Senhor Presidente, Senhores Deputados,
O PCP considera indesejável este processo de revisão constitucional.
Perante os problemas que o nosso país atravessa, perante as dificuldades cada vez maiores que os portugueses sentem no seu dia-a-dia com a perda do seu poder de compra, com o aumento de preços dos bens essenciais e com as dificuldades no acesso a serviços públicos e à efetivação de direitos fundamentais ao trabalho com direitos, à saúde, à educação, à justiça, à habitação, à segurança social ou à cultura, o que se afigura essencial é que a Constituição seja cumprida. Não que seja revista.
Temos a firme convicção de que este país precisa de recuperar um rumo de transformação social que a Revolução de Abril inaugurou e que a Constituição verteu em Lei.
Quem vive do seu trabalho e do seu esforço, neste país, compreende que o que é preciso é cumprir direitos constitucionais, não cerceá-los ou adulterá-los.
O que é preciso é ir mais longe no que a Constituição consagra de direitos à habitação, à saúde, à educação, à protecção social, à cultura, ao desporto e a um ambiente ecologicamente equilibrado. Fazer destes direitos realidades.
O que o país necessita não é de ideias velhas e pequenas, precisa é de garantir que são concretizados e respeitados os direitos dos trabalhadores, dos reformados, das crianças e dos jovens.
Precisa de criar condições para uma efectiva igualdade combatendo o racismo, a xenofobia e todos os tipos de desigualdades e discriminações, como as que vitimam as mulheres, as discriminações em função da orientação ou características sexuais, tal como a Constituição prevê.
É prioritário para que este País se cumpra, fazer valer o projecto que a Constituição comporta de um País soberano, desenvolvido, democrático, de respeito e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, de participação popular na vida democrática nacional, de um País que desenvolve as suas relações internacionais a partir de uma política de paz, amizade e cooperação entre os povos.
Essas são as verdadeiras prioridades relativamente à Constituição, por mais que haja a tentação de animar questões laterais para não falar sobre o que mexe com a vida do povo português.
Mas isso, que determina a realização de cada cidadão deste país, essas são as questões que não podem ser ignoradas ou secundarizadas e o PCP empenhar-se-á nesse objectivo.
Num momento em que se agudiza a crise económica e social e em que avançam novas e gravosas ameaças contra os interesses do país e os direitos do povo e dos trabalhadores, o PCP tudo fará para que este processo de revisão constitucional não sirva para desviar atenções da gravidade das opções que estão a ser tomadas e continuará a dar primazia ao combate às medidas e políticas lesivas do povo e do país em curso e a apresentar propostas que corporizam a alternativa política que propõe ao povo português.
O PCP considera que este processo de revisão constitucional é não apenas desnecessário como condenável pelos seus propósitos de subversão do regime democrático constitucional. O que se lamenta é que perante mais um processo de revisão aberto pelo Chega, que não esconde a sua hostilidade aos princípios basilares do regime democrático-constitucional, o PS e o PSD, partidos de quem depende a aprovação de qualquer alteração constitucional, aceitem credibilizar esse processo em vez de o rejeitar liminarmente.
Neste quadro, porém, o PCP não se eximiu de assumir de pleno as suas responsabilidades e de intervir neste processo com o seu próprio projeto de revisão constitucional.
Um projeto de revisão que vai no sentido do aprofundamento do projecto que a Constituição continua a consagrar de uma democracia em sentido amplo, nas suas dimensões política, económica, social e cultural, de um caminho de desenvolvimento para o país baseado no combate às desigualdades e injustiças sociais e não de materialização na lei fundamental da política de direita e do revanchismo contra as conquistas de Abril – que marcam o tom deste processo de alteração constitucional quando visto a partir das opções de quem sustenta a política de direita.
O PCP intervirá, a partir do seu próprio projeto, no sentido de defender os valores de Abril e aprofundar o projeto de futuro que a Constituição comporta, opondo-se a conceções que visam a imposição de retrocessos e liquidação de direitos no plano constitucional.
O projeto de revisão constitucional que o PCP apresenta tem o sentido, não apenas de defender, mas também de melhorar e aperfeiçoar a Constituição, seja recuperando disposições fundamentais entretanto alteradas em sentido negativo, seja avançando com propostas inovadoras visando enriquecer o texto da Lei Fundamental.
No tempo destinado a esta intervenção, procurarei enunciar telegraficamente 45 propostas constantes do projeto do PCP:
1.ª A eliminação das normas que permitem a sistemática transferência da soberania nacional para as instituições da União Europeia e que admitem a prevalência das normas emanadas da União Europeia sobre o Direito interno, incluindo a própria Constituição.
2.ª A exigência de parecer vinculativo da Assembleia da República para que o Estado português se vincule na União Europeia em matérias da sua competência.
3.ª A eliminação da subordinação da Constituição Portuguesa à jurisdição do Tribunal Penal Internacional garantindo a plena competência dos tribunais portugueses para o julgamento em Portugal de crimes contra a Humanidade.
4.ª A constitucionalização do Conselho Consultivo das Comunidades Portuguesas.
5.ª A garantia dos direitos fundamentais dos imigrantes.
6.ª A garantia do direito de voto dos cidadãos estrangeiros em eleições autárquicas, eliminando a atual exigência de reciprocidade;
7.ª A garantia de que o acesso à justiça e aos tribunais não possa ser condicionado ou denegado pela sua onerosidade ou por insuficiência de meios económicos.
8.ª A criação de um recurso constitucional de amparo, junto do Tribunal Constitucional, contra quaisquer atos ou omissões dos poderes públicos que lesem diretamente direitos fundamentais.
9.ª A fixação dos mandatos do Procurador-Geral da República, do Provedor de Justiça e do Presidente do Tribunal de Contas, em seis anos, não renováveis.
10.ª A eliminação da possibilidade de aplicação de prisão disciplinar aos militares em tempo de paz.
11.ª A reposição da inviolabilidade do domicílio à noite salvo em situação de flagrante delito.
12.ª A retoma da proibição da extradição de cidadãos nacionais, bem como de cidadãos estrangeiros nos casos em que se apliquem nos países de destino penas de prisão perpétua ou de duração indeterminada.
13.ª A constitucionalização do direito dos jornalistas a não praticar atos profissionais contrários à sua consciência.
14.ª O alargamento do direito de petição aos órgãos das autarquias locais.
15.ª O reforço do direito à contratação coletiva e proibição da caducidade automática das convenções coletivas de trabalho.
16.ª A valorização do salário mínimo nacional.
17.ª A redução progressiva do horário de trabalho sem perda de direitos.
18.ª A especificação de garantias especiais da retribuição dos trabalhadores.
19.ª A consagração do direito à estabilidade dos vínculos laborais.
20.ª A garantia de vínculo público de nomeação dos trabalhadores da Administração Pública.
21.ª A garantia do carácter público, universal e solidário da segurança social.
22.ª A valorização das pensões e reformas e a proteção dos direitos adquiridos em matéria de segurança social.
23.ª A constitucionalização de um rendimento mínimo de subsistência a todos os cidadãos.
24.ª A gratuitidade dos cuidados de saúde, através de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito.
25.ª A gratuitidade de acesso à educação pré-escolar e a todos os graus de ensino.
26.ª A substituição da referência a “menores” por “crianças e jovens” de acordo com os instrumentos de direito internacional relativas à proteção de crianças e jovens.
27.ª A proteção da casa de morada de família contra despejos.
28.ª A consagração inovadora do direito de todos os cidadãos à água e ao saneamento básico.
29.ª A introdução de um artigo inovador sobre política de pescas e do mar.
30.ª A garantia constitucional da soberania e segurança alimentares.
31.ª A consagração da defesa do mundo rural.
32.ª A atribuição ao Presidente da República de competências na área dos serviços de informações.
33.ª A possibilidade de submissão a referendo da aprovação de convenções internacionais, salvo quando relativas à paz e à retificação de fronteiras.
34.ª A intervenção obrigatória do Governo, da Assembleia da República e do Presidente da República na decisão de envio de forças militares para o estrangeiro.
35.ª A eliminação da possibilidade de diminuição do número de deputados da Assembleia da República, bem como da possibilidade de existência de círculos uninominais.
36.ª O alargamento das matérias incluídas na reserva de competência da Assembleia da República.
37.ª A eliminação da exigência de maiorias qualificadas de dois terços para a designação de titulares de órgãos externos por parte da Assembleia da República, acabando com os bloqueios institucionais decorrentes da falta de acordo entre o PS e o PSD.
38.ª A elevação das leis das finanças locais e das finanças das regiões autónomas à categoria de leis orgânicas.
39.ª A consagração da possibilidade da Assembleia da República suspender a aplicação de decretos-leis do Governo quando submetidos a Apreciação Parlamentar.
40.ª O reforço da autonomia do Ministério Público.
41.ª A audição dos partidos representados nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas para a nomeação e exoneração do Representante da República.
42.ª A aplicação do regime de incompatibilidades e impedimentos da Assembleia da República e do Governo às assembleias das regiões autónomas e aos governos regionais.
43.ª A garantia de eleição direta das câmaras municipais.
44.ª A eliminação da exigência de referendo para a criação de regiões administrativas.
45.ª A consagração da natureza civil de todas as forças de segurança e a eliminação das restrições constitucionais ao direito à greve dos seus profissionais.
Srs. deputados,
É na afirmação dos valores de Abril na Constituição que se encontram as soluções para o futuro do País. Será em sua defesa que o PCP intervirá neste processo de revisão constitucional.