Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Sessão Pública «Resgatar o serviço público postal controle público dos CTT»

«Resgatar o serviço público postal: controle público dos CTT»

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Aqui estamos a discutir o Serviço Postal Público. Desde já queremos agradecer os vossos diversificados e importantes contributos, que são tão úteis para a actualização da apreciação que desde há muito fazemos e que decorre dos muitos contactos com as estruturas representativas dos trabalhadores e com as populações que são servidas pelos CTT.

A pergunta que novamente se impõe é como é que o Estado se dá ao desplante de entregar, de mão beijada a interesses particulares, um serviço e uma empresa que não só é estratégica como assume um papel na garantia da unidade nacional e territorial.

Aqui chegados é obrigatório fazer o balanço de mais um crime económico que foi e é a privatização dos CTT e a liberalização dos Correios.

Podemos apontar duas razões fundamentais para a importância de fazermos este balanço: os próprios CTT e o serviço público postal, que são um serviço estratégico para o País; e os processos de liberalizações e privatizações, que se vai alastrando para cada vez mais sectores da vida nacional, para os quais se encontram sempre desculpas e as chamadas vantagens da sua concretização. Depois, na prática, tal como revela o caso dos CTT, prometem mundos e fundos mas depois é o que se sabe: nem mundos nem fundos, ataques aos direitos de quem trabalha, nenhuma consideração pelo serviço publico, desrespeito pelos utentes do serviço.

Numa questão e noutra é a luta que vai determinar o futuro.

Ora, como esta iniciativa demonstrou de forma evidente, este processo de liberalização e privatização é um desastre, prejudicou os trabalhadores do sector, prejudicou os utentes do serviço público postal, prejudicou a economia nacional e até prejudicou o Estado financeiramente. 

E tanto prejuízo para quê? Para que ganhassem os mesmos de sempre: ganhou o Grupo Champalimaud, ganharam os restantes accionistas dos CTT e ganhou o projecto federal da União Europeia que promove a destruição de todos os instrumentos nacionais de soberania.

Fizeram o pleno, ganharam todos menos quem mais interessa, o País, os trabalhadores e os utentes.

Sim, a liberalização e a privatização dos CTT foram um desastre para os utentes. Os preços dispararam mais de 70% desde a privatização, o correio deixou de ser distribuído numa base diária e deixou de ser confiável, são dias, às vezes semanas, para receber uma carta, são os avisos que são deitados na caixa de correio sem qualquer contacto, são as centenas de estações e postos dos CTT encerrados, as filas infindáveis para receber a reforma ou comprar um selo. Os CTT privatizados conseguiram falhar em todas as normas de qualidade e fiabilidade, e a reacção do Governo perante este desastre foi a de retirar poderes à Anacom, não fosse esta cumprir o papel que tinha e exercê-lo, para tornar menos eficaz a penalização de tão mau serviço.

E que dizer das consequências da privatização para os trabalhadores dos CTT, e da liberalização para os trabalhadores do sector? 

Aí foi um desastre igual ou ainda maior. Nos CTT faltam trabalhadores operacionais em todo o País.

Os Centros de Distribuição Postal são encerrados e os giros são alargados, corta-se no fardamento e na segurança no trabalho. 

Os trabalhadores que não têm as condições físicas para efectuar todas as duras tarefas associadas ao serviço postal passaram a ser perseguidos. 

O valor dos salários nos CTT baixa a cada ano, sendo exemplo este ano em que, com quase 10% de inflação, a empresa se recusa a um aumento intercalar. 

O salário de entrada é já tão baixo que afasta muitos trabalhadores de uma profissão que é desgastante e fisicamente exigente.

E no sector, nas novas empresas fruto da liberalização, qual é a realidade? 

É a precariedade, a subcontratação, os baixos salários e a exploração.

Em vez de uma empresa pública que empregava um grande número de trabalhadores, lhes garantia estabilidade para desenvolver a sua vida e a sua família, passámos a ter o mesmo número de trabalhadores mas sobre uma muito maior exploração para criar o lucro de alguns. 

Para agravar, com a privatização, o Estado viu desaparecer os muitos milhões de lucro que os CTT lhe entregava a cada ano. Sim, porque os CTT eram uma empresa pública com lucros e que pagava dividendos ao Estado. Uma empresa pública com lucros? Assim se percebe o apetite e tanta e tanta manobra para lhe pôr a mão.

E repare-se na suprema das ironias. Graças ao novo contrato de concessão assinado pelo Governo do PS, ainda corremos o risco de, todos nós, virmos a começar a pagar por um serviço que antes, sendo melhor prestado, lhe dava lucro. 

Mas há pior. A gestão privada está a delapidar o património dos CTT – vendeu a maioria dos seus edifícios históricos, libertou-se de dezenas de Centros Distribuição Postal em locais estratégicos e, como se não bastasse, está a colocar em operações financeiras o resto do património. Rapidamente o património imobiliário necessário à prestação do serviço público postal deixará de existir e o Estado acabará por ser chamado a reconstruir essa rede. E perante a liquidação deste património, quando o PCP questionou o Governo, este afirmou do alto da sua sobranceria que nada tinha a ver com o assunto. O património é delapidado, os resultados vão direitinhos para os accionistas dos CTT, o Estado é lesado e o Governo nada tem a ver com tudo isto.

Está bom de ver o grau de cumplicidade do Governo para com os interesses do Grupo Champalimaud.

Assim se explica que, como também aqui hoje foi lembrado, a privatização não tenha sido um desastre para todos. Nem tudo se perdeu e principalmente não perderam todos. 

O Grupo Champalimaud está a construir um Banco à custa dos CTT. 

Os accionistas dos CTT, o grupo citado e uns quantos fundos especulativos internacionais, têm retirado um bom dividendo. 

E a União Europeia está mais próxima de liquidar mais este instrumento de soberania, pois está mais próxima de destruir os CTT e os substituir por multinacionais. Para eles tudo, para os seus interesses passadeira vermelha, é para satisfazer este conjunto de interesses mesquinhos que os utentes, os trabalhadores e o País sofrem com o desastre da privatização dos CTT. 

Perante tudo isto, perante este crime económico e social, perante este ajoelhar aos grandes interesses, não nos conformamos. 

Da nossa parte só podem contar com a continuação da luta e de propostas em defesa do serviço postal público e pelo controlo público sobre os CTT.

Alguns dirão: «mas como? Não há força para tal!» Outros recordarão que mesmo quando teve todas as condições políticas para tal, entre 2015 e 2019, o PS no Governo se recusou a avançar com a retomada do controlo público dos CTT, apesar das sucessivas propostas do PCP. O que é verdade.

Mal de um povo que não encontre vontades e forças suficientes para impor soluções e caminhos que correspondam aos seus direitos, interesses e anseios.

A retoma do controlo público dos CTT não é uma teimosia do PCP, é uma necessidade dos seus trabalhadores, dos seus utentes, é uma necessidade do País. O PCP não está só neste objectivo, cada vez há mais gente a identificar esta necessidade.

A retoma do controlo público dos CTT e a reversão da liberalização do sector é uma necessidade objectiva, pois é a única forma de garantir um serviço público postal universal, nacional, de qualidade, fiável, capaz de criar emprego digno, que contribua para o reforço da coesão territorial e para reduzir o peso da interioridade e seja agente da dinamização social e económica do País. 

E porque resulta das suas necessidades objectivas, essa conquista será concretizada pela acção organizada dos trabalhadores e do povo. Com o PCP, claro, mas pela acção organizada dos trabalhadores e do povo.

A realidade está, como sempre, a impor-se. A cada dia que passa ganha mais urgência a retoma do controlo público dos CTT. A bem dos trabalhadores, a bem dos utentes, a bem do próprio País.
O projecto-lei que apresentaremos – uma vez mais - nos próximos dias, para a retoma do controlo público dos CTT, é mais um instrumento e uma solução para este problema que enfrentamos.

O nosso projecto tem tanto de simplicidade como de profundidade. É simples porque coloca como objectivos centrais a retoma do controlo público dos CTT, a valorização do serviço postal, a garantia dos direitos dos trabalhadores e dos utentes e a garantia da coesão territorial do País. 

É profundo, porque retira das mãos do Capital a possibilidade de continuar a destruir este que é um serviço estratégico. 

Veremos como votarão desta vez os partidos que rejeitaram todos os outros 6 projectos-lei que apresentámos neste sentido, sendo que é claro que cada voto contra a nossa proposta é um voto a favor no actual caminho de desastre. Veremos como votará o PS que, sozinho ou acompanhado por PSD, IL e Chega, rejeitou as mais de 400 propostas de alteração que apresentámos a este Orçamento do Estado.

Apresentamos e apresentaremos propostas, vamos bater-nos, com as forças que temos também no plano institucional, para levar por diante este combate, não desperdiçaremos nenhuma oportunidade para inverter o rumo da política de direita que tanto tem lesado os trabalhadores, as populações e o Estado.

Esta é uma batalha de todos, dos trabalhadores, dos utentes, mas também dos democratas e patriotas. Esta é uma luta que vale a pena e para a qual apelamos.

Os CTT são para servir ao povo, o Grupo Champalimaud serve-se dos CTT e por essa via serve-se do povo. Apenas uma minoria lucra com este caminho, lucra com a liberalização dos Correios e com a privatização dos CTT.

Os trabalhadores e as populações não fazem parte dessa pequena minoria que lucra, fazem parte da imensa maioria que paga. 

A única solução que se apresenta a todos e a cada um é a de se organizar e exigir o que é seu por direito. 

Muito se tem feito e que valorizamos, lutas importantes que se têm desenvolvido.

Lutas dos trabalhadores como as que assistimos há poucos meses, com várias acções em Agosto e Setembro por todo o País, que levaram às capitais de distrito e às regiões autónomas as suas reivindicações, por melhores condições laborais, aumentos salariais, vínculos efectivos.

Lutas como aquelas que vemos de norte a sul do País, dos utentes, das populações que se manifestam contra a degradação do serviço, o encerramento de estações e postos, com particular incidência no Interior do País, mas também nas grandes áreas metropolitanas, que privam milhares de pessoas de serviços nas suas freguesias.

Estas lutas, estes processos são sinal de esperança e de confiança. A força de quem quer pôr a mão nisto tudo é muita, mas deste lado também há força bastante para lhes travar o apetite.
Este é um processo para continuar, que terá, como não podia deixar de ser, altos e baixos, mas que é uma luta para vencer.

Não estamos a tratar apenas dos CTT, estamos a falar em travar um processo que se insere num conjunto de várias outras privatizações que vão delapidando o Estado das suas empresas públicas, que vão enfraquecendo os serviços públicos que este presta e assim vão ameaçando os direitos das populações.

Por vontade da maioria e dos seus aliados de sempre nestas matérias, esta onda privatizadora promete não ficar por aqui. 

O caso dos CTT demonstra de forma clara e crua a quem serve o discurso de que o Estado não sabe gerir. E demonstra também que interesses cada um serve.

Há quem, em nome desses interesses, não tenha escrúpulos e use tudo o que venha à mão para pôr em causa o que se conquistou desde o 25 de Abril. Tantas conquistas e tão profundas que a política de direita ainda não conseguiu destruir, quase 50 anos após a Revolução.

Aí está um novo processo de revisão constitucional que o Grupo Champalimaud e outros que tais, a partir dos seus instrumentos políticos, abriram para fazer mais uma tentativa nessa direcção.

Passo a passo, querem recuperar tudo o que perderam. Passo a passo, querem ajustar contas com os trabalhadores e o povo. Nunca perdoarão a alegria nos rostos de milhões, nunca perdoarão os direitos consagrados, nunca perdoarão a colocação das empresas e sectores estratégicos ao serviço de todos e não apenas de alguns.

O que se exige é o cumprimento, na vida de todos os dias, do texto constitucional e não novas revisões, ainda para mais a reboque de quem, se pudesse, queimava a Constituição.

Tudo faremos para reforçar, valorizar, alargar e garantir os direitos plasmados na Constituição, sempre numa perspectiva de progresso social. 

De uma coisa podem estar certos. Aqueles que, a pretexto de crises, troikas, pandemias, guerras, usam a chantagem, a mentira, a manipulação e a especulação para fazer aumentar os lucros dos grandes grupos económicos à custa dos sacrifícios da maioria da população, podem contar connosco para não arredar pé dos interesses dos trabalhadores e do povo.

Não arredamos pé da luta, dos direitos, da defesa dos serviços públicos e das funções sociais do Estado.

Não arredamos pé do aumento dos salários e da valorização das reformas.

Não arredamos pé da defesa do controlo dos preços de bens essenciais e da tributação extraordinária dos lucros dos grupos económicos.

Não arredamos pé da promoção da produção nacional e da soberania do País.

Não arredamos pé do progresso e da melhoria das condições de vida.

Não arredamos pé do controlo publico dos CTT.

A luta continua.

Contamos convosco, podem continuar a contar com o PCP.

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