1. Romper com a política de direita, exigência e imperativo nacionais
Portugal é hoje um país mais desigual, mais injusto, mais dependente e menos soberano. É este o resultado de 38 anos de uma continuada política de direita, de reconstituição dos grupos monopolistas e reforço do seu poder, de financeirização da economia, de submissão aos interesses das grandes potências e de alienação de importantes parcelas da soberania nacional.
Tal realidade exprime-se na dimensão colossal do desemprego, na saída em massa de centenas de milhar de portugueses para o estrangeiro, nos baixos salários e no seu cada vez menor peso relativo na distribuição do rendimento nacional, na pobreza e miséria que atinge quase três milhões de portugueses, num aparelho produtivo enfraquecido, num endividamento público e privado galopante, no crescente controlo da economia nacional por parte do grande capital sobretudo estrangeiro, na destruição de serviços públicos, na degradação dos apoios sociais, no agravamento das injustiças e desigualdades sociais e regionais, a par de uma política fiscal de saque aos rendimentos dos trabalhadores, dos pequenos e médios empresários e dos agricultores e de favorecimento dos grupos económicos e financeiros.
Não há manipulação estatística que apague o facto de, desde 2002 (entrada em circulação da moeda única), a economia nacional ter sido marcada por um longo período de recessão e estagnação económica.
A política de submissão e dependência intensificou-se nos últimos anos com os PECs e o Pacto de Agressão promovido por PS, PSD e CDS em colaboração com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, a qual, apesar do termo formal do chamado Memorando de Entendimento em maio deste ano, não só se mantém, como ameaça eternizar-se. Seja por via dos tratados da União Europeia, – incluindo o Tratado Orçamental –, a que estes três partidos amarraram o País, seja por via do círculo vicioso do endividamento público e privado, seja por via das imposições decorrentes da integração na moeda única, seja ainda por via do domínio do grande capital nacional e estrangeiro sobre a banca nacional, através do qual se desviam e sugam recursos do povo português para a acumulação de riqueza nos grupos económicos e financeiros, o conjunto de condicionalismos que a política de direita impôs ao País, não só impedem qualquer perspetiva de desenvolvimento económico e soberano, como colocam no horizonte o risco do afundamento do País.
Inseparável do processo de reconstituição monopolista e de integração e submissão às imposições da União Europeia é o crescente empobrecimento e amputação do regime democrático. Um processo que tende a transferir um número cada vez maior de decisões para estruturas supranacionais – que não são sujeitas a qualquer escrutínio democrático – e que colide frontalmente com a Constituição da República Portuguesa. Com a privatização da banca, com a crescente dimensão da dívida e a recusa da sua renegociação e com a submissão aos condicionamentos da União Europeia, do Euro e do Tratado Orçamental, Portugal perdeu importantes instrumentos de soberania. Só a sua recuperação permitirá assegurar o crescimento e desenvolvimento económicos, a criação de emprego, a valorização do aparelho produtivo e a elevação das condições de vida do povo português.
A dimensão dos problemas existentes exige, não o aprofundamento da lógica de desenvolvimento capitalista, com o consequente domínio do capital monopolista, arrastando e expondo o País a uma sucessão de crises frequentes e destruidoras, mas uma rutura com a política de direita e a concretização da política patriótica e de esquerda vinculada aos valores de Abril que o PCP propõe.
A rutura com a política de direita, conduzida sucessivamente por governos do PS, PSD e CDS, é uma condição básica para a criação de uma alternativa patriótica e de esquerda, que inicie o caminho de um Portugal soberano, mais desenvolvido, mais justo e mais democrático. Mas essa alternativa e, muito especialmente, essa construção só poderão progredir e consolidar-se se o País dispuser das condições adequadas.
Três grandes constrangimentos, cada vez mais reconhecíveis pela população, contribuíram para o atraso e a degradação da situação nacional, entravam no imediato a recuperação económica e social e eliminam num prazo mais alargado as hipóteses de um desenvolvimento duradouro e equilibrado. São eles os níveis brutalmente elevados da dívida pública e da dívida externa, a integração monetária no Euro e a dominação do sistema financeiro nacional pelo capital monopolista.
A renegociação da dívida, a libertação do País da submissão ao Euro e o controlo público da banca são, por isso, três instrumentos fundamentais para a recuperação e o progresso do País, que devem ser aplicados no seu tempo próprio, mas pensados e preparados em conjunto, articulados e integrados num projeto mais geral de rutura com o atual rumo de destruição, de concretização de uma alternativa política e de edificação de uma democracia avançada nas várias vertentes da vida nacional.
É esta a razão por que o PCP apresenta esta proposta integrada para resgatar o País da dependência e do declínio, visando fixar os calendários, as condições e as opções da política nacional com vista à renegociação da dívida, compatibilizando-a com o direito ao desenvolvimento; à criação de estruturas nos órgãos de soberania para preparar o País para a saída do Euro, favorecendo o desenvolvimento nacional e salvaguardando os interesses e as condições de vida dos trabalhadores e do povo; e à adoção de medidas que conduzam a um efetivo controlo público do setor financeiro, colocando-o ao serviço dos interesses do País e dos portugueses e não da especulação e da acumulação privada.
2. Necessidade de renegociação da dívida
No final do 1º semestre de 2014, a dívida pública, na ótica de Maastricht, equivalia a 134,0% do PIB. Na mesma altura, a dívida externa líquida, dada pela posição de investimento internacional, equivalia a 123,7% do PIB. Uma e outra são das maiores do mundo, em termos relativos, e excedem em muito qualquer limiar de sustentabilidade. Os juros e amortizações das dívidas pública e externa restringem brutalmente a capacidade de investimento do País e a capacidade de o Estado cumprir as funções e competências constitucionalmente atribuídas.
Estas dívidas resultaram e são a face visível da desindustrialização, da desvalorização da agricultura e das pescas, do abandono do aparelho produtivo, da redução do mercado interno, das privatizações, da crescente financeirização da economia, da especulação financeira, do favorecimento público e da evasão fiscal do grande capital, da derrapagem dos défices públicos e externos designadamente para favorecer o sistema financeiro, da submissão à União Europeia e aos monopólios nacionais e estrangeiros, da adesão ao Euro e do agravamento da crise do capitalismo e do seu aproveitamento contra os trabalhadores e o povo.
Com estas dívidas, pública e externa, ganham os setores exportadores dos principais países europeus, ganham os banqueiros, ganham os especuladores, ganham os grandes grupos económicos e financeiros, ganha o grande capital nacional e transnacional; perdem os trabalhadores, os reformados e o povo português, que pagam com os cortes nos salários, nas reformas e nas pensões, nas prestações sociais, nos rendimentos, na saúde, na educação, na ciência, na cultura, nos serviços públicos, com a degradação do poder de compra, dos níveis de vida, dos direitos laborais e cívicos, com o desemprego, a precariedade, a emigração forçada, o empobrecimento e a miséria; perdem a economia nacional e o País, com a entrega ao desbarato de recursos, patrimónios, empresas estratégicas, serviços públicos e centros de decisão, com a degradação do investimento, da capacidade instalada, da produção e da atividade económica, com a recessão e a estagnação económicas, com a destruição de postos de trabalho, de qualificações profissionais, e de milhares de pequenas e médias empresas, com a alienação crescente da riqueza produzida no País, com a deterioração da autonomia e soberania nacional, da vida democrática, da segurança e da tranquilidade pública e da salvaguarda ambiental.
A dívida pública tomou o freio nos dentes. O seu volume é de tal ordem que, com a ausência ou insuficiência de crescimento económico, os juros fazem-na aumentar todos os anos. A dívida externa não permite estancar a sangria de recursos para o estrangeiro. Está seriamente comprometida a solvabilidade financeira do Estado e do País, para lá da incapacidade de cumprir as disposições, gravosas e irrealistas, do Tratado Orçamental, assumido por PS, PSD e CDS. As dívidas pública e externa são insustentáveis e impagáveis. A sua renegociação é uma inevitabilidade, como atempadamente preveniu e propôs o PCP, tendo sido o primeiro partido a apontar esse caminho há mais de três anos, em abril de 2011. Atendendo a que ambas têm uma larga zona de interseção, a renegociação da dívida pública é também, em larga medida, a renegociação da dívida externa. Mas a grande questão é se esta renegociação será feita no interesse dos credores ou no interesse do povo português.
Desde logo, a renegociação da dívida significa o propósito e a iniciativa de negociar com os credores, mas significa ao mesmo tempo a intenção de tomar todas as medidas indispensáveis à concretização dos seus objetivos, independentemente das opções dos credores.
A necessária renegociação das dívidas pública e externa deve proteger Portugal da usura dos que lucraram com elas e não para servir ou acautelar os seus interesses. Deve ser assumida como uma iniciativa do Estado português, com o objetivo de assegurar o direito a um desenvolvimento soberano e sustentável e de garantir um serviço das dívidas que se coadune com o crescimento económico e a promoção do investimento e do emprego.
O processo de renegociação da dívida pública – nos seus prazos, juros e montantes – deve apurar a sua origem, determinar os atuais credores e a perspetiva da sua evolução; admitir a suspensão imediata do pagamento da dívida direta do Estado; assegurar um serviço da dívida compatível com o crescimento e o desenvolvimento económicos; salvaguardar os pequenos aforradores, a segurança social, o setor público administrativo e empresarial do Estado e os setores cooperativo e mutualista; pagar as dívidas em atraso do Estado aos fornecedores e agentes económicos; prevenir e evitar as perdas potenciais de garantias, avales, parcerias e outros contratos do Estado; e diminuir o endividamento externo do sistema bancário.
3. Necessidade de libertar o País da submissão ao Euro
A integração de Portugal na União Económica e Monetária (UEM) e a adesão ao Euro, combatidas pelo PCP – único grande Partido nacional que o fez –, traduziram-se em devastadoras consequências para a economia nacional e o País. O Euro é um projeto do grande capital europeu, das transnacionais europeias e do diretório de potências europeias comandado pela Alemanha. O grande capital nacional, integrado em posição subalterna com o capital estrangeiro, assumiu o projeto como seu e os partidos que o representam – PS, PSD e CDS – impuseram-no ao País. O Euro e os constrangimentos associados à UEM servem especialmente os interesses da banca, nacional e estrangeira, e dos grupos monopolistas, mas são contrários aos interesses dos trabalhadores e do povo português, bem como dos trabalhadores e dos povos europeus.
O Euro representou para Portugal estagnação e recessão, desinvestimento e degradação do aparelho produtivo, endividamento externo e perda de competitividade, endividamento público e ataque especulativo à dívida soberana, descontrolo orçamental e agravamento do défice, aumento do desemprego e da precariedade, redução dos salários e aumento da exploração, desigualdades sociais e pobreza, privatização de empresas estratégicas e degradação das funções do Estado, disparidades regionais e divergência face à média da União Europeia. Portugal produz hoje menos riqueza do que quando se introduziram as notas e moedas de euro e a desigualdade na distribuição da riqueza agravou-se. O Euro submeteu Portugal a imposições de tipo colonial por parte da União Europeia e do seu diretório e amarrou-o à estagnação e à recessão, ao empobrecimento e ao subdesenvolvimento. A subordinação ao Euro revela-se não apenas insustentável para a economia portuguesa, mas também um fator de crescente degradação das condições de vida do povo português.
Libertar o País da submissão ao Euro, ainda que com impactos e custos no curto prazo que não podem ser ignorados e que responsabilizam em primeiro lugar quem atrelou o País a uma moeda contrária aos interesses nacionais, é uma condição necessária, embora não suficiente, para assegurar um desenvolvimento soberano. As vantagens em recuperar a soberania monetária são conhecidas: fim da dependência absoluta dos mercados financeiros no financiamento (de último recurso) do Estado; gestão monetária, financeira e orçamental autónoma, ajustadas à situação do País; abandono do Pacto de Estabilidade e Crescimento, da austeridade e empobrecimento permanentes e dos constrangimentos ao investimento e à atividade produtiva; limitação das perdas de competitividade pela valorização excessiva da moeda comum; e maior resistência à especulação financeira, à saída de capitais e ao endividamento externo. A concretização destes objetivos abriria outras condições, à criação de emprego, ao crescimento e desenvolvimento económicos, ao investimento público e privado, à defesa da produção nacional e a uma via soberana de desenvolvimento e progresso social.
Esta libertação deveria acontecer naturalmente, decorrendo de um processo de dissolução programado e organizado da UEM, que reduzisse ao mínimo as perturbações económicas e financeiras da constituição das novas moedas nacionais e estabelecesse programas financeiros de apoio aos países com economias mais débeis e mais endividados, como Portugal. Dissolução da UEM que o PCP vem propondo desde 2007. Nada indica, no entanto, que sejam essas as intenções dos órgãos da União Europeia. Bem pelo contrário. Assiste-se ao reforço dos instrumentos e mecanismos para um comando político federal e antidemocrático dos Estados da zona Euro, pela Alemanha e pelo diretório das grandes potências.
Simultaneamente, a hipótese de a própria Alemanha, o restante diretório europeu e o grande capital promoverem a saída de Portugal do Euro, se tal lhes for favorável, também não pode ser excluída. Apesar do alívio conjuntural, permanece o risco de uma saída forçada de Portugal da moeda única, provocada, por exemplo, pela impossibilidade de assegurar o financiamento da atividade do Estado ou do sistema bancário. Uma saída forçada, impreparada e catastrófica, precipitada pela degradação da situação nacional ou europeia, orientada pela política de direita, não defende nem interessa ao povo português.
A libertação do País do Euro, que deverá ser associada à luta pela dissolução da UEM, é necessária e pode ser negociada, mas tem como condições fundamentais a preparação do País, o respeito pela vontade popular e uma ação política empenhada em defender nesse processo de saída os rendimentos, as poupanças, os níveis de vida e os direitos do povo português.
A rutura com o Euro deve processar-se de forma a aproveitar plenamente as suas vantagens e a minimizar os seus custos, com o propósito de preservar e melhorar a situação material do povo, de defender e recuperar a capacidade produtiva e acelerar o crescimento económico e de abrir potencialidades ao desenvolvimento do País.
A libertação do País da submissão ao Euro é um processo que, no seguimento das medidas de renegociação da dívida pública, reassume a soberania monetária; adota disposições de transição para a nova moeda; promove a estabilidade e a convertibilidade da nova moeda; viabiliza a banca pública e intervencionada; tranquiliza a população e os agentes económicos quanto às suas poupanças; converte a dívida emitida no País para a nova moeda; traduz para a nova moeda a vida económica e financeira do País; salvaguarda a níveis seguros as reservas de capitais e de divisas do País; restringe a atividade especulativa; garante o aprovisionamento energético e de outros bens essenciais; e defende os salários, pensões, rendimentos e consumo populares.
4. Necessidade do controlo público da banca nacional
A banca privada nacional, reconstituída a partir das privatizações do setor empresarial financeiro público, foi um dos principais veículos e uma poderosa alavanca da concentração e centralização do grande capital e da reconstituição dos grupos económicos e financeiros que dominam, subjugam, oprimem e exploram o povo português.
O setor bancário privado não serviu os trabalhadores, as populações, as empresas, os produtores, a economia nacional e o País. Pelo contrário, prejudicou-os, servindo-se deles para: engrossar os lucros dos grandes acionistas e gestores; acumular ainda mais riqueza numas poucas famílias; espoliar patrimónios e ativos privados e públicos; parasitar o investimento e o gasto do Estado e os empréstimos e financiamentos comunitários; tomar emprestado a juros baixos no estrangeiro e emprestar a juros altos em Portugal; explorar as necessidades do consumo pessoal com o crédito usurário; especular no imobiliário e com a dívida soberana; sugar a riqueza dos setores produtivos e depredar as pequenas e médias empresas; transferir para o estrangeiro vultuosos recursos; promover a desregulamentação financeira, a liberalização de mercados públicos, a fuga aos impostos e a captura de benefícios, licenças, concessões e empresas privatizadas; pressionar e subordinar o poder político e manipular a opinião pública; favorecer de forma ilegítima e até ilegal os negócios dos respetivos grupos empresariais; erguer um sistema de ligações tentaculares, de ocultação de contas e de evasão fiscal, de fuga e lavagem de capitais, nomeadamente como veículos e agentes privilegiados no uso de sociedades offshore em paraísos fiscais e de financiamentos e privilégios a esses mesmos grupos.
As privatizações do setor bancário público retiraram ao Estado alavancas de comando económico, de decisão estratégica e de direção operacional necessárias a uma política económica e financeira de acordo com os interesses nacionais. A situação atual do setor é marcada por um peso crescente, quando não dominante, do capital transnacional, agravando o trespasse de riqueza para o estrangeiro e a perda de capacidade de intervenção e de soberania do País. Em cada ano, são milhares de milhões de euros da riqueza nacional – superiores aos fundos comunitários vindos da União Europeia – que são transferidos para o grande capital estrangeiro sob a forma de lucros, dividendos e juros.
Simultaneamente, agravaram-se a contenção salarial, a precariedade, a retirada de direitos e a destruição de postos de trabalho dos empregados bancários e as taxas, as comissões, os spreads, os pagamentos, as exigências e os abusos aos clientes e utentes dos serviços bancários. A exploração dos trabalhadores e a extorsão dos clientes alimentaram os lucros colossais dos bancos.
A pressão para a subida das taxas de juros, a limitação da concessão de crédito às micro, pequenas e médias empresas, a renitência ao investimento produtivo, o enviesamento para os setores não transacionáveis, a propensão para a especulação financeira, a promoção da concentração e centralização de capitais nos grandes grupos económicos e da concentração fundiária urbana e rural, a dependência das contingências dos mercados bolsistas, de câmbio e da dívida, a exposição a ativos especulativos e tóxicos e maus investimentos, as relações nebulosas e fraudulentas dentro dos respetivos grupos, a descapitalização e a necessidade estrutural do socorro público fazem com que os bancos privados não desempenhem adequadamente o papel de financiadores da economia, antes pelo contrário, contribuam para o agravamento da situação económica e financeira do País. Após anos de acumulação de milhares de milhões de euros de lucros, os prejuízos do conjunto da banca nacional nos últimos três anos, as perdas para o Estado de receitas fiscais e de verbas do auxílio público, e os recentes escândalos financeiros (BPN, BCP, BPP, BANIF e, mais recentemente, o BES) ameaçam ainda mais a situação económica do País.
A necessidade urgente de reconsolidar a globalidade do sistema bancário e de conter os riscos sistémicos para a economia, de assegurar uma efetiva regulação, supervisão e fiscalização da banca e, numa perspetiva mais vasta, a necessidade de travar a especulação financeira e de canalizar as poupanças e recursos financeiros para o investimento na produção nacional, de defender a soberania e impulsionar o crescimento seguro e equilibrado, reclama que a moeda, o crédito e outras atividades financeiras essenciais sejam postas sob controlo e domínio públicos, colocando-as ao serviço dos interesses nacionais.
A proposta tripartida e integrada, de renegociação das dívidas pública e externa, de preparação e estudo para a saída do Euro e de retoma do controlo público da banca, destinada a prover o País de meios para a realização de um projeto soberano e sustentável de crescimento económico e de desenvolvimento social, é inseparável de outras facetas de uma política patriótica e de esquerda necessária ao País. Uma política que aumente a produção nacional e dinamize o mercado interno; promova as exportações e a substituição de importações; amplie o investimento público produtivo; recupere empresas e setores estratégicos para o Estado; apoie as micro, pequenas e médias empresas; reponha e valorize salários, pensões, prestações sociais, rendimentos e direitos da população; combata o desemprego e a precariedade; defenda os serviços públicos; assuma uma verdadeira política de justiça fiscal, tributando o grande capital; diversifique as fontes de financiamento do Estado; saneie as contas públicas; articule a gestão orçamental com o desenvolvimento; concerte a sua ação diplomática com outros países europeus com dificuldades semelhantes, especialmente na luta pela dissolução da UEM; reforce e diversifique as relações comerciais e de cooperação com outros povos; e assuma uma política soberana que afirme o primado dos interesses nacionais.
5. Aplicação da proposta
O rompimento com a política de direita, a defesa da soberania nacional, a colisão com os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros, a renegociação da dívida no interesse do povo português, a recuperação do controlo público da banca, desalojando o grande capital instalado no setor financeiro, e a libertação do País do domínio do Euro, hegemonizado pela alta finança, imprescindíveis para a libertação nacional, o fim da regressão social e a reivindicação de um futuro de progresso e justiça, é um processo que exige, na sua condução, a afirmação do primado dos interesses nacionais sobre quaisquer imposições a que se queira amarrar o País.
O PCP não ignora as dificuldades que esta proposta encerra, sobretudo as que decorrem dos obstáculos e resistências desesperadas daqueles poucos cujas fortunas têm beneficiado das crescentes dívidas pública e externa, da submissão ao Euro e da banca privada, mas a questão decisiva que se coloca para o presente e o futuro do País é a da insustentabilidade da atual situação e da necessidade de libertar o País destes constrangimentos.
Cada uma das três componentes desta proposta tem medidas específicas. Sem prejuízo do entrosamento e encadeamento e da eventual antecipação de algumas dessas medidas, a primeira grande componente a ser realizada é a renegociação da dívida pública e da dívida externa. A libertação do País do Euro, salvo precipitação imposta por circunstâncias ou poderes europeus, poderá constituir um processo mais moroso, que requer a ativação e o desenvolvimento de todos os mecanismos nacionais para preparar o País para essa nova realidade. A recuperação do controlo público da banca, que pode ser feita a diferentes ritmos, estando articulada com o processo de renegociação da dívida e de libertação do País do Euro, tem o valor próprio da colocação da poupança, dos recursos e da atividade financeira ao serviço do País.
A proposta que o PCP apresenta exige uma ação política firmemente empenhada em proteger e salvaguardar os interesses dos trabalhadores, do povo e do País dos possíveis impactos económicos e das represálias do grande capital, em mitigar as dificuldades das famílias e das empresas, em recuperar rapidamente o crescimento e desenvolvimento, em assegurar as condições para uma política de progresso e justiça social.
Pelo exposto, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais em vigor, a Assembleia da República resolve:
- Defender a renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes, orientada pelo objetivo de assegurar a solvabilidade financeira do Estado, com a redução substancial do seu volume e dos seus encargos anuais, e a compatibilização do serviço da dívida com a promoção do desenvolvimento, tomando-se como referência a redução dos juros pagos anualmente em pelo menos três quartos,
e recomendar ao Governo: - 1.1 O apuramento formal da real dimensão da dívida das administrações públicas e do setor empresarial do Estado, desagregando a sua origem, natureza, credores e evolução previsível;
- 1.2 A possibilidade de suspensão do pagamento da dívida direta do Estado, com vista à sua renegociação, excetuando aos setores não abrangidos;
- 1.3 A renegociação da dívida direta do Estado, em particular da correspondente ao empréstimo da troika resultante do memorando de 17 de maio de 2011, com uma redução dos montantes, não inferior a 50% do valor nominal, que em conjunto com a diminuição das taxas de juro e o alargamento dos prazos de pagamento assegure uma redução de pelo menos 75% dos seus encargos anuais através da indexação do serviço da dívida pago anualmente pelo Estado português tendo em conta o valor das exportações;
- 1.4 A salvaguarda das condições contratadas com os pequenos aforradores, detentores de certificados de aforro e certificados do tesouro, e com a dívida na posse da segurança social, do setor público administrativo e empresarial do Estado e dos setores cooperativo e mutualista;
- 1.5 O cumprimento, em todo o setor público, da dívida a fornecedores de bens e serviços, bem como dos créditos comerciais e rendas devidos aos agentes económicos, sem prejuízo de propostas concretas de renegociação;
- 1.6 A revisão ou renegociação sistemática das garantias e avales financeiros concedidos pelas administrações públicas;
- 1.7 A reversão para o Estado das parcerias público-privadas, reduzindo os encargos e suprimindo fontes potenciais de mais endividamento;
- 1.8 A promoção, pelos meios legais admissíveis, da declaração de nulidade ou anulação dos contratos de permuta financeira (swap) celebrados entre entidades públicas empresariais e instituições financeiras, nacionais ou internacionais, eliminando as perdas potenciais;
- 1.9 A tomada de medidas visando a redução do endividamento externo da banca com a depuração e redimensionamento dos balanços de bancos progressivamente intervencionados ou sob controlo público;
- 1.10 A resolução do saldo deficitário do Banco de Portugal para com o Eurosistema na altura da saída do Euro.
- Defender a libertação do País da moeda única, orientada pelo objetivo de recuperar a soberania monetária, com a preocupação de salvaguardar os interesses e as condições de vida dos trabalhadores e do povo, defender os rendimentos e as poupanças da população, travar a chantagem e a especulação financeira, evitar a fuga de capitais e a perda de divisas e garantir a fluidez do comércio internacional e da vida económica do País,
e recomendar ao Governo: - 2.1 O desenvolvimento de propostas fundamentadas para a realização de uma Conferência Intergovernamental para a revogação e suspensão imediata do Tratado Orçamental, a revogação da União Bancária, a revisão do papel do Banco Central Europeu, a abordagem do processo de dissolução da União Económica e Monetária e a extinção do Pacto de Estabilidade, e a criação de um programa de apoio aos países cuja permanência no Euro se tenha revelado insustentável;
- 2.2 A criação de estruturas nos órgãos de soberania para estudar e preparar o País para a saída do Euro e a nova realidade monetária, que tenha em consideração designadamente:
- A independência do Banco de Portugal em relação ao Banco Central Europeu, com a reassunção plena das competências e funções de banco central, designadamente a de banco emissor, regulador e prestamista de último recurso;
- A adoção de um quadro de medidas transitórias que garanta a estabilidade e regular funcionamento da economia, a defesa dos rendimentos e poupanças da população, o combate à fuga de capitais e o adequado funcionamento do comércio externo nas novas condições monetárias;
- A adoção das medidas políticas, técnicas e jurídicas que garantam a circulação e consolidação da nova moeda;
- A inserção dos atuais depósitos bancários, à ordem e a prazo, e outras contas de particulares, empresas e instituições na nova realidade monetária, de modo a defender as poupanças da população e combater a fuga de capitais;
- A implementação, ao longo do tempo, do regime de câmbio mais favorável à defesa dos interesses nacionais, podendo distinguir entre a fase de transição e consolidação da nova moeda e outras posteriores;
- A conversão da dívida emitida segundo a lei nacional, incluindo a dívida emitida pelo Estado e por entidades privadas residentes, para a nova moeda, à taxa de conversão fixada inicialmente de um euro por uma unidade da nova moeda;
- A promoção da convertibilidade, da cotação e da negociação internacionais da nova moeda;
- O acréscimo de fiscalização, intervenção e controlo público (incluindo por via da nacionalização) dos bancos privados e de outras instituições financeiras;
- A compensação dos pequenos aforradores, da segurança social, do setor público administrativo e empresarial do Estado e dos setores cooperativo e mutualista, de eventual desvalorização, face ao valor original em euros, de dívida pública na sua posse;
- A conversão das operações e transações monetárias, incluindo das obrigações decorrentes de contratos, nomeadamente de arrendamento, para a nova moeda;
- A implementação, numa primeira fase, do controlo dos movimentos de capitais de curto prazo e a sujeição a autorização pelo Banco de Portugal dos movimentos de médio e longo prazos;
- O encerramento definitivo do offshore da Madeira;
- A adequação dos salários e das pensões e prestações sociais às variações da inflação;
- A criação de sistemas de regulação de preços, combatendo pressões inflacionistas e especulativas, designadamente em serviços essenciais e em bens de primeira necessidade.
- Defender a recuperação do controlo público da banca comercial e de outras instituições financeiras, orientada pelo objetivo de retomar o controlo democrático sobre o sistema financeiro, reconstituindo um poderoso polo de propriedade pública, considerando para este efeito formas e ritmos diversos, de controlo público, como a eventual aquisição vantajosa de influentes participações na estrutura acionista, a intervenção de emergência ou a nacionalização;
e recomendar ao Governo: - 3.1 O desenvolvimento, a partir do Governo, do Banco de Portugal e restantes supervisores financeiros, de um conjunto de medidas de efetiva supervisão, fiscalização e inspeção permanente e minuciosa dos bancos e outras instituições financeiras;
- 3.2 O desenvolvimento do conjunto de medidas políticas, técnicas e jurídicas que, a partir do diagnóstico efetuado, abram caminho a um processo progressivo de controlo público da banca;
- 3.3 A assunção pelo Estado de responsabilidades de administração direta, além da Caixa Geral de Depósitos, de bancos ou outras instituições financeiras onde tenham sido alocados fundos públicos;
- 3.4 A intervenção de emergência, justificada pela defesa do interesse público, na gestão de bancos privados em situação de grave insuficiência de capitais, para manutenção do funcionamento, apuramento de responsabilidades, limitação de danos e salvaguarda da economia nacional;
- 3.5 O expurgo dos ativos tóxicos e duvidosos, saneamento e consolidação dos balanços dos bancos intervencionados;
- 3.6 A recapitalização e cumprimento paulatino de rácios de capitais seguros nos bancos públicos, sem prejudicar a concessão de crédito de acordo com as prioridades da política económica e social;
- 3.7 A profunda reorganização, a partir do controlo público, dos objetivos, funcionamento e estrutura do sistema bancário, em benefício dos setores produtivos, dos pequenos e médios empresários, das famílias, das populações urbanas e rurais, da economia nacional e do País;
- 3.8 A inclusão, como objetivos da reorganização do sistema bancário público reforçado, da cooperação da banca com o projeto de desenvolvimento do País; do estímulo ao crescimento económico, sem obsessões dogmáticas com a inflação; da articulação, integração e centralização do sistema após a libertação do País do Euro no renovado banco central nacional; da captação de poupanças para o investimento produtivo; da interdição ou penalização da especulação financeira; do crédito de incentivo ao investimento inovador, diversificador e modernizador do tecido produtivo; do crédito em condições favoráveis ao setor cooperativo e às micro, pequenas e médias empresas; do alívio das comissões e taxas cobradas aos clientes e utentes; do respeito pelos direitos, as remunerações e as condições de trabalho dos bancários.