O anterior Governo PSD/CDS impôs por todo o país processos de fusão e concentração de unidades hospitalares que colocam em causa a qualidade dos serviços e a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde. A coberto de uma pretensa utilização mais eficiente dos recursos disponíveis e de uma gestão integrada e racional da rede pública de unidades hospitalares, o real objetivo do anterior Governo era a criação de condições para transferir para os privados cada vez mais serviços de prestação de cuidados de saúde e ainda a redução da despesa com o Serviço Nacional de Saúde imposta no âmbito do Memorando da Troica, assinado em maio de 2011 por PS, PSD e CDS.
A política de fusão e concentração de unidades hospitalares inseriu-se num quadro mais vasto de ataque ao Serviço Nacional de Saúde levado a cabo por sucessivos governos da política de direita, marcado por um processo de degradação da oferta pública de cuidados de saúde, encerramento de serviços de proximidade, racionamento de meios, desvalorização social e profissional dos profissionais de saúde, alargamento e aumento das taxas moderadoras, diminuição dos apoios ao transporte de doentes não urgentes, crescentes dificuldades no acesso aos medicamentos e aumento dos apoios aos grupos privados que operam no setor da saúde.
Deste modo, dava-se corpo a uma opção política, ideológica e programática – e não uma opção meramente conjuntural ditada pela crise – de criação de um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desqualificado e degradado, centrado na prestação de um conjunto mínimo de cuidados de saúde, para os cidadãos mais pobres, e um outro, centrado nos seguros privados de saúde e na prestação de cuidados por unidades de saúde privadas, para os cidadãos mais favorecidos.
Só a luta das populações e dos profissionais de saúde é que conseguiu travar a plena concretização deste plano de destruição de uma das mais importantes conquistas da Revolução de Abril: o direito à proteção da saúde através de um serviço nacional de saúde universal e gratuito.
Em julho de 2013, o anterior Governo PSD/CDS desferiu um rude golpe contra os cuidados de saúde públicos na região algarvia ao criar o Centro Hospitalar do Algarve por fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (hospitais de Portimão e Lagos). Esta decisão, que não assentou em critérios clínicos, de acessibilidade dos utentes à saúde ou de qualidade do serviço, ocorreu à margem e em confronto com as populações, os profissionais de saúde e as entidades locais.
As caraterísticas demográficas e socioeconómicas da população residente no Algarve e as dificuldades nas deslocações dos utentes dos serviços de saúde desaconselhavam vivamente a fusão dos atuais hospitais num único centro hospitalar para toda a região algarvia.
De acordo com os Censos de 2001 e 2011, a população residente no Algarve passou de 395 mil para 451 mil, registando a maior taxa de crescimento populacional nacional. Contudo, o aumento global da população no Algarve foi acompanhado por um declínio populacional em praticamente todas as freguesias do interior serrano, do nordeste algarvio e da costa vicentina, agravado pelo aumento significativo da população mais idosa. O envelhecimento acentuado da população – com particular incidência nas freguesias do interior serrano – representa um dos fenómenos demográficos mais preocupantes na região algarvia, aconselhando o desenvolvimento da prestação dos cuidados de saúde de proximidade geográfica e não a concentração em megaestruturas.
A introdução de portagens na Via do Infante, o abandono de parte das obras de requalificação da EN 125 e o atraso na conclusão das restantes obras deste eixo rodoviário, o adiamento sine die da construção do IC 4 e do IC 27, e a deficiente rede de transportes públicos regionais colocam sérios entraves à mobilidade na região algarvia, dificultando as deslocações dos utentes aos hospitais regionais. Tal constrangimento é agravado com a concentração de serviços e valências, exigindo aos doentes penosas deslocações.
O anterior Governo PSD/CDS, num exercício de mera propaganda, destinado a tentar convencer os algarvios da “bondade” da sua opção de criar um único centro hospitalar para toda a região, repetiu até à exaustão que da criação do Centro Hospitalar do Algarve não resultaria o encerramento de qualquer serviço ou valência nos hospitais de Faro, Portimão e Lagos. Contudo, a realidade veio desmentir a propaganda do Governo. Desde a criação do Centro Hospitalar do Algarve aumentou a degradação dos cuidados de saúde prestados em diversas valências, preparando o terreno para a futura desativação – definitiva – dessas valências. No Hospital de Portimão, a falta de médicos pediatras e obstetras coloca em risco a continuação da Maternidade, como o próprio Governo reconheceu na resposta a uma pergunta do Grupo Parlamentar do PCP de julho de 2014. No Hospital de Faro, o serviço de Ortopedia perdeu 8 médicos desde 2013, levando a que o número de horas de utilização do bloco operatório tenha diminuído drasticamente. O Serviço de Urgência funciona com apenas um ou dois ortopedistas, forçando à transferência de doentes com patologia cirúrgica para o Hospital de Santa Maria em Lisboa. Também os serviços de Cirurgia e de Anestesia, por falta de médicos especialistas, não conseguem dar uma resposta adequada às necessidades. Recentemente um doente algarvio com um acidente vascular cerebral isquémico teve de ser transferido para Lisboa e daí para Coimbra por falta de serviço de neurorradiologia no Centro Hospitalar do Algarve.
Os hospitais de Faro, Portimão e Lagos apresentam uma elevada carência de recursos humanos, que compromete a prestação dos cuidados de saúde na região. De acordo com dados a ARS do Algarve, referentes a março de 2015, faltavam 304 profissionais de saúde no Centro Hospitalar do Algarve (121 médicos, 22 enfermeiros, 7 técnicos superiores, 15 técnicos de diagnóstico e terapêutica, 73 assistentes técnicos e 66 assistentes operacionais).
A carência de profissionais de saúde tem sérias implicações ao nível das consultas externas e das intervenções cirúrgicas. De 2013 (ano da criação do Centro Hospitalar do Algarve) para 2014, as consultas externas caíram de 310.829 para 299.987 e as intervenções cirúrgicas (programadas e urgentes) caíram de 18.791 para 14.037. Os tempos médios de espera até à realização da primeira consulta externas de especialidade nos hospitais algarvios são, em algumas especialidades, elevadíssimos. No Hospital de Faro: 663 dias em Neurocirurgia, 789 dias em Oftalmologia, 699 dias em Ortopedia e 428 dias em Reumatologia; no Hospital de Portimão: 768 dias em Urologia, 295 dias em Oftalmologia e 230 em Neurologia.
A criação do Centro Hospitalar do Algarve contribuiu para agravar a dificuldade de atração de médicos para os hospitais da região, já que os médicos são forçados a prestar serviço em qualquer um dos hospitais integrados neste centro, chegando, inclusivamente, a ter de se deslocar diariamente entre o Hospital de Faro e o Hospital de Portimão. Se tivermos em conta as distâncias entre estes hospitais (66 km), facilmente se compreende que a criação do Centro Hospitalar do Algarve e a mobilidade forçada dos seus médicos constitui um fator que influencia muito negativamente a capacidade de atração de novos médicos para os hospitais da região e de fixação dos atuais. Acresce ainda que a desvalorização social e profissional dos médicos (cortes nos salários, destruição das carreiras e dos direitos laborais, agravamento das condições de trabalho, aumento da carga horária, da precariedade e da instabilidade), tem tido como consequência uma sangria de recursos humanos qualificados do setor público para o setor privado, colocando em risco a continuação de vários serviços e valências do Centro Hospitalar do Algarve.
O argumento recorrentemente utilizado para justificar a concentração de unidades hospitalares é o da “sustentabilidade económico-financeira”. Contudo, se existe uma situação económica e financeira desfavorável nos hospitais algarvios, esta deve-se principalmente aos sucessivos anos de subfinanciamento crónico das unidades hospitalares e à política de desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde levada a cabo por sucessivos governos.
A concentração das unidades hospitalares algarvias num único centro hospitalar, imposta pelo anterior Governo PSD/CDS, não serve o interesse dos algarvios e do Algarve, apenas beneficia as entidades privadas prestadoras de cuidados de saúde da região. Não deixa de ser extremamente revelador o facto de a multiplicação da oferta de serviços de saúde privados na região algarvia ocorrer em paralelo e em consequência da degradação dos cuidados de saúde prestados nos hospitais públicos algarvios.
Nos últimos anos, em consequência da criação do Centro Hospitalar do Algarve e da política de ataque ao Serviço Nacional de Saúde, assistiu-se a uma acelerada degradação dos cuidados de saúde prestados na região, denunciada por utentes e profissionais de saúde.
Têm-se sucedido diversas manifestações, convocadas por comissões de utentes, denunciando a degradação dos cuidados de saúde prestados nos hospitais do Centro Hospitalar do Algarve.
Em janeiro de 2014, cerca de 200 médicos assistentes hospitalares do Centro Hospitalar do Algarve dirigiram uma carta ao Presidente do Conselho de Administração, onde manifestaram a sua preocupação relativamente à degradação dos cuidados de saúde prestados à população algarvia, que se traduzia, em particular, no adiamento de cirurgias programadas, na falta de material cirúrgico, nos atrasos na realização de exames complementares, na falta de medicamentos (para doentes oncológicos e com doenças autoimunes, por exemplo), e na falta de material de uso corrente (como seringas, agulhas, luvas e fraldas).
Em fevereiro de 2014, deu entrada na Assembleia da República, a Petição n.º 335/XII/3ª “Defender o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (CHBA) e manter todos os serviços de especialidades, recursos humanos e materiais no Hospital de Portimão”, promovida por esta Comissão de Utentes dos Serviços de Saúde de Portimão, contando com quase 7.000 subscritores.
Desde o primeiro momento que o PCP rejeitou a opção do anterior Governo PSD/CDS de fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio num único centro hospitalar, tendo apresentado em julho de 2013 o Projeto de Resolução n.º 789/XII/2.ª “Contra a criação do Centro Hospitalar do Algarve e em defesa da melhoria dos cuidados de saúde na região algarvia” e em fevereiro de 2014 o Projeto de Resolução n.º 973/XII/3.ª “Contra a fusão dos hospitais de Faro, Portimão e Lagos num único centro hospitalar, pela melhoria dos cuidados de saúde na região algarvia”, ambos chumbados por PSD e CDS.
Dois anos e meio depois da criação do Centro Hospitalar do Algarve, o PCP, tendo em conta o processo de acelerada degradação dos cuidados de saúde prestados nos hospitais algarvios e interpretando o sentir profundo das populações e dos profissionais de saúde, vem novamente propor o fim deste centro hospitalar e defender que, em simultâneo, se desencadeie um processo de planeamento e organização dos serviços públicos de saúde – onde se inclua a construção do há muito prometido Hospital Central do Algarve –, articulando os cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados, envolvendo a comunidade local, os utentes, os profissionais de saúde e as autarquias no processo de definição das soluções, face às necessidades da população, e dotando as unidades de saúde públicas dos meios e recursos humanos adequados para garantir uma resposta de qualidade e eficaz do Serviço Nacional de Saúde aos utentes do Algarve.
Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1. Reverta o processo de fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio no Centro Hospitalar do Algarve, mantendo todos os serviços e valências nos hospitais de Faro, Portimão e Lagos.
2. Dote as unidades hospitalares algarvias de recursos humanos, materiais e financeiros adequados à prestação de cuidados de saúde de qualidade.
3. Faça o levantamento das necessidades de cuidados de saúde da população do Algarve, com vista à apresentação de um plano integrado da reorganização dos serviços públicos de saúde, ao nível dos cuidados primários de saúde, cuidados hospitalares e cuidados continuados integrados, envolvendo na sua definição os contributos dos utentes, dos profissionais de saúde e das autarquias.
Assembleia da República, em 7 de janeiro de 2016