Projecto de Lei N.º 509/XV/1.ª

Estabelece o Regime de Recuperação do Controlo Público dos CTT

Exposição de Motivos

O Serviço Postal Público continua a degradar-se desde o início do processo de privatização dos CTT. É incessante o aumento das queixas e das reclamações, bem como a degradação do serviço.

O Governo – por obstinação ideológica ou vergado aos interesses dos accionistas dos CTT – tem sido cúmplice dessa degradação, chegando inclusivamente, na renovação da concessão do Serviço Público Postal aos CTT, a retirar poderes de fiscalização e regulação à ANACOM, e a degradar ainda mais as exigências de qualidade e fiabilidade do serviço público.

É significativo que dos 22 indicadores de qualidade do serviço público, medidos pelos próprios CTT, no mês de Setembro de 2022, um total de 21 sejam inferiores aos valores mínimos assumidos pelos próprios CTT. Por exemplo, só 84,5% do correio normal é entregue antes de dois dias (D+2), quando os CTT já garantiram uma percentagem superior de correio entregue antes de um dia. A situação é particularmente grave nos Açores e Madeira, e na entrega de publicações e revistas.

A realidade é ainda pior que a expressa por estes indicadores internos, mas até estes reflectem bem a dramática realidade a que o serviço postal tem sido conduzido. Mas se o serviço público está profundamente degradado, a empresa não está de melhor saúde.

Os baixos salários, a degradação das condições laborais, a precariedade e a penosidade do trabalho têm afastado trabalhadores da empresa. A Administração queixa-se que não consegue contratar, mas devia antes reconhecer que não consegue contratar pelo preço baixo que está disposta a pagar e nas condições degradadas que oferece. Os grandes salários estão reservados para a Administração (e para alguns quadros que lhe sejam particularmente próximos).

A Administração tem subestimado e desvalorizado sempre o negócio tradicional (Correio, Vales e afins), mas este continua a representar 75% do EBIT recorrente. A grande aposta e preocupação da Administração tem sido o Banco CTT, que continua deficitário, e continua a multiplicar aquisições e investimentos que podem colocar em causa todo o Grupo CTT.

O próprio património dos CTT está a ser delapidado e transformado em dividendos. A empresa começa a não ter património suficiente para assegurar a prestação do serviço público postal (que recordamos, exige uma rede de Centros de Distribuição Postal nacional, bem como uma rede de Estações e Postos), e o Governo considera – em resposta escrita a este Grupo Parlamentar – que tal não merece qualquer preocupação.

Desde a privatização, os CTT têm-se descapitalizado, perderam valor e património, sofreram de uma agressiva distribuição de dividendos acima dos lucros, têm uma política de aquisições de mais que duvidosa transparência e utilidade. É uma empresa multicentenária que está a ser destruída para tentar criar mais um Banco.

A renacionalização dos CTT é uma questão incontornável. A alternativa é o fim do serviço público postal. Essa renacionalização terá tantos mais custos para o país quanto mais tarde se realizar.

Os Correios são um instrumento insubstituível para a coesão social, económica e territorial devendo contribuir, decisivamente, para o desenvolvimento harmonioso do país. Em vez de serem uma empresa para garantir lucros e dividendos aos seus acionistas, como tem sido a lógica dos seus donos atuais, os CTT-Correios devem prestar um Serviço Público de qualidade e sem discriminações. Devem estar, efetivamente, ao serviço do país e das populações, da economia nacional e do desenvolvimento, com uma gestão económico-financeira equilibrada que invista na inovação tecnológica com vista à melhoria das condições trabalho e da qualidade do serviço que presta.

A recuperação do controlo público dos CTT é um objetivo cuja concretização deve envolver a ponderação de diversas opções que vão desde a nacionalização, passando pela aquisição, até à negociação com os acionistas dos CTT e outras formas que o possam assegurar.

O PCP reafirma: é um imperativo nacional, de soberania, coesão territorial e justiça social, que se inicie o processo de recuperação do controlo e gestão do serviço postal universal por parte do Estado, através da reversão da privatização dos CTT – Correios de Portugal.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei.

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

  1. A presente lei estabelece o regime de recuperação do controlo público da empresa CTT – Correios de Portugal, S.A., doravante designada CTT, por motivo de salvaguarda do interesse público.
  2. A recuperação do controlo público referida no número anterior compreende todas as áreas de atividade desenvolvida pela empresa e deve ser realizada de forma a assegurar a continuidade dos serviços prestados, a manutenção dos postos de trabalho e a aplicação a todos os trabalhadores da contratação coletiva vigente, até substituição por outra livremente negociada entre as partes.

Artigo 2.º

Recuperação do Controlo Público

Para os efeitos previstos na presente lei, considera-se recuperação do controlo público a recuperação integral pelo Estado da propriedade dos CTT, independentemente da forma jurídica que venha a assumir.

Artigo 3.º

Procedimentos, âmbito e critérios

  1. O Governo fica obrigado a adotar os procedimentos necessários à recuperação do controlo público dos CTT, independentemente da forma jurídica de que a mesma se revista.
  2. Na solução jurídica a definir para a recuperação do controlo público dos CTT, o Governo deve considerar, entre outros, critérios que:
    1. permitam que a recuperação do controlo público seja realizada assegurando os interesses patrimoniais do Estado e os direitos dos trabalhadores;
    2. permitam a defesa do interesse público perante terceiros;
    3. assegurem a conformidade dos Estatutos da empresa com critérios de propriedade e gestão pública;
    4. assegurem a manutenção do serviço público postal e a sua prestação em condições de qualidade em todo o território nacional;
    5. assegurem a transferência integral da posição jurídica dos CTT resultante de atos praticados ou contratos celebrados que mantenham a sua validade à data da recuperação do controlo público, sem prejuízo do exercício do direito de regresso nos termos previstos na presente lei;
  3. São definidos por diploma legal:
    1. o montante e as condições de pagamento de eventual contrapartida a que haja lugar pela recuperação do controlo público, independentemente de assumir carácter indemnizatório;
    2. o modelo transitório de gestão da empresa, quando necessário.

Artigo 4.º

Regime especial de anulabilidade de atos por interesse público

O Governo fica autorizado a definir, por Decreto-Lei, um regime especial de anulabilidade de atos por interesse público que permita a anulabilidade de todos atos de que tenha resultado a descapitalização da empresa, designadamente a alienação de ativos de qualquer espécie, desde a privatização dos CTT.

Artigo 5.º

Direito de regresso

O Governo fica obrigado a criar as condições necessárias para que a recuperação do controlo público dos CTT seja realizada livre de ónus e encargos, sem prejuízo do direito de regresso quando a ele haja lugar.

Artigo 6.º

Indemnização por prejuízo do interesse público

  1. O Governo fica obrigado a identificar todos os atos de que tenha resultado prejuízo para o interesse público em virtude de opções de gestão dos CTT, designadamente aqueles de que tenha resultado a redução da capacidade da empresa prestar o serviço público postal a que está obrigada.
  2. A identificação dos atos referidos no número anterior constitui o Estado na obrigação de exercer o direito a ser indemnizado, nos termos correspondentes.

Artigo 7.º

Dever de cooperação

Todas as entidades públicas e privadas ficam sujeitas ao dever de colaboração em tudo quanto lhes seja solicitado a fim de dar cumprimento ao disposto na presente lei.

Artigo 8.º

Defesa do interesse público

  1. O regime estabelecido pela presente lei não prejudica as medidas que o Governo considere necessário adotar para salvaguarda do interesse público, designadamente as que correspondam ao exercício pelo Estado de direitos estabelecidos no âmbito do contrato de concessão do serviço público postal aos CTT.
  2. O Governo deve adotar as medidas transitórias que se revelem necessárias à defesa do interesse público, nomeadamente promovendo a suspensão da negociação de ações dos CTT.

Artigo 9.º

Unidade de missão

  1. É criada uma unidade de missão, a funcionar junto do Governo, com a responsabilidade de identificar os procedimentos legislativos, administrativos ou outros que se revelem necessários à ao cumprimento das disposições da presente lei, dotada dos necessários recursos humanos e técnicos.
  2. Compete ao Governo definir os termos de composição e nomeação da unidade de missão prevista no número anterior.

Artigo 10.º

Prazo

O Governo fica obrigado a concretizar a recuperação do controlo público dos CTT no prazo máximo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei.

Artigo 11.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Projectos de Lei
  • Correios
  • CTT