Exposição de Motivos
A saúde da mulher é indissociável do conceito de bem-estar e prevenção da doença, da interdisciplinaridade e da natureza abrangente da saúde, das características diversas de cada uma, da sua situação social e das diferentes necessidades ao longo da vida.
O conhecimento das características das diversas fases da vida da mulher permite identificar intervenções específicas que ajudam a reduzir os riscos e a maximizar os fatores de proteção da saúde e bem-estar mulher, pelo que importa conhecer, informar, prevenir e intervir nas suas várias especificidades, sem desvalorização de cada etapa do seu ciclo de vida.
Um artigo do Jornal Médico de Família, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar refere que «Mais de vinte anos depois de vários países assinarem a Declaração de Pequim de 1995 (...), as mulheres ainda enfrentam muitos problemas de saúde, com os quais a sociedade civil, políticos e profissionais de saúde se devem comprometer todos os dias». 1
A situação de desigualdade e as assimetrias regionais afetam o acesso à saúde da mulher, nomeadamente: rastreios, em particular os oncológicos, consultas e cirurgias, exames de vigilância e preservação da fertilidade, proteção da gravidez, parto e pós-parto, IVG e patologias oncológicas.
O acesso universal a cuidados de saúde respeitando a condição específica da mulher é também garantia de defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, e indissociável do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com capacidade de plena resposta.
Atendendo às várias vertentes da saúde da mulher, o presente projeto aborda algumas das principais dimensões da sua saúde, nomeadamente a sexual e reprodutiva, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde que inclui a menopausa no ciclo reprodutivo da mulher.
O progresso que a ciência e a medicina proporcionam tornou possível separar o ato sexual da função reprodutora.
Todas as pessoas têm o direito a uma vida sexual saudável, segura, consensual e plena, ao longo de todo o seu ciclo de vida, com a possibilidade de decidir de forma livre constituir ou não família, na defesa de uma maternidade feliz e responsável e por uma sexualidade plena e sem medos, assim como o acesso ao planeamento familiar e à escolha ao processo de contraceção.
A saúde sexual e reprodutiva é responsável por um terço dos problemas de saúde das mulheres entre as idades de 15 a 44 anos 2. A oferta de cuidados de saúde de qualidade na área da contraceção e a informação adequada são fundamentais para que as mulheres possam viver a sua vida sexual de forma satisfatória, sem contraírem doenças sexualmente transmissíveis ou estarem sujeitas a gravidezes não desejadas.
O acesso à consulta de Planeamento Familiar está previsto funcionar nos cuidados de saúde primários, onde os diversos métodos anticoncecionais devem ser avaliados e, a sua escolha deve caber à mulher desde que não existam contraindicações clínicas. Mas o facto é que a saúde de proximidade com a comunidade tem sido negligenciada.
O início precoce da atividade sexual e o uso desadequado dos métodos contracetivos são comportamentos que caracterizam a desinformação dos jovens no que respeita à sexualidade e que, entre outras causas, contribuem para que sejam considerados um grupo de risco no que diz respeito à ocorrência de uma gravidez não desejada e à transmissão de infeções sexualmente transmissíveis.
Entre os jovens ainda há muito desconhecimento: 40% desconhece a diversidade de contracetivos disponíveis; 20% não conhece a contraceção de emergência; 90% dos adolescentes não vão a consultas de planeamento familiar; 30% não tem acesso a ações de educação sexual.
A educação sexual tem sido negligenciada e está longe de responder aos seus objetivos. São atribuídas escassas horas por ano, é muito direcionada para educação para a saúde, em detrimento de outras dimensões da sexualidade, nomeadamente no que diz respeito ao comportamento cívico e ao respeito pelo outro.
É fundamental uma educação sexual que altere e consolide comportamentos assente na promoção da igualdade de direitos entre mulheres e homens, na recusa da violência sexual, num plano mais abrangente de relação e comunicação afetiva, de respeito e conhecimento sobre o seu corpo. Uma educação sexual transversal e interdisciplinar que ao invés de isolada e hermética, se integre no conteúdo de cada disciplina.
As adolescentes com atraso de desenvolvimento não têm acesso a informação e aconselhamento de um método contracetivos adequado aos seus níveis de compreensão, à sua autonomia, à patologia associada e medicação concomitante e também ao meio ambiente em que estão inseridas.
A efetivação da educação sexual e da Lei nº 120/99, de 11 de agosto, que reforça as garantias do direito à saúde reprodutiva, bem como a formação e sensibilização dos profissionais de saúde são elementos fundamentais para o combate às discriminações em função da orientação e identidade sexual.
Nesse sentido, urge cumprir a Lei 38/2018, de 7 de agosto, que garante o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa, assegurando a quem o solicitar, a existência e o acesso a serviços de referência ou unidades especializadas no Serviço Nacional de Saúde, designadamente para tratamentos e intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza, destinadas a fazer corresponder o corpo à sua identidade de género, dando também resposta, no SNS, às necessidades psicológicas que acompanham os processos transicionais.
As mulheres enfrentam problemas de saúde decorrentes quer da falta de profissionais de saúde, quer pela dificuldade no acesso aos cuidados de saúde primários. Os médicos estão limitados a tempos de consulta reduzidos, que tornam impossível uma informação cuidada sobre os sintomas, queixas ou dúvidas que a mulher possa ter, comprometendo a relação entre médico e utente.
O desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde da responsabilidade de sucessivos governos, reflete-se nas debilidades, obstáculos e retrocessos no acesso à saúde sexual e reprodutiva da mulher, fragilizando o seu insubstituível papel na prestação de cuidados de saúde.
Importa, ainda recordar que o relatório do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, da Direção-Geral da Saúde (2022) aponta a necessidade de “melhorar os sistemas de informação que suportam as atividades de rastreio”, sublinhando a importância da partilha de informação entre os sistemas de monitorização dos rastreios e o Registo Oncológico Nacional para que se tenha “uma visão completa de todo o processo”. Nesse relatório sublinha-se igualmente a necessidade de investir em campanhas de informação e divulgação para aumentar a adesão da população aos rastreios: “A publicação das novas normas para os rastreios oncológicos de base populacional poderão ajudar a aumentar a taxa de cobertura populacional, nomeadamente no que diz respeito às novas metodologias de convite para rastreio” no caso do cancro do colo do útero.
Portugal tem três rastreios oncológicos de base populacional - para o cancro da mama, o cancro do colo do útero e o cancro do cólon e reto. Estes programas encontram-se em fases diferentes de maturidade, com assimetrias na sua abrangência territorial e populacional.
Quanto ao cancro do ovário, o tratamento de manutenção de primeira linha, que atualmente só é disponibilizado apenas a mulheres com determinadas mutações genéticas deve contemplar todas as mulheres com cancro do ovário e com resposta à quimioterapia (única condição), aumentando a sobrevivência e reduzindo a probabilidade de reincidência do cancro.
Como referido pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia, a Endometriose e Adenomiose são doenças crónicas e recorrentes, sem tratamento curativo, que tem um acentuado impacto na saúde física e mental da mulher, afetando a vida laboral, familiar e social e, consequentemente, a sua qualidade de vida, estimando-se que afete cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva, necessitando como tal de proteção a nível laboral.
O cumprimento da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) no Serviço Nacional de Saúde não é uniforme. Existem hospitais do SNS que recusam as consultas de IVG, alegando objeção de consciência de todos os seus médicos obstetras e ginecologistas. É fundamental que os serviços públicos de saúde se organizem para o cumprimento da lei, garantindo uma resposta em tempo útil.
Face ao exposto, o PCP apresenta este projeto de resolução, para que o acesso à saúde sexual e reprodutiva seja uma realidade para todas as mulheres.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo a adoção de medidas para reforçar a resposta do Serviço Nacional de Saúde no que respeita à saúde sexual e reprodutiva da mulher, designadamente:
- Reforçar os programas e campanhas de informação e sensibilização dos jovens e das mulheres, sobre os direitos na saúde sexual e reprodutiva;
- Promover ações de sensibilização e formação junto dos profissionais de saúde na área da saúde sexual e reprodutiva, com especial enfoque nos cuidados de saúde primários;
- Reforçar os conteúdos curriculares, em especial nos cursos na área da saúde, a área da saúde sexual e reprodutiva da mulher, sem desvalorizar nenhuma fase do seu ciclo, promovendo um maior conhecimento na identificação e aconselhamento sobre cuidados e terapêuticas adequadas às várias etapas da vida de mulher, desde a menarca à menopausa;
- Garantir a cobertura em todo o território, de consultas de planeamento familiar que incluam especificamente, entre outras:
- a informação dos métodos contracetivos mais inovadores, assim como o adequado aconselhamento para uma opção contracetiva individualizada e segura;
- as questões da reprodução, preparação para o parto, para a maternidade e paternidade e a infertilidade;
- Assegurar o pleno acesso à prevenção, informação, rastreio e tratamento das infeções sexualmente transmissíveis, incluindo a cidadãs imigrantes, garantindo que os atrasos nos seus processos de regularização não impedem o seu acesso à saúde;
- Assegurar todas as condições materiais e humanas para o cumprimento efetivo da Lei da Educação Sexual em todas as escolas do ensino básico e secundário;
- Concretizar uma efetiva educação para a sexualidade, dando especial atenção às populações mais jovens, com disponibilização dos meios necessários nos cuidados de saúde primários, em articulação com as escolas públicas e as famílias, orientada para o desenvolvimento saudável da sexualidade;
- Imprimir uma atenção especial, na área da saúde sexual e reprodutiva, às adolescentes no acesso a informação sobre a menstruação, métodos contracetivos eficazes e seguros, que previnem as infeções sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada;
- Garantir o acompanhamento das pessoas transgénero, atendendo às suas necessidades específicas de saúde, aplicando a legislação em vigor e procedendo ao efetivo alargamento da rede das unidades especializadas no SNS, com capacidade de oferecer uma resposta multidisciplinar;
- Tomar as medidas para dar cumprimento integral da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez no Serviço Nacional de Saúde;
- Definir uma estratégia de resposta à endometriose e adenomiose, que considere a:
- Definição de um regime específico de proteção laboral das pacientes a quem é diagnosticado um quadro de endometriose e/ou adenomiose a que se associa sintomatologia periodicamente incapacitante;
- Dinamização de uma campanha informativa sobre a doença, suas repercussões e tratamento e apoios disponíveis;
- Criação de um programa de recolha e criopreservação de ovócitos através do Serviço Nacional de Saúde, para salvaguardar a fertilidade das pacientes;
- Ampliar a informação às mulheres relativamente ao cancro da mama e do útero, alargando a proximidade dos rastreios às mulheres em todo o território;
- Tomar medidas de reforço da prestação de cuidados para todas as mulheres com cancro do ovário, para que possam aceder à terapêutica de primeira linha, desde que tenham resposta à quimioterapia;
- Criar um regime de comparticipação de suplementos e terapêuticas não-farmacológicas e farmacológicas, quando prescritos por médico;
- Criar consultas de medicina geral e familiar de peri-menopausa visando informar e ajudar as mulheres que se encontrem nesta fase da sua vida, para um melhor entendimento das suas necessidades de saúde, os riscos associados e as estratégias para gerir os sintomas e promover qualidade de vida, além do encaminhamento, para uma abordagem multidisciplinar, numa consulta de especialidade de acordo com as suas necessidades;
- Dinamizar campanhas dirigidas às jovens e às mulheres adultas sobre as várias fases do seu ciclo sexual e reprodutivo - desde a menarca à menopausa - informando sobre as alterações fisiológicas, hormonais e psicológicas inerentes, estimulando a discussão sobre estes temas e sintomas junto do médico e do enfermeiro de família.
Notas
(1) 2019:Jornal Médico de Família, n.º 14 • V Edição; APMGF↲
(2) 2019:Jornal Médico de Família, n.º 14 • V Edição; APMGF↲