Exposição de motivos
Sete dezenas de municípios nas regiões Norte e Centro do país (distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Porto, Viana do Castelo, Vila real e Viseu) foram atingidos, em meados de setembro, por incêndios rurais de especial severidade, que, além de terem percorrido extensas áreas florestais e agrícolas, destruíram ou afetaram habitações, instalações e estruturas dedicadas a atividades relacionadas com a agricultura e a pecuária, e outras unidades económicas.
Em consequência, inúmeros agricultores, produtores florestais, industriais e outros agentes económicos e respetivas famílias perderam bens e habitações, sofreram prejuízos elevados e perderam em parte ou na totalidade – nalguns casos de forma irreversível – a capacidade produtiva e de obtenção de rendimentos nas atividades afetadas. Há também situações de afetação da saúde, física e mental.
Torna-se, pois, necessário responder com medidas de caráter extraordinário à situação de emergência gerada por aquelas ocorrências, dirigidas especialmente ao apoio às vítimas dos incêndios rurais e de intervenção no território.
Na semana passada foi publicado o Decreto-Lei n.º 59-A/2024, de 27 de setembro, que estabelece medidas de apoio às populações afetadas pelos incêndios ocorridos em setembro de 2024. Constata-se, no entanto, que algumas medidas estão aquém do necessário, por isso o PCP propõe o alargamento do apoio às vítimas dos incêndios e ação no território em função das múltiplas necessidades identificadas, designadamente de saúde, rendimentos, património, habitação, potencial produtivo agrícola, florestal e de outras atividades económicas, proteção do solo e qualidade da água.
Nestes termos e ao abrigo da alínea b), do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece o reforço de medidas extraordinárias de apoio às vítimas dos incêndios florestais afetadas pelos incêndios ocorridos em setembro de 2024 e procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 59-A/2024, de 27 de setembro.
Artigo 2.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 59-A/2024, de 27 de setembro
Os artigos 1.º, 3.º, 4.º, 5.º, 16.º, 18.º, 20.º, 21.º, 22.º e 28.º, do Decreto-Lei n.º 59-A/2024, de 27 de setembro, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 1.º
(…)
- (…):
- Medidas de apoio e mitigação do impacto dos incêndios rurais, ocorridos nos dias 15 a 19 de setembro de 2024, incluindo medidas de resposta de emergência, em matérias de habitação, saúde, acesso a prestações e apoios sociais de caráter excecional, de apoios à perda de rendimentos, reposição do potencial produtivo, assegurando a adequada articulação entre entidades e instituições envolvidas, e medidas de prevenção e de relançamento da economia, aplicando-se:
- (…); e
- (…);
- (…).
- (…).
- (…).
Artigo 3.º
(…)
- (…).
- (…):
- O reforço do acesso aos cuidados de saúde primários, bem como às consultas de especialidade que aqueles considerem necessárias, garantindo intervenções na resposta à doença aguda, gestão da doença crónica e eventuais descompensações, prioritariamente no âmbito das Unidades Locais de Saúde da Região de Aveiro, E. P. E., de Gaia/Espinho, E. P. E., de Entre Douro e Vouga, E. P. E., de Matosinhos, E. P. E., de Santo António, E. P. E., de São João, E. P. E., de Trás-os-Montes e Alto Douro, E. P. E., de Viseu Dão-Lafões, E. P. E. e do Tâmega e Sousa, E. P. E., ou nas unidades do SNS que se revelem mais adequadas aos tratamentos requeridos;
- O reforço das intervenções de apoio em saúde mental às populações, por parte das unidades de cuidados de saúde primários ou serviços de saúde mental no âmbito das Unidades Locais de Saúde da Região de Aveiro, E. P. E., de Santo António, E. P. E., de Trás-os-Montes e Alto Douro, E. P. E., de Viseu Dão-Lafões, E. P. E. e do Tâmega e Sousa, E. P. E., ou nas unidades do SNS que se revelem mais adequadas aos tratamentos requeridos.
- (…).
- Os cuidados de saúde prestados no âmbito do presente artigo são gratuitos e abrangem designadamente:
- a isenção das taxas moderadoras para tratamentos, consultas e meios complementares de diagnóstico e terapêutica;
- a dispensa gratuita de medicamentos, produtos tópicos e ajudas técnicas, pelas unidades de saúde do SNS;
- a gratuitidade do transporte de doentes para a deslocação a consultas, tratamentos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica.
- (anterior n.º 4)
- (anterior n.º 5)
- (anterior n.º 6)
Artigo 4.º
(…)
- São concedidos prestações e apoios às famílias que se encontrem em situação de carência ou perda de rendimento e que necessitem de proceder a despesas necessárias à sua subsistência ou à aquisição de bens imediatos e inadiáveis, para a manutenção das suas condições de vida e a satisfação dos seus encargos normais e regulares através da atribuição de subsídios de caráter eventual, de concessão única ou de manutenção.
- No âmbito das prestações referidas no número anterior deve ser considerada, designadamente, a atribuição dos seguintes apoios, complementos e subsídios:
- um apoio imediato com a natureza de uma prestação única de carácter excecional, a atribuir às famílias que perderam as suas fontes de rendimentráter pecuniário ou em espécie, a atribuir nas situações de comprovada carência económica.
- A atribuição das prestações e apoios sociais referidos nos números anteriores deve ter em consideração:
- aa necessidade de compensar a perda total ou parcial de fontes de rendimento, primárias ou complementares, em resultado dos incêndios;
- a possibilidade de conjugação de prestações sociais de diferente natureza, com ou sem natureza contributiva;
- a possibilidade de atribuição de complementos específicos nos casos em que já exista atribuição de prestações sociais;
- a definição de prazos de atribuição adequados às necessidades dos beneficiários, sem prejuízo de eventuais prorrogações.
- Os apoios previstos no presente artigo têm a duração mínima de um ano, devendo ser prorrogados pelo período considerado necessário mediante avaliação da situação económica e social dos seus beneficiários.
Artigo 5º
(…)
Sem prejuízo do disposto na secção específica de apoio à atividade agrícola, são concedidos apoios aos agricultores afetados diretamente pelos incêndios rurais:
- (…);
- Para aquisição de alimentação animal;
- Para a perda de rendimentos;
- (anterior alínea b))
Artigo 16.º
(…)
- (…).
- (…).
- 3 - No caso de habitações permanentes ilegais inicia-se um processo de atribuição de habitação nos termos do previsto no n.º 16 com as devidas adaptações.
- (anterior n.º 3)
- (anterior n.º 4)
- (anterior n.º 5)
- (anterior n.º 6)
- (anterior n.º 7)
- Para efeitos do disposto nas alíneas a) e b) do número anterior, o pagamento do apoio efetua-se da seguinte forma:
- Comparticipação a 100%, até ao montante de € 250 000 nos termos da avaliação a que se reporta o n-º 2 do artigo 2.º;
- (...);
- (…).
- A reconstrução ou recuperação deve assegurar a recomposição das habitações nas condições existentes à data dos incêndios, bem como a melhoria das condições de habitabilidade, conforto e salubridade.
- (anterior n.º 9)
- (anterior n.º 10)
- (anterior n.º 11)
- anterior n.º 12)
- (anterior n.º 13)
- anterior n.º 14)
- (anterior n.º 15)
- (anterior n.º 16)
- O apoio financeiro para alojamento urgente e temporário é concedido em situações de necessidade de alojamento imediato e provisório definido e atribuído pela Segurança Social, assumindo-se como uma solução intercalar face à solução habitacional definitiva a concretizar por via dos apoios e no prazo concedido pelo presente diploma.
- O alojamento temporário deve ser assegurado em condições adequadas à preservação das relações familiares e sociais e ao restabelecimento da normalidade do quotidiano das pessoas afetadas pelos incêndios.
- O alojamento temporário é da responsabilidade da Segurança Social, assegurando a adequada articulação com as entidades públicas, cooperativas ou sociais.
- Têm direito a apoio para a reconstrução de casas de segunda habitação, as vítimas que tenham efetiva ligação às localidades onde estas estavam implantadas, num montante de pelo menos 50%, até um máximo de € 100 000, podendo o restante ser suportado por uma linha de crédito com garantia estatal e taxa de juro máximo de 3%.
Artigo 18.º
(…)
- O membro do Governo responsável pela área da agricultura e florestas determina a abertura de concursos para apoio ao restabelecimento do potencial produtivo agrícola, incluindo reposição de animais, plantações plurianuais, máquinas, equipamentos agrícolas, estufas, armazéns e outras construções de apoio à atividade agrícola.
- Os prazos de candidatura para cada um destes apoios são abertos no prazo máximo de 15 dias após a publicação da presente lei e as candidaturas são analisadas no prazo máximo de 15 dias após a sua submissão.
- Os contratos definitivos são disponibilizados aos candidatos no prazo máximo de três dias após aceitação da decisão pelo beneficiário.
- A entidade gestora destes apoios disponibiliza, por meio bancário, 30% do valor do apoio até 15 dias depois de assinado o contrato, sendo o restante valor pago mediante entrega das faturas pelos beneficiários, até 85% do valor total, momento a partir do qual, será paga contra recibo a totalidade das despesas remanescentes.
Artigo 20.º
(...)
- É atribuído um apoio excecional aos agricultores, para compensação de prejuízos, mesmo que indocumentados, até ao valor de € 10 000.
- (…).
- (…).
- O montante mínimo de despesa elegível para apoio é de € 100.
Artigo 21.º
(…)
- (…).
- (…).
- As organizações de produtores florestais ou entidades gestoras de áreas florestais atingidas têm direito a candidatar-se a todos os apoios referidos.
- É concedido um apoio extraordinário às entidades gestoras de baldios que foram diretamente afetadas pelos incêndios, para assegurar a realização de ações de recuperação da biodiversidade, reflorestação e recuperação de infraestruturas.
- Os Baldios podem proceder a melhoramentos relativamente à avaliação prevista no nº 2 do artigo 2º, tendo direito a esse apoio, até ao limite de 200%.
- O Governo abre, em 2025, concursos específicos para apoios à reflorestação nas áreas abrangidas pelo diploma.
- Os concursos previstos no número anterior devem garantir prioridade à reflorestação com espécies autóctones;
- (anterior n.º 3).
- (anterior n.º 4).
Artigo 22.º
(…)
- (…).
- Relativamente às candidaturas referidas no número anterior, objeto de contrato de auxílio financeiro, a participação financeira da administração central é de 100%, não se aplicando o limite constante do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 384/87, de 24 de dezembro, na sua redação atual.
- Caso, o montante do Fundo de Emergência Municipal seja esgotado, o Governo mobiliza outras fontes de financiamento, incluindo fundos comunitários.
Artigo 28.º
Avaliação e disponibilização de informação online
- Sem prejuízo de outras medidas de avaliação que se entenda adequadas, o Governo deve proceder à publicitação, semestral, do relatório de progresso, com o grau de concretização dos apoios atribuídos.
- Os formulários de acesso, bem como a informação referente aos apoios, os relatórios de progresso são disponibilizados online.»
Artigo 3.º
Aditamentos ao Decreto-Lei n.º 59-A/2024, de 27 de setembro
São aditados os artigos 17.º-A, 20.ºA, 21.ºA, 21.º-B, 23.º-A, 23.º-B, 27.º-A e 27.º-B, ao Decreto-Lei n.º 59-A/2024, de 27 de setembro.
«Artigo 17.º-A
Restabelecimento do potencial produtivo no âmbito das atividades económicas
- O Governo determinará os programas que, no âmbito do Portugal 2030, devem assegurar as disponibilidades financeiras destinadas à reposição das atividades industriais, comerciais e de serviços, total ou parcialmente afetadas pelos incêndios florestais.
- O apoio público destinar-se-á preferencialmente:
- à reconstrução de edifícios e outras infraestruturas;
- aos reequipamentos necessários à retoma da atividade; e a
- assegurar que a entidade patronal possa continuar a assumir as suas responsabilidades para com os trabalhadores.
- O valor do apoio será calculado pelo diferencial entre o valor total do prejuízo verificado e o valor da indemnização devida pelas companhias de seguros.
- No caso da ausência de seguros contratados pela empresa esta receberá um apoio de nível semelhante, sendo que ao valor total do prejuízo será deduzido o valor da provável indemnização, caso existisse contrato de seguro.
- A empresa que, nos termos do número anterior, receber apoio fica obrigada à contratação de seguro na retoma da atividade, havendo obrigação de devolução do apoio ao Estado no caso de não efetivação do referido contrato de seguro.
Artigo 20.º-A
Apoios ao rendimento perdido nas explorações agroflorestais
- As vítimas têm direito a apoio pelo rendimento perdido nas explorações agroflorestais com vista a compensar:
- a destruição de colheitas do presente agrícola;
- a impossibilidade de colheita nos próximos anos agrícolas pela destruição ou degradação de vinhas e pomares;
- a perda de animais;
- a impossibilidade ou redução de recria de animais;
- O apoio previsto no presente artigo reveste-se de uma prestação única, de carácter pecuniário, a atribuir após candidatura a regulamentar pelo Governo.
Artigo 21.º-A
Parques de receção de salvados
- O Ministério da Agricultura e Pescas, através do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e em colaboração com as estruturas de produtores florestais locais e os municípios afetados pelos incêndios, promove a constituição de parques de receção de produção lenhosa afetada pelos incêndios mas suscetível de aproveitamento, industrial ou outro, no sentido da proceder à sua recolha, incluindo o corte e o transporte, com vista à sua comercialização e consequente redução dos prejuízos verificados.
- O Ministério da Agricultura e Pescas, através dos seus serviços locais e do ICNF, estabelece um preço base para a madeira recolhida que terá um valor correspondente aos preços médios praticados na região à data do incêndio, corrigido por fatores a estabelecer na medida que se revele adequada a refletir a desvalorização comercial dessa madeira.
- O Ministério da Agricultura e Pescas acompanha e promove a comercialização da madeira recolhida nos termos previstos no número anterior, através da publicitação de lotes e preços dos salvados recolhidos, da publicação em jornais regionais, da afixação de editais e de uma plataforma eletrónica do sítio do Ministério criada para o efeito.
Artigo 21.º-B
Criação de equipas de sapadores florestais
- O Governo apresenta à Assembleia da República, no prazo de 30 dias, o mapa das equipas de sapadores florestais existentes nos concelhos previstos no nº 1 do artigo 1º, a apreciação das necessidades face às realidades de cada um e o plano de criação das equipas de sapadores florestais para garantir, no prazo de um ano, o suprimento dessas dificuldades.
- As equipas de Sapadores Florestais criadas e a criar são apoiadas pelo Fundo Florestal Permanente.
Artigo 23.º-A
Medidas de emergência de proteção do solo e dos recursos hídricos
- No prazo de 15 dias a contar da publicação do presente diploma, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e os serviços regionais de agricultura procederão ao levantamento das áreas percorridas por incêndios, com a identificação e caracterização das mais expostas à erosão hídrica e eólica, com a consequente perda de solo, e do transporte de cinzas e outros materiais para as linhas de água.
- Com base no levantamento referido no n.º 1, devem ser elaborados e executados de imediato planos de emergência de contenção do solo.
- Os produtores florestais, diretamente ou através das respetivas organizações, podem elaborar e executar os levantamentos e planos referidos nos números anteriores, mediante candidaturas aos apoios previstos no artigo 9.º.
Artigo 23.º - B
Contratos Locais de Desenvolvimento
- O Governo promove a celebração de Contratos Locais de Desenvolvimento, com vista a assegurar respostas aos problemas estruturais nos territórios afetados pelos incêndios referidos no n.º 1 do artigo 1.º, abrangendo os diferentes serviços da administração direta do Estado, municípios, estruturas de agricultores e de empresários e as organizações sociais e cooperativas.
- Os Contratos Locais de Desenvolvimento previstos no número anterior identificam todas as necessidades sociais e económicas que, direta e indiretamente, ficam expostos com os incêndios, partindo da identificação já efetuada de prejuízos, a completar ou atualizar sempre que necessário.
- O Governo cria os mecanismos necessários para assegurar financiamento a 100% dos projetos inseridos no Contrato Locais de Desenvolvimento, no âmbito do Orçamento do Estado, do Portugal 2020 e do PDR 2020, que ainda houver lugar a isso, ou do Portugal 2030.
Artigo 27.º-A
Reforço de profissionais nos serviços públicos
- O Governo procede ao reforço do número de profissionais afetos aos serviços públicos envolvidos, assegurando as condições necessárias para a concretização das medidas de apoio previstas na presente lei.
- Sem prejuízo da afetação de profissionais provenientes de outros serviços, nos serviços públicos dos concelhos referidos no artigo 1.º devem ser tomadas as medidas de contratação de profissionais adequadas à boa execução da presente lei.
Artigo 27.º-B
Financiamento
Com vista ao financiamento dos encargos gerados com os apoios previstos na presente lei, e sem prejuízo do recurso aos mecanismos identificados em artigos anteriores, o Governo adota as medidas necessárias à utilização do Fundo de Socorro Social e à dotação provisional do Ministério das Finanças, devendo igualmente desencadear os procedimentos necessários à mobilização do Fundo de Solidariedade da União Europeia.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.