Exposição de motivos
Para que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tenha capacidade para assegurar os cuidados de saúde a que os utentes têm direito tem de estar dotado do adequado número de profissionais de saúde. Não é por acaso que um dos aspetos da estratégia de desmantelamento do SNS passa pelo ataque aos direitos dos trabalhadores da saúde. Sem trabalhadores da saúde no SNS, este não consegue assegurar a prestação de cuidados de saúde aos utentes.
Uma das consequências da falta de profissionais de saúde nos centros de saúde e nos hospitais é o elevado tempo de espera nas consultas, cirurgias, exames e tratamentos. A falta de profissionais de saúde reflete-se também no elevado número de utentes sem médico e enfermeiro de família.
Uma das dificuldades com que o SNS se confronta é a contratação e fixação de profissionais de saúde. Muitos profissionais de saúde abandonam o SNS porque não lhes são garantidas condições de trabalho e porque se sentem desmotivados e não são devidamente reconhecidos no seu desempenho profissional. Não são asseguradas carreiras dignas, nem uma perspetiva de progressão e de desenvolvimento profissional atrativas. À sangria de profissionais de saúde do SNS para unidades de grupos privados ou para fora do País, acrescem as saídas por aposentação. E há profissionais de saúde que dada a desvalorização profissional, social e remuneratória, nem sequer pretendem desempenhar funções no SNS. Há vagas a concurso que ficam por preencher, nomeadamente no caso dos médicos. No caso dos enfermeiros, muitos emigram, ou abandonam a profissão, quando são necessários no nosso País.
Para garantir que as consultas, as cirurgias, os exames e os tratamentos sejam realizados a tempo e horas, assim como o médico e enfermeiro de família para todos os utentes, é preciso assegurar a contratação e a fixação de profissionais de saúde no SNS, através da adoção de soluções que passam pela valorização das carreiras, das progressões e das remunerações; pela implementação do regime de dedicação exclusiva; pelo alargamento da atribuição de incentivos para a colocação de profissionais de saúde em áreas geográficas com carências em saúde e da garantia de condições de trabalho, incluindo o investimento na modernização de equipamentos.
O regime de dedicação exclusiva no SNS, dirigido aos médicos, foi revogado em 2009. Desde então o número de médicos em dedicação exclusiva tem vindo sistematicamente a reduzir, sendo hoje uma minoria no SNS, com evidentes prejuízos para os serviços e os utentes.
Há médicos interessados em trabalhar em dedicação exclusiva que estão hoje impossibilitados de aderir a este regime. A implementação de um regime de dedicação exclusiva, opcional, é fundamental para atrair profissionais de saúde para o SNS, e valorizar o desempenho de funções em exclusivo no serviço público.
Apesar de constar da nova Lei de Bases da Saúde, o Governo até ao momento não teve disponibilidade para implementar um regime de dedicação exclusiva. Na discussão do Orçamento do Estado para 2021, o PCP já tinha apresentado uma proposta de dedicação exclusiva que acabou rejeitada. Na proposta de Orçamento do Estado para 2022 o Governo PS não assumiu qualquer compromisso, referindo apenas que a implementação da dedicação plena em 2022 seria na sequência da aprovação do Estatuto do SNS. Contudo, a proposta de dedicação plena que consta do projeto de Estatuto do SNS colocado em discussão pública, não corresponde ao que se exige para valorizar e fixar os profissionais de saúde no SNS.
Ainda no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2022, o PCP adiantou soluções concretas para implementar o regime de dedicação exclusiva a partir de janeiro do presente ano, porém o Governo PS novamente não assumiu nenhum compromisso, optando claramente pela não resolução dos problemas com que se confronta o SNS e os profissionais de saúde.
Salvar o SNS (face à gigantesca campanha com vista à sua descredibilização dirigida por forças reacionárias e de direita e à ausência de respostas do PS para ultrapassar as suas insuficiências e travar a sangria de profissionais de saúde do SNS) é uma prioridade para o PCP.
É neste sentido que o PCP propõe a implementação de um regime de dedicação exclusiva, de natureza opcional, com a majoração de 50% da remuneração base mensal e o acréscimo na contabilização dos pontos para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, vedando a possibilidade de exercer simultaneamente funções em unidades de saúde do setor privado e social.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece o regime de dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Artigo 2.º
Âmbito
- A presente lei aplica-se aos médicos e enfermeiros que desempenham funções nos órgãos, organismos, serviços e demais entidades do SNS, incluindo o setor público empresarial.
- São abrangidos pela presente lei os trabalhadores referidos no número anterior, independentemente da modalidade e vínculo contratual.
- O Governo pode estender o regime de dedicação exclusiva a outras carreiras na área da saúde, cuja necessidade de fixação de profissionais no SNS comprovadamente se verifique.
Artigo 3.º
Dedicação Exclusiva no Serviço Nacional de Saúde
- A partir de 2022 é implementado o regime de dedicação exclusiva no SNS, de natureza opcional para os médicos e enfermeiros.
- Os profissionais de saúde que aderirem ao regime de dedicação exclusiva têm uma majoração de 50% da remuneração base.
- Aos profissionais de saúde em regime de dedicação exclusiva é também assegurado o seguinte:
- A majoração de 0,5 ponto por cada ano avaliado ou 1 ponto por cada ciclo de avaliação (biénio), devendo ocorrer alteração obrigatória de posicionamento remuneratório, conforme previsto na lei.
- O aumento da duração do período de férias em dois dias, acrescidos de mais um dia de férias por cada cinco anos de serviço efetivamente prestado;
- Sem prejuízo de situações excecionais que possam comprometer a prestação de cuidados de saúde, o gozo do período de férias a que legalmente tem direito, em simultâneo com o cônjuge ou a pessoa com quem viva em união de facto;
- Sem prejuízo de situações excecionais que possam comprometer a prestação de cuidados de saúde, o gozo de 11 dias úteis consecutivos do período de férias a que legalmente têm direito, durante as férias escolares dos seus filhos ou dos filhos do cônjuge ou pessoa com quem viva em união de facto que faça parte do seu agregado familiar;
- O aumento, em dobro, do limite máximo de duração da licença sem perda de remuneração, previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto, a conceder pela entidade empregadora;
- A participação em atividades de investigação ou desenvolvimento das correspondentes competências e qualificações profissionais, mediante exercício de funções em serviços ou estabelecimento de saúde à sua escolha, situados em território nacional, pelo período máximo de 15 dias, por ano, seguido ou interpolado, com direito a ajudas de custo e transporte nos termos legais;
- A preferência, caso o trabalhador se candidate, nos termos legais, a procedimento concursal de recrutamento para preenchimento de postos de trabalho na categoria subsequente, na lista de ordenação final dos candidatos, em caso de igualdade de classificação.
- O regime de dedicação exclusiva aplica-se obrigatoriamente aos profissionais que exerçam funções de direção.
Artigo 4.º
Incompatibilidades
Aos médicos e enfermeiros que adiram ao regime de dedicação exclusiva fica vedado o exercício de funções em unidades de saúde do setor privado e social.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
- A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- Compete ao Governo a criação de condições para que a presente lei produza efeitos em 2022, considerando a disponibilidade orçamental para o ano económico, incluindo a possibilidade de recurso a financiamento comunitário.