes inconstitucionais e a demagogia, aproveitando hesitações, demissionismo, contradições e divisões no próprio PCUS e o seu resultante enfraquecimento, e apoiado activamente de forma directa e indirecta pelo imperialismo.
Na evolução da situação, foram-se acentuando cada vez mais a redução da base de massas e o enfraquecimento, hesitações e alterações fundamentais da orientação do primeiro processo; e verificou-se o fortalecimento crescente do segundo processo, com o desrespeito da Constituição e da legalidade soviéticas, a arrogância, a operacionalidade e a dinâmica da ofensiva, tendo como principal pólo de força e de desenvolvimento Boris Ieltsin e o seu suporte no Parlamento da Federação Russa.
Este processo foi sendo cada vez mais apoiado pelos países capitalistas com campanhas de opinião, ingerências políticas, pressões e chantagem económica, exigências ao Governo soviético de submissão a imposições de transformação do sistema e do regime como preço de apoios económicos e financeiros que o agravamento da crise e concepções que se tornaram dominantes levaram a considerar não só urgentes como indispensáveis. Os Estados Unidos, pela boca do Presidente Bush e de outros dirigentes colocaram à URSS exigências crescentes sobre orientações e decisões na sua política interna e externa da exclusiva competência de um Estado soberano, como «a reestruturação da sociedade» para uma «economia de mercado» (entendendo-se como economia capitalista), a ruptura das relações amistosas com Cuba, a solução do problema das Curilhas conforme as exigências japonesas, etc.
Com a permanente utilização golpista pelas forças anti-socialistas das posições que foram alcançando inclusive pela proibição ou criação de entraves à acção do PCUS, de sovietes, de sindicatos e de outras organizações sociais, a evolução da situação encaminhou-se para a derrota ou abandono da «perestroika» e para a liquidação de conquistas históricas do povo soviético, para a restauração e instauração progressiva de estruturas, soluções, ideologia e mentalidade do capitalismo e para a desagregação, desintegração e destruição do Estado multinacional soviético (apesar do apoio de mais de 76% dado à manutenção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas no referendo de 17 de Março).
Em termos objectivos, era do interesse não apenas dos povos da URSS, mas dos trabalhadores e dos povos de lodo o mundo, que tal não fosse o desfecho da situação, que o processo contra-revolucionário fosse sustido e que a «perestroika» (reestruturação) da sociedade socialista fosse retomada com êxito.
Esta análise deverá ser considerada quando se procura compreender os últimos acontecimentos ocorridos na URSS.
7. Numa tal situação, em numerosas ocasiões e para pôr termo a gravíssimas situações – nomeadamente sangrentos conditos étnicos e actuação de milícias armadas criadas ilegalmente – foram tomadas medidas de excepção ao longo destes anos. Em vários órgãos do poder e em vastos sectores do PCUS e da sociedade se manifestava a reclamação de medidas de excepção (previstas na lei), necessariamente de carácter temporário, para superar a gravíssima crise existente, resolver os problemas mais urgentes e retomar e assegurar ulteriormente o funcionamento normal das instituições e o curso das reformas democráticas.
Na eclosão dos acontecimentos de 19 de Agosto, perante as inquietações e interrogações dos militantes e organizações do Partido e da opinião pública em geral, a Comissão Política produziu uma primeira nota que, pelas interpretações a que deu azo, deve ser de novo analisada.
Na situação de constantes violações da legalidade constitucional existente na União Soviética, a declaração do «estado de emergência» a partir de alguns dos mais altos responsáveis do poder político da União Soviética e próximos colaboradores de Gorbachov (vice-Presidente da URSS, Primeiro Ministro, Ministro da Defesa, Ministro do Interior, Presidente da Comissão de Segurança do Estado) levou a Comissão Política a admitir que, conforme diziam os seus autores, se tratava de uma tentativa, não para regressar ao passado, mas para conter o avanço de um processo contra-revolucionário, ultrapassar a crise com medidas de carácter temporário e retomar ulteriormente a normalidade institucional e o avanço de reformas democráticas.
O Comité Central concorda em que a opinião expressa pela Comissão Política do Comité Central não significou um apoio à acção empreendida, como foi sublinhado repetidas vezes, mas uma tentativa de análise do significado e alcance dos complexos e graves acontecimentos poucas horas depois da sua eclosão, tanto mais que apareceu acompanhada pela reserva de que uma opinião fundamentada do PCP só poderia vir a ser tomada ulteriormente por não se poder na altura «formar uma ideia segura acerca dos objectivos imediatos e mediatos, dos métodos utilizados e a utilizar e das perspectivas reais da evolução da situação».
Entretanto, o Comité Central considera que a falta de esclarecimento relativo ao que se caracterizava como um processo contra-revolucionário, a falta de referência crítica a inconstitucionalidades relativas ao afastamento do Presidente Gorbachov, a apressada caracterização no imediato de acontecimentos de contornos pouco claros e sobre os quais escasseavam informações, o não se terem assim melhor acautelado interpretações enviesadas e repercussões políticas dos acontecimentos e das posições do Partido, deram motivo, a que, por falta de rigor e clareza na redação do texto, se tivessem gerado incompreensões e críticas no seio de organismos e organizações do Partido e não se tivesse ajudado a travar a campanha que previsivelmente e em qualquer caso se desencadearia contra o PCP.
A consideração rigorosa das posições e atitudes assumidas pelo PCP não pode tão pouco ignorar ou escamotear que, com a confirmação do carácter inconstitucional do afastamento de Gorbachov, o PCP, em declaração feita na Comissão Permanente da Assembleia da República, sublinhou a necessidade de evitar confrontos sangrentos e apelou ao rápido regresso à normalidade constitucional.
Importa ainda esclarecer a posição do PCP já à luz dos acontecimentos ulteriores.
O golpe de Estado para a aplicação do estado de emergência foi facilmente derrotado e conduziu precisamente ao resultado contrário daquele que os seus autores diziam pretender: em vez de conter o processo de crise e de desestabilização e a acção das forças anti-socialistas e reaccionárias, a sua derrota facilitou o imediato e brutal avanço de tal processo e tornou ainda mais grave a situação. Este facto mostra o desespero da tentativa, o erro de cálculo dos seus autores e objectivamente o aventureirismo da sua iniciativa.
Ao mesmo tempo, as medidas violentas, antidemocráticas e abertamente inconstitucionais de Ieltsin e do Parlamento russo, confirmam as análises, preocupações e avaliações do PCP relativas à evolução da situação na URSS e à acção das forças anti-socialistas num processo contra-revolucionário que há muito tempo vinha sendo desenvolvido e que mostra agora o seu verdadeiro rosto expresso numa histérica ofensiva anticomunista que faz lembrar exemplos históricos de ódio e de repressão.
8. As decisões e medidas tomadas nos últimos dias por Ieltsin, por vezes em termos de poder pessoal absoluto, põem inteiramente a nu o carácter antidemocrático, reaccionário e de cariz ditatorial das suas posições e dos seus propósitos. Mostram que Ieltsin se tornou a figura proeminente do processo orientado para a restauração do capitalismo na URSS e para o desmembramento do Estado Soviético.
De facto:
– O decretar de medidas cuja competência cabe ao Governo e ao Soviete Supremo da URSS;
– as decisões tomadas contra a Constituição e as decisões dos órgãos institucionais da URSS;
– a substituição da bandeira da URSS pela bandeira da antiga Rússia czarista;
– o encerramento das sedes do PCUS e a proibição das suas actividades; a interdição da publicação dos seus jornais; as buscas às suas sedes e organismos; a confiscação dos seus bens;
– o derrubamento de estátuas e símbolos de mais de 70 anos de história;
– o afastamento apenas por «suspeitas» de figuras de primeiro plano do Estado;
– a escolha de dirigentes do Estado e de orientações que apontam como objectivo a restauração do capitalismo;
- confirmam que Ieltsin, no seguimento da sua acção anterior, desencadeou um novo golpe de força e repressão contra o Estado soviético, e a tentativa de imposição de um regime conservador e autoritário.
É surpreendente que certas pessoas que em nome da democracia desenvolvem tão violentos ataques ao PCP por motivo dos acontecimentos na URSS, não tenham uma palavra condenatória contra a brutal ofensiva de ilegalização e destruição do PCUS, as clamorosas violações da legalidade constitucional e as provocações e actos de usurpação de poderes dirigidos contra o Presidente da URSS e, pelo contrário, enalteçam Ieltsin e o actual curso dos acontecimentos na URSS como uma vitória da democracia.
É esclarecedor acerca do significado dos acontecimentos mais recentes a escalada do imperialismo no apoio às decisões de Ieltsin procurando precipitar soluções de facto e acelerar um processo de restauração do capitalismo.
As recentes declarações, atitudes e decisões contraditórias de M. Gorbachov como Presidente da URSS e como Secretário-Geral do PCUS (como ter afirmado num momento defender o socialismo e o PCUS e ter assinado a seguir de acordo com Ieltsin decretos para repressão do PCUS e a privação dos seus bens), as alterações em curso na correlação de forças e as profundas incertezas existentes, não permitem, no momento actual, fazer uma avaliação fundamentada de qual será o seu papel na ulterior evolução da situação na URSS.
É porém certo que sem os comunistas será impossível vencer a crise profunda em que se debate a sociedade soviética e impedir o triunfo das forças anti-socialistas, e a desagregação da URSS, com consequências dramáticas para os povos soviéticos, (nomeadamente com graves conflitos entre etnias e entre nações) e consequências perigosas e imprevisíveis em toda a situação mundial.
Nesta difícil situação, o Comité Central do PCP expressa aos milhões de comunistas sinceros e devotados à causa dos trabalhadores e do socialismo na URSS a solidariedade dos comunistas portugueses e a sua confiança em que prosseguirão a sua luta pelos generosos ideais comunistas.
As alterações em curso representam uma perspectiva de fortalecimento do imperialismo e da arrogância do EUA – já patente nestes dias – que podem trazer perigos para a estabilidade internacional, para a construção de um sistema de relações entre os povos e países baseadas na paz, na justiça, na reciprocidade de vantagens e para a superação dos atrasos e diferenças de desenvolvimento que resultam da exploração e opressão capitalista.
A luta pelos grandes valores e objectivos da paz, do desenvolvimento, da libertação e independência dos povos prosseguirá porém, à escala dos diversos países, fortalecida pelas realidades que tornarão mais e mais evidente a sua necessidade.
Os acontecimentos e a evolução da situação na URSS comportam necessariamente a exigência de novas reflexões e análises por parte dos comunistas.
O Comité Central considera necessário prosseguir ulteriormente o aprofundamento do exame das alterações na URSS e no plano internacional.
9. Sem minimizar a gravidade dos acontecimentos e da evolução registados na URSS, os seus efeitos consequências e as perplexidades e inquietações que provocam em muitos comunistas e outros democratas, o Comité Central do PCP chama a atenção para a poderosa e multiforme ofensiva política e ideológica que o imperialismo e as forças defensoras do capitalismo estão a desenvolver com o objectivo de fazer repercutir esses acontecimentos contra a luta emancipadora dos trabalhadores e dos povos à escala universal e, em Portugal, designadamente contra o PCP.
É ao serviço destes objectivos que conhecem agora uma redobrada intensidade as «teorizações» decretando a «morte do comunismo», a «falência» dos ideais do socialismo e a «perda de razão de ser» dos partidos comunistas. Face a esta ofensiva, o Comité Central do PCP reafirma não apenas que a acção dos comunistas e a justeza dos seus ideais marcam indelevelmente os avanços e transformações progressistas do nosso século e a fisionomia do mundo contemporâneo, mas também que é o socialismo, e não o capitalismo, que, num projecto aberto para a vida e para a renovação, está em condições de corresponder às necessidades e aspirações dos trabalhadores e dos povos, num mundo cm mudança.
Salienta também que conserva plena actualidade a afirmação feita no XIII Congresso (Extraordinário) do PCP de que o ideal comunista, sendo um projecto de futuro, é também «um movimento de crítica, de luta e de transformação no presente» que «ganha toda a sua dimensão transformadora na realidade concreta do mundo contemporâneo, nela se inscrevendo não apenas como um sonho mas como uma possibilidade real».
Rejeitando falsificações sobre a natureza, identidade, objectivos e orientação do PCP, o Comité Central reafirma que o PCP, nascido sob o impulso da Revolução de Outubro, é uma criação dos trabalhadores portugueses e que, activamente solidário com a luta dos trabalhadores e dos comunistas dos outros países, o PCP afirmou-se em décadas de combate pela liberdade, pela democracia e pelo progresso social como um grande partido nacional, com sólidas raízes nas massas populares e na real idade portuguesa, dotado de um projecto político próprio e diferenciado que colhe nessas raízes a sua inspiração determinante. A existência e actividade do PCP desde a sua fundação está solidamente ancorada na defesa dos interesses, direitos e aspirações dos trabalhadores e do povo português e na necessidade da transformação progressista da sociedade portuguesa.
O Comité Central reafirma que o profundo compromisso do PCP e dos comunistas portugueses com os ideais da liberdade e da democracia está historicamente comprovado no seu destacado papel na resistência antifascista, na sua contribuição essencial para a fundação e construção do regime democrático, na sua luta quotidiana em defesa dos direitos dos cidadãos e dos trabalhadores, no seu Programa em que é fortemente sublinhado o valor intrínseco da democracia política e a sua inseparabilidade da democracia económica, social e cultural.
É com inabalável convicção, sustentada na sua luta passada, na sua acção presente e no valor do seu projecto democrático e socialista, que o PCP afirma que continuará a honrar as suas responsabilidades de grande partido dos trabalhadores, de força essencial do regime democrático, de força indispensável para uma alternativa democrática à política e ao Governo da direita, para a solução dos problemas nacionais, para a construção de uma democracia avançada no limiar do século XXI.