Notícias recentes relacionadas com o Sistema de Informações da República e factos vindos a público nunca cabalmente esclarecidos acerca de práticas ilegais por parte desses serviços confrontam os órgãos de soberania com a responsabilidade de considerar atenta e informadamente a real situação dos Serviços de Informações e de exigir um funcionamento destes Serviços que concilie as suas exigências próprias com o regular funcionamento do regime democrático.
A este respeito, de entre os factos mais relevantes que suscitam as nossas maiores preocupações, salientamos os seguintes:
1. A Direcção operacional dos Serviços de Informações encontra-se sem responsáveis máximos nomeados, não se sabendo, na prática, quem os dirige. O cargo de Secretário-geral da Comissão Técnica dos Serviços de Informações, que tem uma responsabilidade decisiva ao nível do Conselho Superior de Informações e na articulação entre os vários serviços secretos encontra-se vago desde Agosto de 2002, data do falecimento do seu último titular, o general Pedro Cardoso. Não se sabe se esse cargo deixou de existir desde então ou se alguém exerce “informalmente” essas funções.
2. O Dr. Teles Pereira, ex-Director do SIS apresentou a sua demissão já em Julho deste ano, sendo esse Serviço desde então dirigido por um director interino sem que tenha havido até à data a indigitação de um novo director. Este facto configura uma solução anómala, sendo certo inclusivamente que a nomeação de qualquer director para o SIS implica uma intervenção obrigatória da Assembleia da República que obviamente não se verificou.
3. Num Processo Judicial, contra o espião sul africano Capitão Pieter Groenewald, findo em finais de 1999 e já liberto de segredo de justiça, ficou claramente indiciada nas conclusões do Ministério Público, a sua colaboração com o SIS em acções de escuta e varrimento electónico, sob orientação e coordenação do (citado nos Autos) Departamento Técnico e de Vigilância daquele Serviço e do seu responsável. O Ministério Público, confrontado com o segredo de Estado, foi incapaz de apurar a verdade desses indícios probatórios, mas era ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações e ao Governo que competia esclarecer a presumível prática pelo SIS de actividades ilegais e criminalmente puníveis. Até hoje nada foi esclarecido e sobre essa matéria mais nada se conhece.
4. Por seu lado, o SIEDM, sob tutela do Ministro da Defesa Nacional, foi publicamente acusado da prática de actuações ilegais, nomeadamente escutas e “investigações” de personalidades relevantes da vida política nacional. Após contradições diversas com a Direcção daqueles Serviços, que veio a ser substituída, o Sr. Ministro da Defesa, perante essas acusações, em reunião da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional e publicamente, afirmou tratar-se de uma difamação sobre esses Serviços e anunciou a sua intenção de apresentar uma queixa à Procuradoria Geral da República para que fossam apuradas responsabilidades por essas imputações alegadamente falsas. Relembra-se porém que não houve até à data qualquer notícia de que essa queixa tenha sido apresentada e que o Sr. Ministro da Defesa Nacional, questionado publicamente pelo Grupo Parlamentar do PCP sobre esse assunto. manteve o mais absoluto silêncio.
5. Neste quadro verdadeiramente anómalo, surgiram recentemente na imprensa notícias quanto à existência de um ante-projecto legislativo governamental visando a fusão dos Serviços de Informações de Segurança (SIS) com os Serviços de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM), facto que pela sua relevância e melindre, particularmente por implicar a recolha de informação conjunta em matéria de defesa nacional e segurança interna, com o perigo de deslizamento para um conceito de “inimigo interno” constitucionalmente vedado, merece e deveria suscitar um amplo debate nacional.
Nestas circunstâncias, o Grupo Parlamentar do PCP considera inaceitável que o debate em torno de questões da maior importância para a concepção e o funcionamento dos Serviços Secretos Portugueses se remeta a um circuito fechado envolvendo os partidos do Governo e o maior partido da oposição (como foi noticiado na imprensa) e uma “comunidade de informações” mais ou menos informal com a marginalização da Assembleia da República, que como é óbvio, constitui a sede própria para a tomada de opções legislativas nessa matéria.
Importa relembrar entretanto que o PCP considera negativa para o regime democrático a actual situação de governamentalização em que encontram os Serviços de Informações, considerando que quer em sede constitucional quer em sede legislativa deveriam ser adoptadas as disposições adequadas para garantir um maior poder de fiscalização da AR sobre esses Serviços, um novo enquadramento institucional e um acompanhamento a nível superior da sua Direcção e do seu funcionamento por parte, nomeadamente, do Presidente da República.
Como é sabido o PCP apresentou já um projecto de lei nesse sentido e ontem mesmo, em conferência de líderes, propôs, sem sucesso, o seu agendamento para a primeira quinzena de Dezembro.
Em todo o caso, para além de continuar a insistir na proposta de agendamento deste projecto para o mais brevemente possível, o Grupo Parlamentar do PCP vai solicitar de imediato que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em reuniões conjuntas, quando for caso disso, com a Comissão de Defesa Nacional:
- Promova a audição dos membros do Governo responsáveis pelos Serviços de Informações, não apenas para debater aprofundadamente o problema da eventual fusão dos Serviços, mas também para obter esclarecimentos acerca da situação de anómala indefinição institucional em que esses serviços de encontram.
- Convoque o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações para debater com este órgão a situação institucional desses Serviços e para tomar conhecimento de eventuais acções de fiscalização que tenham sido desencadeadas com vista a averiguar a autenticidade de acusações e indícios acerca de práticas ilegais, nomeadamente escutas, intercepções electrónicas e “investigação” ilícita de personalidades políticas nacionais, por parte do SIS e/ou do SIEDM.