Projecto de Lei N.º 228/XV/1.ª

Regime de contratação e colocação de psicólogos nos estabelecimentos públicos de ensino

(1.ª alteração do Decreto-Lei n.º 190/91, de 17 de maio)

Exposição de motivos

Compete ao Estado, de acordo com o artigo 73.º Constituição, a promoção da democratização da educação, contribuir para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais e o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva.

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) assume que “o sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho”. Refere ainda no artigo 29.º que o “apoio no desenvolvimento psicológico dos alunos e à sua orientação escolar e profissional, bem como o apoio psicopedagógico às actividades educativas e ao sistema de relações da comunidade escolar, são realizados por serviços de psicologia a orientação escolar profissional (…)”.

O impacto positivo dos psicólogos no contexto escolar é devidamente reconhecido, nomeadamente em áreas como: saúde mental global da comunidade educativa; efetiva educação para a saúde; melhoria das aprendizagens; prevenção do abandono, da insegurança e da indisciplina; gestão de conflitos entre pares, entre alunos e professores e entre diversos agentes educativos; promoção de competências transversais; processo de tomada de decisão vocacional; inclusão de alunos com necessidades educativas especiais e melhoria das suas aprendizagens; integração de minorias étnicas e melhoria das suas aprendizagens; promoção da igualdade entre homens e mulheres; aproximação dos encarregados de educação à escola; melhoria da saúde mental dos professores; formação do pessoal docente e não docente.

Este impacto positivo tem tido expressão no combate ao abandono e insucesso escolar; maior qualidade na aquisição de conhecimentos e no processo de aprendizagem; maior sinergia de recursos humanos; maior decisão vocacional; mais e melhor saúde sexual e reprodutiva; menor consumo de substâncias psicotrópicas; maior participação dos diversos agentes educativos.

Ao reconhecimento e valorização do trabalho dos psicólogos em meio escolar é fundamental que correspondam condições efetivas de estabilidade laboral, pessoal e pedagógica, bem como a possibilidade de ingresso e progressão na carreira.

No entanto, a política educativa de sucessivos governos tem contrariado a Constituição e a LBSE pelo contínuo desinvestimento nas condições materiais, humanas e pedagógicas da escola pública, nomeadamente no que aos psicólogos e outros profissionais das ciências da educação diz respeito.

O Estudo “Saúde Psicológica e Bem-Estar” elaborado em parceria com várias entidades como a DGEEC, DGE, PNPSE, OPP, entre outros, refere que a “promoção da saúde mental deve ser encarada como uma prioridade, e as escolas têm um papel fundamental a desempenhar neste sentido. Um ambiente escolar saudável, contribui não só para um ajustamento positivo, como para um bom desenvolvimento psicológico dos mais jovens”.

Este estudo evidencia a necessidade da proposta do PCP de reforço da contratação de psicólogos escolares ao referir que “cerca de um terço dos alunos acusa sinais de sofrimento psicológico e défice de competências socio emocionais em pelo menos uma das medidas consideradas, apresentando sinais de sofrimento psicológico a exigir atenção e carência de recursos para lhe fazer face.” Já os professores, “pelo menos metade dos docentes acusa sinal de sofrimento psicológico em pelo menos uma das medidas consideradas.”

De acordo com as recomendações internacionais, tal como refere a Ordem dos Psicólogos no Parecer sobre o Rácio de Psicólogos e Psicólogas, “o rácio de psicólogos com intervenção em contexto escolar/alunos não deve exceder os 500 alunos para um psicólogo, de modo que seja possível o psicólogo realizar as intervenções psicológicas multinível, que respondam a necessidades de intervenção, prevenção e promoção da Saíde Psicológica escolar e de bem-estar da comunidade educativa.” Refere ainda que o rácio deve ser mais reduzido quando o trabalho do psicólogo incluir alunos com necessidades educativas específicas ou em situações de especial vulnerabilidade. Ora, e de acordo com o mesmo Parecer, o rácio em Portugal continua “aquém das recomendações internacionais, correspondendo a um psicólogo em contexto escolar por cada 694 alunos.

Os impactos da epidemia nas crianças e jovens, sobretudo ao nível da saúde mental são extremamente preocupantes, o que exige que o número de psicólogos nas escolas seja reforçado.

Em 1997, através do Decreto-Lei n.º 300/97, de 31 de outubro, foi criada a carreira do Psicólogo no âmbito do Ministério da Educação, que permitia não só o recrutamento e vinculação destes trabalhadores para a escola pública como garantia a progressão na carreira. Contudo, em 2018 este regime foi revogado e estes trabalhadores transitaram para a carreira geral de técnico superior.

O regime de contratação dos psicólogos nas escolas segue hoje os procedimentos previstos no “regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados”, sendo assim contratados, como técnicos especializados, através de contratação de escola. Neste sentido, estes trabalhadores são exemplo do recurso à precariedade na escola pública.

Este tipo de contratação anual, que usualmente é crivada de atrasos na colocação e de grande rotatividade dos trabalhadores leva a que a qualidade da intervenção psicológica seja afetada negativamente, não permitindo um trabalho e planificação continuada. Coloca também em causa a devida inserção e envolvimento mais profundo do psicólogo na escola e na comunidade escolar para dar resposta a necessidades permanentes do sistema educativo.

O PCP entende a psicologia em contexto escolar como um instrumento de reforço da escola pública de qualidade. Assim, a presente iniciativa legislativa pretende dar um contributo para o ingresso e estabilidade na carreira dos psicólogos e na resposta às necessidades das escolas.

O PCP considera que estes trabalhadores são essenciais às escolas, tendo de existir em número suficiente para poderem dar resposta às necessidades sentidas e as verbas para a sua contratação devem ser previstas anualmente em Orçamento do Estado (e não através de fundos comunitários), e inseridas nas transferências para os orçamentos de funcionamento dos estabelecimentos de ensino.

A continuidade da política de degradação das condições de trabalho dos psicólogos em contexto escolar, com consequências gravosas para estes profissionais e para toda a comunidade educativa, põe em causa a qualidade da escola pública, de qualidade, democrática e inclusiva.

Com a apresentação deste Projeto de Lei o PCP pretende que os estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e ensino secundário tenham, nos seus quadros de pessoal e de acordo com as necessidades específicas da comunidade escolar, o número adequado de psicólogos (de acordo com o rácio de um psicólogo para 500 alunos). Considerando também a situação precária destes trabalhadores, é criado um regime de recrutamento e contratação e vinculação na carreira de psicólogo, deixando de se aplicar a estes trabalhadores as normas do regime de recrutamento e contratação docente. Prevê-se ainda a abertura de um processo negocial para a recuperação da carreira do psicólogo no âmbito do Ministério da Educação.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei define o regime de contratação e colocação de psicólogos nos estabelecimentos públicos de educação e ensino, procedendo à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 190/91, de 17 de maio.

Artigo 2.º

Âmbito

A presente lei aplica-se aos serviços de psicologia e orientação dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário criados pelo Decreto-Lei n.º 190/91, de 17 de maio.

Artigo 3.º

Alterações ao Decreto-Lei n.º 190/91, de 17 de maio

Os artigos 8.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 190/91, de 17 de maio, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 8.º

(…)

  1. (…).
  2. (…).
  3. O número de psicólogos a compor as equipas técnicas, de acordo com o previsto na alínea a) do artigo anterior tem em conta o rácio de um psicólogo para cada 500 alunos, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
  4. Nas escolas não agrupadas com número de alunos inferior a 500 alunos, é garantida a contratação de um psicólogo.
  5. É permitido aos estabelecimentos públicos de ensino o reforço do número de psicólogos, atendendo ao número de alunos apoiados com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão ou outros critérios pedagógicos julgados pertinentes e às especificidades geográficas de cada agrupamento de escola, nos termos de regulamentação específica.
  6. (anterior n.º 3).
  7. (anterior n.º 4).
  8. (anterior n.º 5).

Artigo 14.º

Recrutamento e colocação de psicólogos

  1. O recrutamento e colocação de psicólogos nas escolas são concretizados através de concurso nacional de colocação por lista graduada, a realizar anualmente, nos termos da legislação aplicável à contratação em funções públicas.
  2. O regime de contratação em funções públicas é aplicável até à aprovação de um regime específico para o recrutamento e integração de psicólogos, no âmbito da carreira especial de psicólogo, tal como previsto no n.º 5 do presente artigo.
  3. O Governo, através do Ministério da Educação, fixa anualmente os termos do concurso de colocação de acordo com as necessidades identificadas no sistema educativo, nomeadamente as necessidades identificadas por cada agrupamento de escolas ou escolas não agrupadas e nos termos do presente artigo.
  4. Compete ao Governo a criação de vagas de vinculação em quadro de escola ou quadro de agrupamento de escola, correspondentes ao rácio previsto no n.º 3 do artigo 8.º.
  5. O Governo procede à abertura das vagas necessárias ao cumprimento do previsto no n.º 5 do artigo 8.º, extinguindo-se as mesmas quando a necessidade cessar.
  6. (anterior n. º 4).
  7. Os psicólogos providos a partir dos concursos previstos no presente artigo ingressam na carreira especial de psicólogo no âmbito do Ministério da Educação, a aprovar no prazo de 6 meses após a publicação da presente lei.”

Artigo 4.º

Abertura de um processo negocial para a criação da carreira de psicólogo no âmbito do Ministério da Educação

  1. O Governo, no prazo de 30 dias após a publicação da presente lei, procede à abertura de um processo negocial para a criação da carreira de psicólogo no âmbito do Ministério da Educação, tendo em conta o seguinte:
    1. Ingresso e acesso à carreira e respetivas categorias;
    2. Garantia de um regime de mobilidade;
    3. Conteúdo funcional, tendo por base:
      1. A capacidade de intervenção do psicólogo com formação na área da psicologia educacional junto da comunidade escolar;
      2. A capacidade de desenvolver intervenção psicológica baseada nas necessidades da comunidade escolar, sejam elas de carácter preventivo, promocional ou remediativo, de forma direta ou com base em modelos de consultadoria, nos domínios da aprendizagem, das relações interpessoais, da inclusão e da orientação vocacional, orientada para os alunos, para os diferentes agentes educativos e para a escola enquanto estrutura organizacional.
      3. A possibilidade de colaboração ou participação em equipas multidisciplinares constituídas nas escolas e de apoio à comunidade docente, para efeitos pedagógicos;
      4. Definição e execução de projetos da comunidade escolar e da escola ou agrupamento;
      5. Outros serviços de psicologia, que possam ser definidos no âmbito da autonomia escolar.

Artigo 5.º

Norma Regulamentar

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 60 dias após a sua publicação.

Artigo 6.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.

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