Mais de 40 anos após a aprovação da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde em 15 de Setembro de 1979, o SNS está hoje confrontado com uma gigantesca operação liderada pelos grupos privados do negócio da doença, pelos seus representantes políticos e os propagandistas do costume que tudo têm feito, ao longo dos anos, para que estes grupos substituam o serviço público na prestação de cuidados de saúde e assim vejam entrar nos cofres das suas empresas milhares de milhões de euros, dinheiro público que deve ser utilizado no reforço do SNS.
A Constituição da República Portuguesa designou o SNS como instrumento da concretização da responsabilidade prioritária do Estado em garantir o direito à saúde a todos os portugueses, independentemente das condições sociais e económicas de cada um.
Com a criação do SNS, e apesar de sistematicamente atacado e desacreditado, foi possível o País sair de uma posição de grande atraso ao nível da saúde, e em pouco tempo ocupar um lugar destacado a nível mundial nos principais indicadores, como são a taxa de mortalidade infantil, esperança de vida à nascença e de vacinação. A OMS no ano 2000 classificou-o mesmo como o 12º melhor a nível mundial.
Mas a vida do SNS foi sempre muito difícil. Contra ele sempre estiveram os chamados interesses “instalados na saúde” designadamente a direita médica, os grupos privados dominantes na produção e distribuição de produtos farmacêuticos e equipamentos e os grupos privados com as respectivas seguradoras.
Ao longo dos anos, através da intervenção política do PSD, CDS/PP e do PS em muitos momentos, foi possível a esse conglomerado de “interesses instalados” impedir a articulação e exploração das integrais potencialidades do SNS, parasitando-o e utilizando-o como instrumento da transferência de recursos públicos para a acumulação privada.
Governo a Governo, os representantes desses interesses, por nomeação partidária, consoante o partido de turno no governo, nas diferentes instâncias e serviços, ao longo de dezenas de anos de política de direita, particularmente entre 2011 e 2015, levaram o SNS a uma situação que não lhe permitiu, em muitos momentos, cumprir integralmente com a sua missão com prejuízos evidentes para os interesses do povo e do País.
Se considerarmos o período entre 2012 e 2017, o subfinanciamento real atingiu cerca de 20% em média/ano; encerraram 4 500 camas entre 2005 e 2015; encerraram e transferiram valências hospitalares; fecharam unidades de saúde de proximidade nos cuidados primários; fecharam maternidades e serviços de urgência. Estas são apenas algumas das malfeitorias contra o SNS.
Um processo de desvalorização e desacreditação do SNS que teve sobretudo na desvalorização social, profissional e salarial dos profissionais de saúde, um dos elementos centrais da ofensiva.
A aposta num clima de instabilidade dos vínculos laborais, grande insatisfação salarial, desmotivação resultante da falta de condições de trabalho, tem feito parte de uma estratégia que tem o objectivo de levar milhares de profissionais de saúde a saírem do SNS para os grupos privados ou para a reforma antecipada, muitos deles fundamentais ao funcionamento dos serviços, enquanto muitos outros deixaram de ter horários a tempo inteiro no serviço público e passaram a dividir o horário de trabalho entre o público e o privado.
Um processo que tem criado grandes dificuldades na organização dos serviços e à formação de novos médicos.
Sem profissionais motivados e valorizados, não é possível garantir um Serviço Nacional de Saúde com a natureza e as características do que temos no nosso País.
Não é possível ao SNS cumprir integralmente com as suas responsabilidades, quando os níveis de promiscuidade entre o público e o privado atingem a dimensão que se verifica, ou quando não se utilizam as integrais capacidades das unidades do SNS e se transferem para os grupos privados: milhares de cirurgias; exames de diagnóstico e tratamentos; a gestão de grandes unidades hospitalares em regime de PPP, com benefícios significativos para os grupos privados e que custam mais de 400 milhões de euros ano.
Cerca de 40% do orçamento do SNS é transferido anualmente para os grupos privados para pagar convenções, contratualizações, produtos farmacêuticos, PPP, dinheiro que em grande medida devia ser investido no reforço do SNS.
Em consequência da política de direita na saúde, à medida que encerravam milhares de camas nos hospitais públicos, fechavam serviços de proximidade, nomeadamente na área dos cuidados de saúde primários, maternidades e urgências, novos hospitais privados foram crescendo como cogumelos por todo o País, ao mesmo tempo que se desenvolveu um processo de concentração com os 4 grandes grupos privados a adquirirem dezenas de clínicas e pequenas unidades hospitalares. Quatro grandes grupos cujo capital social é hoje detido maioritariamente por capital estrangeiro.
Hoje é reconhecido pela generalidade dos portugueses o papel insubstituível do SNS na resposta ao surto epidémico, tendo ficado claro que é a única resposta capaz de garantir o direito à saúde, particularmente nos momentos mais difíceis. Para a resposta dada contribuíram de forma muito significativa, os mais de 130 000 profissionais - médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, assistentes técnicos operacionais e todos os que estão inseridos no socorro aos portugueses, nomeadamente os profissionais do INEM, os Bombeiros, os agentes das Forças de Segurança e a Protecção Civil.
Tal como temos afirmado o desenvolvimento da operação contra o SNS, a pretexto dos atrasos verificados no tratamento de outras patologias, surge precisamente no momento em que caiu por terra o mito das vantagens da gestão privada e da empresarialização, com os grupos privados a esconderem-se do vírus e a verem reduzida a sua actividade de forma significativa.
Se foi possível adoptar um plano de emergência para responder aos impactos da COVID-19, também é possível concretizar um plano de emergência para fortalecer a resposta geral do SNS no plano hospitalar, dos cuidados de saúde primários e da saúde pública, recuperar atrasos e garantir a actividade regular.
O que se impõe hoje, não é questionar a capacidade do SNS responder às necessidades do povo na prestação de cuidados de saúde, mas sim concretizar as medidas necessárias e há muito identificadas, de reforço do serviço público.