Projecto de Resolução N.º 892/XII/3.ª

Reforço dos Cuidados de Saúde Primários

Reforço dos Cuidados de Saúde Primários

Em Portugal, a cobertura generalizada do território nacional pelos Cuidados de Saúde Primários é conseguida após a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 1979. Pela primeira vez, milhares de pessoas tiveram a oportunidade de ter acesso a uma consulta médica.

Foi a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que possibilitou uma evolução muito positiva dos indicadores de saúde, em poucos anos, designadamente no aumento da esperança de vida, na redução da mortalidade infantil e na promoção da saúde. Para a Organização Mundial de Saúde, os Cuidados de Saúde Primários (CSP) são parte integrante do desenvolvimento socioeconómico da sociedade e do SNS, de que constituem função central e são o principal núcleo.

Os Cuidados de Saúde Primários significam, em Portugal, a primeira forma de contacto dos cidadãos com o Serviço Nacional de Saúde, são a porta de entrada, o primeiro meio de acesso aos cuidados de saúde.

Apesar da importância estratégica dos Cuidados de Saúde Primários ser reconhecida mundialmente, apesar dos avanços legislativos e práticos em Portugal depois de 25 de Abril de 1974, tem havido um progressivo desinvestimento por via da diminuição da sua capacidade de resposta, conduzindo à redução da proximidade, da desvalorização social e profissional dos profissionais que neles trabalham e, sobretudo, por causa da carência de dotação de recursos humanos, financeiros e técnicos que possibilitem a assunção dos objetivos que norteiam a prestação neste nível de cuidados de saúde.

O atual Governo PSD/CDS-PP prossegue uma ofensiva sem precedentes ao SNS. As políticas de desinvestimento público, de privatização de serviços, de ataque aos direitos dos trabalhadores e de transferência dos custos da saúde para os utentes, colocam em causa o futuro do Serviço Nacional de Saúde e dos Cuidados de Saúde Primários.

Um pouco por todo o território encerram, ou estão em preparação encerramentos de extensões de saúde, serviços de atendimento permanente (SAP), reduzem-se horários de funcionamento de serviços e valências, ficando as populações praticamente sem resposta no período noturno e nos fins de semana e feriados, afastando os cuidados de saúde dos utentes.

A carência de profissionais de saúde nos centros de saúde é uma evidência, desde médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, a administrativos e auxiliares, devido à forte restrição na contratação imposta pelos Governos. Os trabalhadores que se aposentam ou saem por outros motivos não são substituídos. Regista-se ainda um aumento do número de trabalhadores sem vínculo à função pública, com contratos de trabalho em funções públicas a termo certo, ou a contratação de profissionais através de empresas de trabalho temporário, promovendo a instabilidade e a precariedade e gerando desmotivações.

Claramente o atual Governo PSD/CDS-PP aposta no caminho da privatização dos cuidados de saúde. A degradação dos cuidados de saúde no setor público insere-se numa estratégia mais ampla, procurando deslegitimar o Estado perante os cidadãos, de que não é capaz de prestar cuidados de qualidade, para justificar a gradual entrega de setores da saúde aos grandes grupos económicos, tornando-os no negócio bastante lucrativo, fazendo crer aos cidadãos que não importa a natureza da prestação de cuidados ser pública ou privada. Altos representantes dos grandes grupos económicos com atividade no setor da saúde em Portugal, declaram que a saúde é o grande negócio do Século XXI.

O desinvestimento constitui assim uma das linhas de destruição do SNS, passando pelo seu estrangulamento financeiro, que impossibilita que tenha os recursos necessários para corresponder às necessidades das populações.

A realidade de todos os dias mostra, tal como as últimas iniciativas levadas a cabo pelo Grupo Parlamentar do PCP o comprovam, o país necessita de defender o Serviço Nacional de Saúde dos ataques que lhe têm sido desferidos e, particularmente, tem que investir fortemente nos Cuidados de Saúde Primários só desta forma podemos garantir que todos os utentes têm direito a cuidados de saúde com qualidade e de forma universal.

I – Pelo Reforço dos Cuidados de Saúde Primários

Em 1977, em Alma-Ata, a Assembleia Mundial de Saúde definiu os Cuidados de Saúde Primários como “a assistência sanitária essencial, baseada em métodos e tecnologias práticas, cientificamente fundamentados e socialmente aceites, colocados ao alcance de todos os indivíduos e famílias de uma comunidade, mediante a sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam suportar, em todas e cada uma das etapas do seu desenvolvimento, com um espírito de autorresponsabilidade e autodeterminação”.

Na definição acima transcrita estão subjacentes dois conceitos centrais dos Cuidados de Saúde Primários: um centrado na doença, o outro na prevenção e na promoção da saúde. Enquanto o primeiro nos remete para uma perspetiva mais remediativa e curativa, o segundo conduz-nos para uma visão mais promocional e capaz de dotar os indivíduos de competências que lhe permitam prevenir as doenças.

Inerente aos conceitos atrás enunciados está a conceção de saúde como “ estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade.”

Assim sendo, a prestação de Cuidados de Saúde Primários deve ser o mais abrangente e multidisciplinar possível de molde a englobar a promoção e a prevenção da saúde física, saúde mental; visual; saúde da oral e dos hábitos alimentares saudáveis, entre outros. Porém, para que tal seja alcançado é necessário que haja um reforço de meios humanos e financeiros ao nível dos Cuidados de Saúde Primários.

Nesta perspetiva, os Cuidados de Saúde Primários devem contemplar para além dos médicos especialistas em clínica geral e familiar, enfermeiros, assistentes sociais, assistentes técnicos e operacionais, psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos, nutricionistas, profissionais da área da saúde visual, estomatologistas e médicos dentistas, técnicos de diagnóstico e terapêutica (terapia da fala, fisioterapia).

Consideramos que, mesmo no contexto do nosso país, é possível assegurar o direito à saúde a todos os portugueses, em cumprimento da Constituição da República Portuguesa, com mais investimento público, reforçando as equipas de profissionais nos cuidados de saúde primários, integrando todos os profissionais de saúde com vínculo à função pública e reforçando a qualidade e a eficiência.

Pugnamos assim por um Serviço Nacional de Saúde de carácter público, universal e gratuito para todos. Só desta forma é possível assegurar a todos os portugueses os cuidados de saúde de que necessitam.

É neste quadro de agravamento das políticas em aplicação que o PCP considera ser urgente a adoção de medidas concretas de reforço dos Cuidados de Saúde Primários de molde a que se proteja a saúde e a vida dos portugueses e defenda o Serviço Nacional de Saúde.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1.Planifique e implemente uma rede de cuidados de saúde primários de proximidade, em todo o território nacional, que responda às necessidades de prestação de cuidados de saúde às populações, que atenda às características geográficas, demográficas e epidemiológicas do meio envolvente, as acessibilidades e as condições sociais e económicas das populações.

2.Dote os Cuidados de Saúde Primários de meios financeiros, técnicos e humanos necessários ao cumprimento das suas missões- remediativa e preventiva.

3.Promova a atribuição de médico de família a todos os utentes e implemente o enfermeiro de família, atribuindo enfermeiro de família a todas as famílias, de acordo com as orientações da Organização Mundial de saúde.

4.Constitua as equipas de profissionais de saúde onde estejam contemplados para além dos médicos especialistas em medicina geral e familiar, médicos especialistas em psiquiatria, pedopsiquiatria, estomatologia e medicina dentária, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica (terapeutas da fala, fisioterapeutas), profissionais ligados à saúde visual e assistentes técnicos e operacionais.

5.Valorize social e profissionalmente os profissionais de saúde, assegurando-lhes as condições de trabalho, de formação, de vínculos de carreira e remuneração que assegurem a sua máxima disponibilidade e qualificação e a estabilidade do serviço de saúde onde se encontram, no quadro do respeito pelas normas deontológicas que presidem à sua intervenção.

Palácio de São Bento, em 20 de dezembro de 2013

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