Exmo. Senhor
Presidente do Tribunal Constitucional,
Os Deputados da Assembleia da República abaixo-assinados, em número superior a um décimo dos Deputados em efetividade de funções, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1 e na alínea f), do n.º 2, do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 51.º e 62, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), requerem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas contidas na Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013), doravante designada por LOE 2013, adiante referenciadas.
Introdução
A LOE 2013 contém diversas disposições que, no entender dos requerentes, violam princípios e normas constitucionais, pelo que, pelas razões adiante explicitadas, requerem a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade das seguintes normas da LOE 2013: Artigo 27.º (redução remuneratória); artigo 29.º (suspensão do pagamento de subsídio de férias ou equivalente); e consequentemente do artigo 31.º (contratos de docência e de investigação); artigo 45.º (pagamento do trabalho extraordinário); artigo 77.º (suspensão do pagamento de subsídio de férias ou equivalente de aposentados e reformados); artigo 78.º (contribuição extraordinária de solidariedade); artigo 117.º, n.º 1 (contribuição sobre prestações de doença e de desemprego); artigo 186.º, de alterações ao Código do IRS, na parte em que altera o artigo 68.º (taxas gerais) e em que adita um artigo 68.º-A (taxa adicional de solidariedade) a esse Código; e artigo 187.º (sobretaxa em sede de IRS), o que fazem, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Da inconstitucionalidade dos artigos 27.º, 29.º, 31.º e 45.º
1. O artigo 27.º da LOE 2013 mantém as reduções das remunerações totais ilíquidas mensais dos cidadãos elencados no n.º 9 desse artigo, bem como no artigo 31.º, que têm em comum o facto de auferirem remunerações suportadas diretamente pelo Estado ou por entidades públicas, reduções que oscilam entre os 3,5%, no caso dos cidadãos com remuneração superior a 1500 euros mensais, e 10% no caso das remunerações de valor superior a 4.165 euros.
2. Esta disposição é idêntica à já consagrada nos Orçamentos do Estado para 2011 e para 2012, sendo assim aplicada pelo terceiro ano consecutivo.
3. Acresce que o artigo 29.º da LOE 2013 suspende o pagamento do subsídio de férias ou quaisquer outras prestações correspondentes ao 14.º mês, na totalidade, para os mesmos cidadãos, mas vai mais longe, ao prever a redução desse mesmo subsídio a todos os cidadãos previstos no n.º 9 do artigo 27.º e no artigo 31.º, desde que as respetivas remunerações excedam os 600 euros mensais.
4. Por seu lado, o artigo 45.º da LOE 2013 determina que todos os acréscimos ao valor da retribuição horária referentes a pagamento de trabalho extraordinário prestado em dia normal de trabalho, pelos mesmos cidadãos elencados no n.º 9 do artigo 27.º, cujo período normal de trabalho não exceda sete horas por dia nem 35 horas por semana sofram um corte de 12,5% da remuneração na primeira hora, e de 18,75% da remuneração nas horas ou frações subsequentes.
5. O que está em causa é portanto a admissibilidade constitucional das reduções salariais, pela prestação de trabalho normal ou extraordinário, e da suspensão dos subsídios de férias, conjugadamente, nos exatos termos previstos na LOE 2013.
6. Trata-se pois de saber em que medida é constitucionalmente admissível que o legislador determine o corte das remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas ou equiparadas, pondo em causa o seu direito à retribuição.
7. Esta questão foi já objeto de decisão do Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 396/2011, que apreciou o corte das remunerações previstas no Orçamento do Estado para 2011, idênticas às previstas no artigo 27.º da LOE 2013, não se pronunciando pela sua inconstitucionalidade.
8. Importa porém lembrar que o citado acórdão assentou o seu juízo no pressuposto de que tal redução seria uma “medida idónea para fazer face à situação de défice orçamental”. Dando como adquirido que “só a diminuição de vencimentos garantia eficácia certa e imediata” para garantir “resultados a curto prazo” na consolidação orçamental. Por não haver “razões de evidência em sentido contrário”, o Tribunal considerou que a medida prevista para 2011 se incluía ainda “dentro dos limites do sacrifício” que a “transitoriedade e os montantes das reduções ainda salvaguardavam”.
9. Como é sabido porém, chamado a decidir sobre idênticos cortes salariais contidos no Orçamento do Estado para 2012, conjugados com a suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos cidadãos que auferem remunerações públicas, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 353/2012, considerou que a conjugação entre o congelamento de salários e pensões do sector público vigente desde 2010, os cortes salariais vigentes desde 2011 e o corte dos subsídios de férias e de Natal de 2012 aplicáveis aos trabalhadores e pensionistas do sector público, ultrapassavam de forma evidente os “limites do sacrifício” a que aludia o Acórdão n.º 396/2011.
10. Assim, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários e pensionistas do sector público, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de igualdade proporcional, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
11. Vemos assim que, ainda que o Tribunal Constitucional tenha admitido a constitucionalidade de cortes salariais até um certo limite, a proteção do direito dos trabalhadores à remuneração, o cumprimento pontual dos contratos e a proporcionalidade na imposição de sacrifícios aos cidadãos por parte do Estado, não são valores alheios à ordem constitucional portuguesa. E todos eles estão em causa na LOE 2013.
12. Com efeito, diversas disposições constitucionais, com projeção em diplomas legislativos, revelam não ter sido intenção do legislador constituinte dar o aval a reduções salariais.
13. Tal resulta do artigo 1.º que se refere à dignidade da pessoa humana e ao empenhamento do Estado na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; do artigo 9.º, d) que considera tarefa fundamental do Estado a promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo; do artigo 59.º, n.º 1, a) que consagra o direito à retribuição do trabalho de modo a garantir uma existência condigna; do artigo 59.º, n.º 2, d) que estabelece a incumbência do Estado de estabelecer e atualizar o salário mínimo nacional; do artigo 59.º, n.º 3, segundo o qual os salários gozam de garantias especiais nos termos da lei; ou o artigo 81.º, a) que estabelece como incumbência prioritária do Estado promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas.
14. Mais: o artigo 16.º da Constituição dispõe que os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de Direito Internacional. É o caso do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 16 de Dezembro de 1966, ratificado sem reservas através da Lei n.º 45/78, de 11 de Julho, que reconhece no artigo 7.º o direito a uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores um salário equitativo e uma existência decente para eles e para as suas famílias.
15. Decisivo porém, é o facto do direito à retribuição do trabalho constituir um direito fundamental, consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (conforme Acórdãos n.º 373/91 e 498/2003 do Tribunal Constitucional), sendo-lhe aplicável o mesmo regime garantístico.
16. Assim, as restrições salariais impostas pelo legislador, incluindo tanto as reduções remuneratórias como a suspensão do subsídio de férias, não sendo expressamente autorizadas pela Constituição, só seriam admissíveis para resolver problemas de ponderação de conflitos entre bens ou direitos constitucionais, ou seja, para salvaguarda de um interesse constitucionalmente protegido (neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, 2007, p. 393).
17. Mesmo admitindo, como mera hipótese de raciocínio, que o chamado PAEF (Plano de Assistência Económica e Financeira) assinado entre o Governo Português e a “troika” formada pelo FMI, BCE e CE, ou que a redução do défice das contas públicas, correspondam a interesses constitucionalmente protegidos, sempre haverá que verificar se os cortes nas remunerações previstos respeitam o princípio da proporcionalidade, enquanto pressuposto decisivo do respeito pelo princípio constitucional da igualdade.
18. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, o respeito pelo princípio da proporcionalidade impõe a proibição do excesso, em três diferentes dimensões: a adequação ou idoneidade (as medidas devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados); a exigibilidade, necessidade ou indispensabilidade (as medidas devem revelar-se necessárias porque os fins visados não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); e finalmente a proporcionalidade em sentido estrito (os meios devem situar-se na justa medida).
19. Entendem os requerentes que nenhum destes pressupostos é respeitado na LOE 2013. Senão vejamos:
20. Quanto à adequação aos fins visados, ao contrário do que acontecia em 2011, existem hoje evidências de que tal não se verifica. Com efeito, tendo sido as reduções salariais, e o corte dos subsídios de férias e de Natal, apresentadas como as medidas mais eficazes para a redução do défice das contas públicas no imediato, os dados disponíveis, relativos à execução orçamental de 2012, revelam a ineficácia dessas medidas, devido ao efeito recessivo que delas decorrem. Os cortes salariais não são, portanto, medidas adequadas para a redução do défice público.
21. Aliás, essa redução foi anunciada para que se obtivesse um valor de 4,5% do défice público, quando é já hoje reconhecido pelo próprio Governo que esse valor será, quando muito, de 5%, e mesmo este valor só será atingido através de medidas extraordinárias não previstas inicialmente no Orçamento do Estado para 2013.
22. Quanto à indispensabilidade dessas medidas, sustentam os requerentes idêntica conclusão. Tais medidas não são indispensáveis, podendo e devendo os objetivos por elas, alegadamente, visados, ser obtidos de outro modo, designadamente com a renegociação de parcerias público-privadas que constituem pesadíssimos encargos para o Estado, com o recurso a uma justa tributação dos rendimentos de capital (matéria que adiante será autonomamente abordada), ou com a renegociação dos encargos da dívida soberana portuguesa perante os credores internacionais.
23. Registe-se, aliás, que a previsão de despesa com pessoal para 2013 representa apenas 20,46% do total da despesa corrente do Estado (cfr. Quadro III.1.2 na página 95 do Relatório do Orçamento do Estado para 2013 que acompanhou a Proposta de Lei n.º 103/XII).
24. Dir-se-á que as alternativas acima referidas, a título meramente exemplificativo, decorreriam de opções políticas, não desejadas pelo Governo em funções. É certo. Mas não se diga que tais medidas seriam impossíveis, ao ponto tornar inevitáveis os cortes nos salários e nas pensões previstos na LOE 2013.
25. Aliás, quando se trata de avaliar sacrifícios impostos aos rendimentos do trabalho e das pensões, com base na sua suposta inevitabilidade, tendo em conta uma situação de grave crise financeira, ninguém de boa-fé pode abstrair das causas dessa crise e das respetivas responsabilidades.
26. Todos convirão que a situação de crise financeira que a país atravessa não foi da responsabilidade dos trabalhadores por conta de outrem, ou dos reformados, sejam do sector público ou do sector privado. As responsabilidades da crise financeira decorrem, entre outras causas, – todos o sabem – de desmandos cometidos pelo sector financeiro, muitos deles com relevância criminal, da própria natureza das operações especulativas, e da ausência de regulação e de supervisão que os permitiram.
27. E a crise das dívidas soberanas decorre – também todos o sabem – da opção política tomada pelos Governos, de evitar a falência dos bancos à custa dos contribuintes.
28. No caso português, só para citar o caso mais conhecido do Banco Português de Negócios, o Estado assumiu já um encargo estimado em 3.405,2 milhões de euros, entre 2010 e 2012, que pode chegar, no limite, aos 6.509 milhões, mais juros e contingências, caso não se venha a verificar qualquer tipo de recuperação de ativos transferidos do BPN para o Estado, segundo as conclusões aprovadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito ao Processo de Nacionalização, Gestão e Alienação do BPN em 16 de Novembro de 2012.
29. Acresce que na LOE 2013 se verifica uma disparidade entre a tributação dos rendimentos do trabalho, com taxas que chegam aos 48%, no caso de rendimentos coletáveis superiores a 80.000 euros anuais, a que se acrescentam contribuições adicionais de solidariedade com taxas de 2,5% e 5%, conforme os rendimentos se situem, respetivamente, entre 80.000 e 250.000 euros e acima deste valor, em flagrante disparidade com taxas liberatórias e especiais de 28% aplicáveis aos rendimentos de capital, juros, dividendos e mais valias. Esta matéria será adiante abordada, mas fica desde já assinalada, como elemento decisivo na consideração da violação do princípio da igualdade de que enfermam os pesados sacrifícios impostos sobre os rendimentos do trabalho (cortes de salários, pensões, subsídios e aumento enorme de impostos) em contraste com a leveza dos encargos impostos sobre os rendimentos de capital.
30. No caso das parcerias público-privadas, segundo dados da Direção Geral do Orçamento, os custos para o erário público foram de 987 milhões de euros em 2012, serão de 884 milhões em 2013 e admite-se que aumentem para 1.581 milhões em 2014.
31. Como se pode então afirmar que o corte nos salários e nas pensões se afigura como o único meio idóneo, indispensável, e proporcional, para garantir a estabilização das contas públicas?
32. Há porém, outro aspeto a considerar quanto à proibição do excesso e aos limites exigíveis dos sacrifícios, que tem que ver com a conjugação entre os cortes salariais e a sobrecarga fiscal, sobretudo em sede de IRS.
33. É que os artigos 27.º, 29.º e 45.º não são as únicas disposições constantes da LOE 2013 que representam cortes nos salários dos trabalhadores que exercem funções públicas.
34. Para além dos cortes nos salários, entre 3,5% e 10% previstos no artigo 27.º, a suspensão do subsídio de férias previsto no artigo 29.º, e a redução dos valores da retribuição horária referentes ao pagamento de trabalho extraordinário previstas no artigo 45.º, são reduzidos entre 35% e 40% valores de ajudas de custo referidas nos artigos 42.º e 44.º.
35. Mas muito mais significativa é a introdução de uma sobretaxa de 3,5% no IRS (prevista no artigo 187.º da LOE 2013, e cuja inconstitucionalidade será adiante advogada), a redução do número de escalões desse imposto, a eliminação ou redução das deduções de despesas com saúde, educação e habitação, que, em conjugação com os cortes nos salários e nas pensões e com a suspensão dos subsídios de férias, corresponde a um verdadeiro confisco de grande parte dos rendimentos do trabalho, de proporções intoleráveis.
36. A conjugação dos cortes nos salários e nas pensões, com o agravamento da carga fiscal, conduz a que muitos trabalhadores ou reformados, que vivem exclusivamente dos rendimentos do seu trabalho, presente ou passado, se vejam privados de meios de subsistência por uma decisão do legislador, que revela pouco respeito pela dignidade do ser humano, valor primeiro em que assenta a ordem constitucional portuguesa.
37. É posta assim em crise a garantia constitucional de direito ao salário de forma a garantir uma existência condigna [artigo 59.º, n.º 2, alínea a)].
38. Os artigos 27.º, 29.º, 31.º e 45.º da LOE 2013 violam também o artigo 105.º da Constituição e o princípio da confiança, na medida em que se traduzem num incumprimento contratual por parte do Estado.
39. De facto, o n.º 2 do artigo 105.º da Constituição determina que o Orçamento do Estado é elaborado tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.
40. Ora, a relação existente entre os trabalhadores que exercem funções públicas e o Estado, é, indubitavelmente, uma relação contratual, regulada através do vínculo público de nomeação e do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, alterado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).
41. Desse contrato, resulta o valor da remuneração como elemento essencial [artigos 68.º, n.º 1, h) e 214.º].
42. Assim, na relação jurídica de emprego público, em que, em matéria de retribuição, o Estado é o devedor e o trabalhador o credor, o cumprimento do contrato exige o pagamento pontual e integral da prestação a que o Estado se encontra juridicamente obrigado.
43. E o Estado não tem o direito de escolher entre os credores a quem paga e aqueles a quem decide não pagar. Não há qualquer fundamento constitucional ou legal para que o Estado trate de forma diferente os trabalhadores do sector público com quem assumiu obrigações contratuais e os credores internacionais ou os grupos económicos beneficiários de parcerias público-privadas, pagando pontualmente as prestações destes negócios com que se comprometeu (com os mais fortes), e arrogando-se o direito de não cumprir as obrigações remuneratórias contratualmente assumidas com os trabalhadores (os mais fracos).
44. Se se invoca a credibilidade do Estado português perante os credores internacionais ou perante grupos económicos, não será igualmente invocável, por maioria de razão, a credibilidade do Estado perante os cidadãos que têm como único meio de subsistência o cumprimento das obrigações a que o Estado se obrigou para com eles?
45. Se no primeiro caso está em causa a credibilidade e a responsabilidade contratual do Estado, no que se refere aos trabalhadores, está em causa tudo isso, mas também, e fundamentalmente, o respeito pela dignidade do ser humano que vive exclusivamente do seu trabalho.
46. Acresce que tanto o n.º 15 do artigo 27.º, como o n.º 9 do artigo 29.º, como o n.º 3 do artigo 45.º referem que os regimes de redução remuneratória neles previstos têm natureza imperativa, prevalecendo sobre instrumentos de regulação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastados ou modificados pelos mesmos.
47. Estas disposições violam de forma flagrante o disposto no n.º 3 do artigo 56.º da Constituição, que confere às associações sindicais o direito e a competência de exercer o direito de contratação coletiva, o qual é garantido nos termos da lei.
48. O direito à contratação coletiva insere-se no título II da Constituição, relativo aos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe diretamente aplicável o regime do artigo 18.º.
49. O direito à contratação coletiva vincula as entidades públicas e privadas e só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
50. As leis restritivas da contratação coletiva não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
51. As disposições acima citadas da LOE 2013 violam, não apenas obrigações contratuais assumidas pelo Estado, como restringem inconstitucionalmente o direito das associações sindicais à contratação coletiva, ao dispor que prevalecem sobre instrumentos de regulação coletiva de trabalho.
52. Foi já demonstrada pelos requerentes, a inexistência de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que possam justificar a restrição do direito fundamental à retribuição do trabalho nos termos em que a LOE 2013 o pretende fazer. Esse raciocínio aplica-se mutatis mutandis às restrições impostas ao direito de contratação coletiva.
53. Com a agravante decisiva das restrições impostas pretenderem ter eficácia retroativa – constitucionalmente vedada – prevalecendo “sobre quaisquer normas, especiais ou excecionais em contrário, e sobre instrumentos de regulação coletiva de trabalho”.
54. E diminuem a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional relativo à contratação coletiva.
55. O direito à contratação coletiva é conferido às associações sindicais para defesa e promoção da defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam (artigo 56.º, n.º 1). Entre esses direitos está seguramente o direito à retribuição [artigo 59.º, a)].
56. Se o legislador pretende legitimar a prevalência absoluta, já que é disso que se trata, de disposições legais restritivas do direito à retribuição sobre quaisquer instrumentos de regulação coletiva de trabalho, está posto em causa o conteúdo essencial do direito fundamental à contratação coletiva.
57. Os artigos 27.º, 29.º, 31.º e 45.º da LOE 2013, violam portanto o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 13.º, 56.º, n.º 3, 59.º, n.º 1, a) e 105.º, n.º 2 da Constituição.
58. Mas no caso vertente existe ainda uma clara violação do caso julgado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 353/2012.
59. O referido Acórdão declarou inconstitucionais as normas constantes da Lei do Orçamento do Estado para 2012 que suspendiam o pagamento dos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores com funções públicas e dos reformados, ressalvando apenas os efeitos produzidos em 2012. O que obviamente proíbe a adoção de medidas idênticas para 2013.
60. Acontece porém que a LOE 2013 mantém integralmente a suspensão do pagamento do subsídio de férias, não obstante a declaração de inconstitucionalidade.
61. E incorreu num artifício destinado a defraudar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, que consiste em subtrair o valor correspondente ao subsídio de Natal através da criação de uma taxa adicional de 3,5% sobre a remuneração anual, em sede de IRS.
62. O argumento de que o princípio da igualdade não seria violado pela LOE 2013 pelo facto de também os trabalhadores do sector privado serem privados de um dos subsídios, não colhe.
63. Não colhe desde logo, porque a ultrapassagem “dos limites da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional” declarada em 2012 não é eliminada, nos seus efeitos, pelo mal dos outros. Se assim fosse, não haveria limites para a imposição de sacrifícios. Todos os excessos poderiam ser cometidos, desde que todos fossem sacrificados por igual.
64. Mas também porque nos próprios termos do Acórdão n.º 353/2012, a violação do princípio da igualdade proporcional também se refere ao facto de nenhuma das imposições de sacrifícios (no OE 2012) ter equivalente para a generalidade dos outros cidadãos “que auferem rendimentos provenientes de outras fontes”. E na declaração pública em que anunciou a decisão, o Presidente do Tribunal Constitucional (ao tempo em funções) referiu-se explicitamente à comparação com os cidadãos que auferem rendimentos de capital.
65. Ora, neste caso, a situação não mudou para melhor. A um aumento “enorme” dos impostos sobre os rendimentos do trabalho e das pensões (que ultrapassa em certos casos taxas da ordem dos 50%), corresponde um quase inexpressivo aumento da tributação dos rendimentos do capital (de 25% para 28%).
66. Donde, em conclusão, se requer a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 27.º, 29.º e 31.º da LOE 2013 por violação do respeito pelo princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1.º; por violação do princípio da confiança enquanto elemento estruturante do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º; por violação do princípio da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrada no artigo 13.º; por violação do direito à contratação coletiva consagrado no artigo 56.º, n.º 1; por violação do direito ao salário consagrado no artigo 59.º, n.º 1, a); por violação das obrigações decorrentes de contrato na elaboração do Orçamento do Estado nos termos do artigo 105, n.º 2, todos da Constituição, e ainda por violação do caso julgado no Acórdão n.º 353/2012.
Da inconstitucionalidade do artigo 77.º da LOE 2013
67. O artigo 77.º da LOE 2013 suspende o pagamento de 90% do subsídio de férias ou equivalentes de aposentados e reformados, por parte da Caixa Geral de Aposentações, do Centro Nacional de Pensões e, diretamente ou por intermédio de fundos de pensões, por quaisquer entidades públicas, desde que o valor da pensão seja superior a 1.100 euros mensais.
68. Caso o valor da pensão seja entre 600 e 1.100 euros mensais, aplica-se uma redução menor, nos termos referidos no n.º 4 do artigo 77.º da LOE 2013.
69. Afigura-se aos requerentes que os cortes nas reformas e pensões violam manifestamente o princípio da proteção da confiança como “exigência indeclinável de realização do princípio do Estado de direito democrático” consagrado no artigo 2.º da Constituição.
70. Esta questão da proteção da confiança foi circunstanciadamente abordada no Acórdão n.º 396/2011 do Tribunal Constitucional a propósito dos cortes salariais previstos no Orçamento do Estado para 2011. Aí se refere a densificação dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a aplicação desse princípio, efetuada no Acórdão n.º 287/90.
71. Aí se considera que a frustração das expetativas dos cidadãos provocada pelas medidas em causa será inadmissível, nomeadamente, à luz dos seguintes critérios: a) quando a afetação de expetativas constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, recorrendo-se aqui ao princípio da proporcionalidade.
72. Tudo o que foi invocado acima, acerca da violação do princípio da proporcionalidade nos cortes dos subsídios de férias aos trabalhadores que exercem funções públicas, é inteiramente aplicável no caso vertente.
73. Com efeito, a medida de suspensão do subsídio de férias aos reformados e pensionistas não é uma medida adequada ou idónea para garantir a consolidação orçamental, não é uma medida indispensável para esse objetivo, nem é uma medida que, pela sua onerosidade, se contenha na justa medida.
74. Porém, no que se refere aos reformados e pensionistas, acrescem outras razões adicionais que concorrem para a inconstitucionalidade da suspensão dos respetivos subsídios.
75. Os reformados e pensionistas auferem prestações pagas pelo Estado, que decorrem das respetivas carreiras contributivas. Ou seja, enquanto trabalhadores do ativo efetuaram descontos nos respetivos salários, tendo como contrapartida futura, após a reforma ou aposentação, os montantes das respetivas reformas ou pensões.
76. As reformas e pensões auferidas pelos reformados e pensionistas não podem pois ser qualificadas como “dinheiros públicos” tout court, na medida em que são suportadas pelos descontos entregues ao Estado pelos próprios beneficiários, enquanto trabalhadores no ativo.
77. Sendo que o Estado cumpre o dever constitucional de garantir o direito de todos à segurança social, tal como determina o artigo 63.º da Constituição, devendo todo o tempo de trabalho contribuir, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez.
78. A partir da reforma ou da aposentação, os cidadãos aposentados ou reformados deixaram de ser cidadãos no ativo, profissionalmente falando. Deixaram de poder depender do seu trabalho para obter meios de subsistência e passaram a ter de viver exclusivamente das suas reformas e pensões.
79. Acresce ainda que, com o avanço inevitável da idade, a situação dos reformados e pensionistas torna-se mais frágil e vulnerável, dado que aumentam as situações de dependência e as situações de doença, com os consequentes aumentos de encargos.
80. Uma alteração substancial dos montantes das reformas e pensões por decisão unilateral do Estado, como ocorre por força da LOE 2013, em que à suspensão de 90% do subsídio de férias acresce um enorme aumento da carga fiscal em sede de IRS, põe irremediavelmente em crise o princípio constitucional da proteção da confiança, sendo certo que os reformados e pensionistas não têm nenhuma possibilidade de aumentar os seus proventos e de refazer os seus planos de vida.
81. A proteção da confiança no caso dos reformados e pensionistas exige portanto uma tutela reforçada.
82. Assim, tal como acontece com a suspensão dos subsídios de férias prevista nos artigos 29.º e 31.º da LOE 2013, também a suspensão dos subsídios de férias dos reformados e pensionistas previstas no artigo 77.º deve ser declarada inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança que decorre do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
Da inconstitucionalidade do artigo 78.º da LEO 2013
83. O artigo 78.º da LOE 2013 vem criar a designada “contribuição extraordinária de solidariedade”. Trata-se de uma contribuição extraordinária, imposta aos reformados e pensionistas que auferem montantes de reformas e pensões superiores a 1.350 euros, nos seguintes termos: 3,5% no caso das pensões de valor mensal entre 1.350 e 1.800 euros; 3,5% sobre o valor de 1.800 e 16% sobre o remanescente das pensões de valor mensal entre 1.800,01 e 3.750 euros; 10% sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a 3.750 euros; e neste último caso, haverá ainda um acréscimo da contribuição no valor de 15% sobre o montante que exceda o valor do IAS mas que não ultrapasse 18 vezes aquele valor, ou no valor de 40% sobre o montante que exceda 18 vezes o valor do IAS.
84. Tal contribuição extraordinária tem suscitado intenso debate na sociedade portuguesa, envolvendo inclusivamente reputados constitucionalistas que põem em causa a sua constitucionalidade.
85. Pode legitimamente questionar-se se considerar as pensões acima de 1.350 euros como suficientemente elevadas para justificar uma contribuição que acresce aos cortes já efetuados por via dos artigos 27.º e 77.º da LOE 2013, não incorre em violação do princípio da proibição do excesso, por ser uma medida desproporcionada.
86. Mas mesmo que tal não se considere, o que parece inequívoco é que os argumentos invocados acima, acerca da inconstitucionalidade dos artigos 27.º e 77.º da LOE 2013 por violação do princípio da proibição do excesso enquanto pressuposto da proteção da confiança, têm, no caso da contribuição extraordinária prevista no artigo 78.º, inteiro cabimento.
87. Porém, pode e deve questionar-se se a “contribuição extraordinária de solidariedade” não viola autonomamente o princípio constitucional da igualdade constante do artigo 13.º da Constituição.
88. Na verdade, esta contribuição impende unicamente sobre uma determinada categoria de cidadãos: os reformados e pensionistas. Trata-se obviamente de uma discriminação. Resta a questão de saber se essa discriminação é constitucionalmente legítima.
89. Segundo o ensinamento de Gomes Canotilho e Vital Moreira (op. cit, p. 340), as diferenciações só podem ser legítimas quando se baseiem numa distinção objetiva de situações, tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objetivo.
90. Não parece que tais pressupostos se verifiquem.
91. A distinção objetiva de situações nunca poderá conduzir à consideração de que os reformados e pensionistas devem ser discriminados negativamente em relação aos trabalhadores no ativo.
92. Tal não significa que a imposição de uma contribuição semelhante aos trabalhadores no ativo fosse constitucionalmente admissível. No entender dos requerentes, nunca o seria, pelas razões já explicitadas acima quanto à inconstitucionalidade dos cortes salariais. Porém, não se vislumbra qualquer razão plausível que confira legitimidade à imposição de uma contribuição extraordinária aos reformados e pensionistas, sobretudo se tivermos em conta, mais uma vez, a disparidade existente na LOE 2013 entre a oneração dos rendimentos do trabalho e dos rendimentos de capital.
93. Enquanto alguns reformados e pensionistas chegam a ser privados de mais de metade dos valores das suas pensões, que não deixam de ser rendimentos do trabalho, os titulares de rendimentos de capital previstos nos artigos 71.º e 72.º da LOE 2013 são tributados a taxas liberatórias não superiores a 28%.
94. A ausência de necessidade, adequação e proporcionalidade da “contribuição extraordinária” consideram os requerentes já suficientemente demonstrada. Não se trata de uma medida que não pudesse ser evitada, cujos efeitos financeiros não pudessem ser obtidos de um modo diferente e socialmente mais justo, e é uma medida desproporcionada, devido ao grau de onerosidade em que se traduz.
95. Aliás, quando à caracterização do fim visado pela medida em causa, a sua designação, na epígrafe do artigo 78.º da LOE 2013, como contribuição de “solidariedade”, só pode conduzir a equívocos.
96. A Constituição, no seu artigo 1.º, refere-se à construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A solidariedade, enquanto tarefa do Estado, implica obviamente um esforço no sentido da redução das desigualdades e no apoio às camadas sociais mais desfavorecidas.
97. Porém, a “solidariedade” a que alude a epígrafe do artigo 78.º da LOE 2013 é indefinida. E conhecido que é o esforço de austeridade que a LOE 2013 impõe aos portugueses, mesmo aos de mais baixos rendimentos, em nome do cumprimento dos objetivos do chamado PAEF, somos forçados a concluir que a solidariedade que é exigida aos reformados e pensionistas não tem como destinatários os cidadãos que mais necessitariam dela. A “solidariedade” a que alude o artigo 78.º da LOE 2013 não passa afinal de uma solidariedade para com a política financeira definida pelo Governo. Não é título bastante para conferir legitimidade constitucional à medida imposta.
98. Nestes termos, consideram os requerentes que a contribuição extraordinária de solidariedade prevista no artigo 78.º da LOE 2013 é inconstitucional por violação dos artigos 2.º e 13.º da Constituição.
Da inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 117.º
99. Determina o n.º 1 do artigo 117.º, que as prestações do sistema previdencial concedidas no âmbito de doença e desemprego sejam sujeitas a uma contribuição de a) 5% sobre o montante dos subsídios concedidos no âmbito da eventualidade de doença e b) 6% sobre o montante de subsídios de natureza previdencial concedidos no âmbito da eventualidade de desemprego.
100. Não se trata evidentemente de uma “contribuição”. Trata-se, isso sim, de uma redução nas prestações sociais em caso de doença e de desemprego, sem qualquer consequência na carreira contributiva dos beneficiários.
101. Os subsídios de desemprego e de doença têm expressa proteção constitucional. O n.º 1 do artigo 59.º, relativo aos direitos dos trabalhadores, consagra na alínea e) o direito de todos os trabalhadores à assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, e na alínea f) o direito a assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. Por seu lado, o artigo 63.º, que consagra o direito de todos à segurança social (n.º 1), prevê no n.º 3 que o sistema de segurança social protege os cidadãos na doença (…) bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
102. Dir-se-á que cortes da ordem de 5% e 6% nas prestações sociais não serão suficientes para pôr em causa, de forma decisiva, o direito à segurança social e o direito dos trabalhadores à proteção no desemprego e na doença, e que o conteúdo essencial desses direitos, apesar de tudo, se mantém. Não é esse, porém, o juízo dos requerentes, pelas razões seguintes:
103. Os direitos sociais à assistência material no desemprego e na doença, apesar de não se encontrarem sujeitos ao regime de restrições aplicável aos direitos, liberdades e garantias, possuem uma tutela constitucional clara, acima explicitada, e não podem ser sujeitos a restrições que ponham em causa a aplicação do princípio constitucional da igualdade.
104. O que sucede é que estes direitos sociais têm vindo a ser sucessivamente restringidos pelo legislador, tanto nos montantes dos apoios concedidos, como no tempo de concessão, como no universo dos destinatários.
105. E é evidente que, sendo os rendimentos auferidos por via dos subsídios de doença e do desemprego rendimentos substitutivos do trabalho, os trabalhadores que deles beneficiam não se encontram em situação idêntica à dos demais trabalhadores.
106. A concessão dos subsídios de desemprego e de doença decorrem de situações em que os trabalhadores se encontram, involuntariamente, em situações de objetiva desigualdade em relação aos demais, devido à impossibilidade temporária de obtenção de meios de subsistência.
107. Não se trata de benesses, de privilégios, ou de subsídios à inatividade. Trata-se de prestações sociais destinadas a acorrer, de forma temporária, a situações em que a ausência de apoio por parte do Estado a trabalhadores temporariamente inativos seria suscetível de provocar situações de exclusão social violadoras da dignidade da pessoa humana a que se refere o artigo 1.º da Constituição.
108. Será pois constitucionalmente admissível que os trabalhadores em situação de desemprego involuntário, ou incapazes de trabalhar por comprovados motivos de saúde, sejam penalizados por isso, nas prestações sociais a que têm direito? Os requerentes entendem que não.
109. Se o corolário fundamental do princípio constitucional da igualdade é o de que devem ser tratadas como iguais situações iguais, e como diferentes, situações diferentes, os beneficiários dos subsídios de desemprego e de doença, que se encontram em situações de maior vulnerabilidade em relação aos demais cidadãos, não devem ser prejudicados por parte do Estado, de forma a acentuar ainda mais a sua situação de vulnerabilidade.
110. Nestes termos, entendem os requerentes que o n.º 1 do artigo 117.º da LOE 2013 deve ser declarado inconstitucional por violação dos artigos 13.º, 59.º, n.º 1, alíneas e) e f), e 63.º, n.º 3 da Constituição.
Da inconstitucionalidade de disposições contidas no artigo 186.º e do artigo 187.º
111. A LOE 2013 introduz diversas alterações em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), das quais se destacam:
No artigo 186.º, alterações aos seguintes artigos do Código do IRS:
- Artigo 68.º, que reduz de oito para cinco, os escalões de rendimento coletável;
- Artigo 68.º-A, que cria uma taxa adicional de solidariedade;
- Artigo 78.º, que reduz, entre outras, as deduções à coleta relativas às despesas de saúde, educação e formação;
- Artigo 85.º, que reduz as deduções à coleta relativas a despesas com imóveis para habitação própria e permanente, ou com rendas de habitação própria do arrendatário.
No artigo 187.º, que cria uma sobretaxa de 3,5% sobre o rendimento coletável dos sujeitos passivos cujo rendimento exceda o valor anual da retribuição mínima mensal.
112. Nos termos do artigo 104.º, n.º 1, da Constituição, o imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
113. O IRS foi concebido tendo em conta estas características. Adotou um sistema de progressividade por escalões de rendimentos, de acordo com o qual a matéria coletável concretamente apurada é dividida em tantas partes quantas as que correspondem ao leque de taxas em que couber, aplicando-se a taxa mais elevada apenas à parte que excede o limite máximo do escalão anterior, e institui um conjunto de deduções à coleta em função da composição e despesas dos agregados familiares, procurando alcançar uma repartição equitativa da carga fiscal.
114. As alterações introduzidas na LOE 2013, que o próprio Ministro das Finanças caracterizou como um “enorme aumento de impostos”, que o Conselheiro de Estado Luís Marques Mendes qualificou de “assalto à mão armada” e que para o Conselheiro de Estado António Bagão Félix “ultrapassam os limites da decência fiscal”, reduzem a progressividade, desconsideram o princípio da capacidade contributiva, e põem em causa a unidade do imposto sobre o rendimento.
115. Vejamos o caso da alteração dos escalões do IRS à luz do princípio da progressividade fiscal: a taxa do escalão mínimo de tributação passa de 11,5% para 14,5% e os rendimentos coletáveis mais baixos são elevados a um escalão superior; são colocados rendimentos coletáveis com valores muito diferentes no mesmo escalão (de 7.000 a 20.000, de 20.000 a 40.000, de 40.000 a 80.000); e são taxados da mesma forma rendimentos coletáveis de valores muito diferenciados. Todos os rendimentos coletáveis acima de 80.000 euros são taxados com o mínimo de 48%, a que acresce a taxa adicional de solidariedade de, pelo menos 2,5%, que coloca a taxa em valores superiores a 50%.
116. Não se cumpre o princípio da progressividade simplesmente por haver mais que um escalão. Por absurdo poderia haver apenas dois. Quando se reduz significativamente a progressividade, está-se a violar esse princípio constitucional.
117. Desta forma, a LOE 2013 abdica da progressividade do imposto e do critério da capacidade económica na repartição dos impostos.
118. No caso das deduções à coleta, as alterações verificadas, que eliminam deduções ou que as colocam em patamares efetivamente simbólicos, não têm em conta as necessidades dos agregados familiares nem a real capacidade contributiva das famílias.
119. Esta questão, do princípio da capacidade contributiva, não é irrelevante como parâmetro de aferição da constitucionalidade das normas de natureza fiscal. Segundo o Acórdão n.º 84/2003 do Tribunal Constitucional, o princípio da capacidade contributiva “exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário de tributação”, critério este, em que a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica de cada um.
120. A criação no artigo 187.º da “sobretaxa em sede de IRS”, assume enorme gravidade e constitui uma flagrante violação de diversas disposições constitucionais.
121. Importa relembrar que esta sobretaxa é criada como uma forma de defraudar a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e reformados, declarada através do Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional.
122. Mantendo o corte do subsídio de férias e criando a sobretaxa em sede de IRS, a LOE 2013 mantém os efeitos das normas declaradas inconstitucionais. Como diz o povo, pretende fazer entrar pela janela, o que o Tribunal Constitucional não permitiu que entrasse pela porta.
123. O artigo 187.º da LOE 2013 configura assim uma violação de caso julgado pelo Tribunal Constitucional.
124. Para além disso, esta sobretaxa não tem as características do imposto sobre o rendimento, tal como a Constituição e o Código do IRS o configuram.
125. Esta sobretaxa não integra o Código do IRS, tratando-se, de facto, de um novo imposto sobre o rendimento, sem qualquer progressividade.
126. A sobretaxa incide na proporção de 3,5% sobre todos os rendimentos. Não respeita o princípio da progressividade do imposto sobre o rendimento.
127. As regras de retenção na fonte previstas no artigo 187.º da LOE 2013 diferem das regras de retenção na fonte do IRS. Existe uma retenção autónoma, existe uma dedução específica própria e não existe coeficiente conjugal.
128. Ou seja: estamos perante um novo imposto sobre o rendimento, parcialmente associado a regras do IRS, mas com outras regras, distintas e autónomas. Trata-se assim de um novo imposto, que não respeita as regras da unidade e da progressividade do imposto sobre o rendimento consagradas no artigo 104, n.º 1 da Constituição.
129. Finalmente, a inconstitucionalidade dos artigos 186.º e 187.º da LOE 2013, na parte em que altera os escalões do IRS e as deduções à coleta e em que cria a sobretaxa em sede de IRS assume particular evidência quando confrontamos essas disposições com a tributação dos rendimentos de capital, constantes dos artigos 71.º e 72.º do mesmo Código.
130. A existência de taxas liberatórias em sede de IRS é contestada pela doutrina constitucional. Referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (op. cit., p. 1099), que os requisitos de unicidade e progressividade do imposto sobre o rendimento retiram base constitucional às taxas liberatórias de determinados rendimentos, e Eduardo Paz Ferreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada de Jorge Miranda e Rui Medeiros, refere em anotação ao artigo 104.º da Constituição, que a existência de taxas liberatórias parece pouco compatível com a natureza unitária do imposto e com a justiça fiscal.
131. No entanto, enquanto a tributação dos rendimentos do trabalho e das pensões assumem níveis confiscatórios, com taxas de IRS superiores a 50% sobre salários e pensões já substancialmente reduzidos por via de outras disposições da LOE 2013, os rendimentos de capital, juros, dividendos e mais-valias referidos nos artigos 71.º e 72.º da LOE 2013 são taxados à taxa liberatória única de 28%.
132. Tendo em atenção o Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional, estamos perante uma manifesta falta de equidade na repartição dos sacrifícios entre os rendimentos do trabalho e os rendimentos provenientes de outras fontes, que contraria o princípio constitucional da igualdade na repartição dos encargos públicos.
133. Nestes termos, os signatários requerem a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 186.º (na parte em que altera os artigos 68.º, 71.º, 72.º, 78.º, 85.º e adita o artigo 68.º-A ao Código do IRS) e do artigo 187.º da LOE 2013, por violação dos artigos 13.º e 104.º. n.º 1 da Constituição e por violação de caso julgado pelo Tribunal Constitucional.
Em conclusão
Pelas razões expostas, os Deputados à Assembleia da República abaixo-assinados, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1 e na alínea f), do n.º 2, do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 51.º e 62, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), requerem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das seguintes normas da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, (Orçamento do Estado para 2013):
•Dos artigos 27.º, 29.º e consequentemente do artigo 31.º, e 45.º, por violação do respeito pelo princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1.º da Constituição; por violação do princípio da confiança enquanto elemento estruturante do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º; por violação do princípio da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrado no artigo 13.º; por violação do direito à contratação coletiva consagrado no artigo 56.º, n.º 3; por violação do direito ao salário consagrado no artigo 59.º, n.º 1, a); por violação das obrigações decorrentes de contrato na elaboração do Orçamento do Estado nos termos do artigo 105, n.º 2, e ainda por violação do caso julgado no Acórdão n.º 353/2012.
•Do artigo 77.º, por violação do princípio da confiança enquanto elemento estruturante do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, e por violação do direito à segurança social previsto no artigo 63.º, n.ºs 1, 3 e 4.
•Do artigo 78.º, por violação do princípio da confiança enquanto elemento estruturante do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º e por violação do princípio da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrada no artigo 13.º da Constituição.
•Do artigo 117.º, n.º 1, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, dos direitos dos trabalhadores em situação de desemprego e de doença consagrados no artigo 59.º, n.º 1, alíneas e) e f), e do direito à segurança social consagrado no artigo 63.º, n.º 3 da Constituição.
•Do artigo 186.º (na parte em que altera os artigos 68.º, 71.º, 72.º, 78.º, 85.º e adita o artigo 68.º-A ao Código do IRS) por violação da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrada no artigo 13.º da Constituição e por violação da progressividade e do princípio da capacidade contributiva do imposto sobre o rendimento consagrados no artigo 104.º, n.º 1.
•Do artigo 187.º, por violação da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional consagrada no artigo 13.º da Constituição, por violação da unidade e progressividade do imposto sobre o rendimento previsto no artigo 104.º. n.º 1, e por violação de caso julgado pelo Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional.
Mais solicitam os requerentes, ao abrigo do n.º 4 do artigo 65.º da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), que, tendo em consideração os sérios prejuízos que a incerteza gerada pela pendência de um processo de fiscalização da constitucionalidade de uma Lei do Orçamento do Estado implica seguramente, quer para o funcionamento do Estado, quer para os cidadãos cuja tutela de direitos se encontra pendente dessa apreciação jurisdicional, V. Ex.ª pondere a atribuição de prioridade à apreciação e decisão do presente processo.