Projecto de Resolução N.º 1469/XII/4.ª

Rejeita a municipalização da educação e defende a universalidade da Escola Pública e o cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo

Rejeita a municipalização da educação e defende a universalidade da Escola Pública e o cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo

Exposição de motivos
I

O direito de todos à Educação é uma das principais conquistas do 25 de Abril de 1974, e pilar do regime democrático.

A responsabilidade do Estado na garantia da igualdade de oportunidades no acesso ao ensino está bem identificada na Lei de Bases do Sistema Educativo, que determina que “É responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares.”

Também a responsabilidade do Estado no que respeita a responsabilidades constitucionais e às funções sociais do Estado, está consagrada na Constituição da República Portuguesa, designadamente, na que concerne à Educação, no artigo 73º, no qual se afirma que “Todos têm direito à educação e à cultura.” e que “O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva.” Responsabilidade reforçada no 74º. artigo onde incumbe ao Estado, entre outras matérias, “Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito” garantindo “a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística” e estabelecendo “progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino.”

Sucessivos governos PS, PSD e CDS têm elegido as funções sociais do Estado como um “alvo a abater”, trabalhando para a sua destruição, já que são possíveis áreas de negócio para os interesses privados, como acontece com a Educação.

A Escola pública, gratuita, democrática, de qualidade e inclusiva, consagrada na Constituição da República Portuguesa tem vindo a ser desmantelada com o claro objetivo de, por via da sua fragilização, criar espaços para o ensino privado (como se pode verificar com o chamado “cheque-ensino” e com o financiamento direto do Estado ao ensino privado).

As medidas que têm sido implementadas pela tríade (PS, PSD e CDS) que se tem alternado no Governo, no seu essencial não diferem, e as suas políticas têm-se traduzido num subfinanciamento às escolas públicas, levando a que se verifique hoje uma profunda carência de professores, funcionários, profissionais de Educação Especial e outros técnicos e uma significativa falta de meios materiais para responder às necessidades dos alunos. Acresce o aumento do número de alunos por turma, o encerramento de escolas e a criação de mega-agrupamentos - instrumentos políticos de desmantelamento da Escola Pública. A nível da Ação Social Escolar, esta tem sido manifestamente insuficiente. Todas estas medidas têm contribuído para a degradação do papel da Escola Pública enquanto instrumento de eliminação das barreiras económicas, sociais e culturais, de emancipação individual e coletiva e de formação integral dos indivíduos.

As opções políticas levadas a cabo pelos governos PS, PSD e CDS, orientadas por uma matriz ideológica economicista e de benefício dos interesses privados, têm tido como resultado o despedimento de docentes, não docentes, técnicos, a redução do número de psicólogos, a degradação dos edifícios, o agravamento da falta de meios materiais, a discriminação direta de milhares de crianças e jovens com necessidades especiais, cuja ausência de resposta da Escola Pública os empurra para situações de exclusão.

O atual Governo PSD/CDS, agravando políticas de anteriores governos, que agora vem propor a transferência de competências para as autarquias, designadamente na Educação, é o mesmo governo que tem aprofundado as assimetrias regionais, encerrando escolas públicas, e promovido o financiamento de escolas privadas, tal como promove a escola dual, assim estimulando uma maior elitização do ensino público.

II

Já anteriormente, designadamente nos Orçamentos do Estado de 1984 e 1985 (com um Governo PS/PSD) foi feita uma tentativa de municipalização do ensino, curiosamente num momento em que o FMI se encontrava em Portugal.

A municipalização coloca em causa o caráter universal da Escola Pública, atacando os seus princípios enquanto função social do Estado e instrumento insubstituível para o combate às desigualdades económicas e sociais e às assimetrias regionais e para a inclusão de todos e de cada um, independentemente das suas condições económicas e sociais, das suas características culturais ou das suas capacidades e especificidades individuais.

PSD e CDS recuperam propostas do passado, impondo, nas costas dos trabalhadores e das suas estruturas representativas, desrespeitando os seus direitos e legítimas posições, à revelia das populações e das autarquias, num processo pouco claro, uma transferência de competências para as autarquias locais, que mais não é do que uma desresponsabilização do próprio Governo perante matérias que são, inequivocamente, da sua responsabilidade – conforme, aliás, determina a Lei de Bases de Sistema Educativo e consagra a Constituição da República Portuguesa.

O PCP defende que há necessidade de descentralizar – mas descentralizar para desburocratizar o País, para combater as assimetrias regionais, para fomentar o desenvolvimento económico e social e acima de tudo para melhorar a prestação de serviços públicos às populações.

Entendemos ser necessário alterar a organização administrativa em função destes mesmos objetivos, descentralizando e desconcentrando a estrutura do Estado. Mas é também imprescindível avançar na discussão, abordando aspetos decisivos, como a participação política das populações ou a instituição de órgãos legitimados democraticamente, bem como a criação de regiões administrativas ou o que deve ser o quadro de atribuições específicas de cada nível da estrutura e organização administrativa do Estado.

Mas não é isso que está a ocorrer. O Governo PSD/CDS pretende somente a desresponsabilização do Governo no cumprimento das suas obrigações e na garantia de direitos, constitucionais, fundamentais e universais.

Municipalização da Educação é sinónimo de desresponsabilização do Governo; de mais um estratagema para a futura privatização da Escola Pública (como sucedeu, anteriormente, com as AEC’s); de transferência do descontentamento das populações para as autarquias; de agravamento das disparidades territoriais, com escolas públicas a diferentes velocidades.

Importa referir que este processo de municipalização das funções sociais do Estado e, nomeadamente da Educação, é desencadeado e conduzido, contra a vontade da comunidade escolar e das autarquias, é concretizado num quadro de extremas dificuldades para os municípios, decorrente da asfixia financeira imposta pelo Governo PSD/CDS e da total ingerência na sua autonomia.

Mas este é também um processo de desresponsabilização do Governo, porque somente prevê disponibilizar os recursos que hoje são já disponibilizados, isto é, sem o reforço dos meios para o cumprimento adequado destas atribuições e competências não é possível resolver os problemas hoje existentes.

Importa ainda referir que, realizando-se através de uma contratualização, na prática o que se verifica é uma mera delegação de competências, sendo que o Governo contratualiza, com uma outra entidade (no caso, as autarquias locais) a realização de competências que continuam a ser da responsabilidade da Administração Central, o que significa que as autarquias passam a ser meros executantes da política do Governo.

O PCP rejeita este caminho de reconfiguração do Estado, de ataque às funções sociais do Estado e de desmantelamento da Escola Pública.

A degradação da Escola Pública representa a degradação do próprio regime democrático.

É fundamental retomar os valores de Abril, concretizar o projeto constitucional e os objetivos estabelecidos na Lei de Bases do Sistema Educativo, o que só será possível rompendo com a política de direita, designadamente pela valorização dos profissionais da educação e pela contratação de mais meios humanos; pelo cumprimento dos direitos dos estudantes; pela gratuitidade do ensino; pela eliminação de um conjunto de barreiras que acentuam as desigualdades económicas e sociais; pela reconstrução da gestão democrática das escolas; pelo enriquecimento dos currículos e pela modernização do parque escolar, devendo o Estado assumir todas as suas responsabilidades nesta matéria. Estas são condições indispensáveis para concretizar uma Escola Publica, gratuita, de qualidade, democrática e inclusiva.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte

Projeto de Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, que:

1 Anule o processo de municipalização da educação, em particular os contratos já estabelecidos entre o Governo e autarquias, reassumindo as responsabilidades governamentais entretanto transferidas para as autarquias;

2 Revogue o Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro, que estabelece o regime de transferência de competências para as autarquias;

3 Adote medidas de reforço da Escola Pública, nomeadamente:

3.1. Proceda à contratação, por concurso nacional e com vínculo público efetivo, de todos os profissionais da Educação que respondam a necessidades permanentes das escolas públicas;
3.2. Adote as medidas necessárias para garantir a progressiva gratuitidade do Ensino a todos os alunos, em todos os graus de ensino, como previsto na Constituição da República Portuguesa;
3.3. Garanta a gratuitidade dos manuais escolares em todo o ensino obrigatório;
3.4. Reforce o financiamento da Ação Social Escolar;
3.5. Reforce o financiamento às escolas públicas, designadamente orçamentado verbas que respondam à totalidade de despesas de funcionamento das escolas públicas (como salários, gastos com materiais, gastos com funcionamento e manutenção dos edifícios);
3.6. Reforce o financiamento à Educação Especial, com vista a assegurar mais professores, assistentes operacionais e técnicos de Educação Especial, bem como meios materiais que garantam a estas crianças e jovens a sua efetiva inclusão nas escolas públicas da sua comunidade;
3.7. Requalifique as instalações/infra-estruturas das escolas públicas, assegurando que os edifícios têm efetivas condições de funcionamento, com qualidade e dignidade;
3.8. Proceda à extinção dos mega-agrupamentos e garanta a gestão democrática das escolas.

Assembleia da República, em 15 de maio de 2015

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