A Mata Nacional de Leiria é um dos mais importantes recursos florestais de que o País dispõe, e um dos grandes tesouros naturais, constitutivo da própria identidade da região centro do País. Este território foi assolado pela catástrofe que, após os incêndios de Pedrogão Grande e concelhos adjacentes, deixou mais uma vez um rasto de destruição no distrito de Leiria, com particular incidência no Pinhal de Leiria. A maior parte da Mata Nacional, em cerca de 80 por cento do seu território, ficou completamente destruída depois dos incêndios de 15 e 16 de outubro, com cerca de 8.800 hectares de área ardida.
O PCP em devido tempo expressou a sua solidariedade a todos aqueles que no Distrito de Leiria foram afetados por esta catástrofe, incluindo aqueles que sofreram perdas e danos no trabalho de uma vida e no património. E também manifestou o seu reconhecimento pelo abnegado e corajoso trabalho dos bombeiros e profissionais da proteção civil que no distrito combateram as cerca de 20 frentes de incêndios, com dimensões e violência inéditas, combate realizado em condições atmosféricas manifestamente difíceis e profundamente adversas e com uma evidente escassez de meios para a dimensão e extensão dos incêndios.
No dia 23 de outubro, uma delegação do PCP, com a presença do seu Grupo Parlamentar, deslocou-se às áreas afetadas pelos incêndios nos concelhos de Leiria, Alcobaça e Marinha Grande. O PCP teve oportunidade de contactar com entidades, corporações de Bombeiros e populações afetadas, com o objetivo de avaliar os danos causados pelos incêndios e identificar medidas urgentes a tomar.
Este Projeto de Resolução, que tem em conta desde logo o testemunho e a análise dos factos apurados nessas iniciativas, é apresentado num momento que é ainda de tomada de todas as medidas urgentes que garantam o apoio às vítimas dos incêndios: na garantia de habitação condigna a todos os que perderam as suas casas e apoio à reconstrução; no restabelecimento de comunicações e reparação de infraestruturas; na garantia de apoio a todos os que perderam os seus empregos e meios de subsistência; na recuperação do potencial económico perdido e na tomada de todas as medidas que previnam e resolvam outros problemas que, com a chegada das chuvas, irão decorrer dos incêndios, nomeadamente os perigos de deslizamento de terras e arrastamento de cinzas e a contaminação dos terrenos e fontes de água potável, entre outras.
É imperioso evitar que se repita a situação que se verificou na sequência dos grandes incêndios de 2 de agosto de 2003, que destruíram 2.560 hectares de pinhal. A área ardida foi deixada ao abandono, a vegetação desapareceu e o território em causa ficou transformado em matagal, enquanto o areal avançou. Foi-nos transmitido que cerca de 80 por cento da zona de mata ardida há 14 anos está ao abandono, à mercê de um novo incêndio. O Pinhal de Leiria, enquanto mata nacional, foi vítima do desinvestimento público e do desmantelamento das estruturas do Estado, nomeadamente da drástica redução de pessoal dos serviços do ministério da agricultura, entre os quais o ICNF.
São esclarecedores os números que foram recentemente divulgados quanto à evolução da capacidade de resposta das estruturas públicas. Na década de 1980, a Mata Nacional de Leiria era gerida por duas administrações florestais com quatro técnicos florestais, quatro mestres florestais e 114 trabalhadores rurais. Desde 2011 os meios humanos afetos à Mata Nacional de Leiria limitam-se a um técnico (acumulando com outras responsabilidades e tarefas) e 19 assistentes operacionais que desenvolvem atividade em mais quatro 4 matas municipais.
No quadro e para lá das medidas já anunciadas pelo Governo, o Orçamento de Estado de 2018 deve de forma inequívoca garantir o reforço efetivo dos meios humanos e financeiros para a defesa da floresta, nomeadamente para que a criação de 100 equipas de sapadores florestais, se efetive com todas as condições necessárias, em 2018, com o objetivo de se atingirem 500no plano nacional até 2019; para que se reconstitua o Corpo de Guardas Florestais que responda a todas necessidades e que se garanta os meios necessários às medidas de prevenção estrutural designadamente quanto às redes de faixas de Gestão de Combustível.
Na sequência de declarações de elementos do Governo sobre o Pinhal de Leiria, o PCP manifesta a sua total oposição a qualquer tentativa de privatização, direta ou indireta da maior Mata Nacional, a segunda maior da Europa. O problema do Pinhal de Leiria não é o princípio da gestão pública pelo Estado, mas sim a carência de meios para que essa gestão seja eficiente e de qualidade e o progressivo desinvestimento do Estado neste importante recurso e património nacional essencial para o equilíbrio ambiental em Portugal. Muitos especialistas apresentam como um dos problemas da floresta nacional, o facto de, comparativamente a outros países da Europa, em Portugal a área de floresta pública ser residual. Não faz agora sentido reduzir ainda mais a área de floresta pública, como alternativa a uma afetação de recursos necessários a uma correta gestão deste património florestal.
No mesmo sentido, o PCP considera que quaisquer soluções de municipalização da Mata Nacional de Leiria, ainda que suscitadas por justos sentimentos de defesa daquele património, não só não resolverão nenhum dos problemas estruturais, como poderão abrir portas à desresponsabilização dos Governos nacionais na preservação e valorização deste importante recurso e património nacional. Tais soluções criariam novos problemas às autarquias da Marinha Grande que não têm nem meios financeiros e humanos, nem vocação, para a gestão de uma mata nacional com a dimensão e particularidades do Pinhal de Leiria.
Uma das questões centrais para evitar mais tragédias como esta é uma maior responsabilização do Estado na gestão da floresta, na prevenção e combate a incêndios e no ordenamento do território e combate à desertificação. É necessário mobilizar mais meios humanos afetos às estruturas da Administração Central munidos dos meios financeiros necessários para a floresta e para o apoio à atividade agrícola. Urge nesse sentido inverter a política de encerramento de serviços públicos como se verificou em vários serviços da Direcção Regional de Agricultura no Distrito de Leiria.
Importa ainda valorizar a importância e o papel dos pequenos produtores e compartes dos baldios, dar mais meios e poder de decisão às suas associações, dar resposta ao problema central do baixo preço do material lenhoso e assegurar os corretos ordenamento e gestão florestal.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição recomendar ao Governo as seguintes medidas:
a) A definição, elaboração e concretização de um plano de limpeza, reflorestação, reordenamento e valorização do Pinhal de Leiria, em articulação com as autarquias e as populações.
b) A mobilização dos meios financeiros e humanos adequados à intervenção na Mata Nacional de Leiria, que não estejam apenas dependentes do resultado da venda da madeira queimada neste incêndio.
c) O aumento significativo dos meios humanos do ICNF afetos à Mata Nacional de Leiria, designadamente técnicos florestais, guardas florestais e assistentes operacionais.
d) A defesa da gestão pública da Mata Nacional, bem como a proteção de áreas florestais no seu desenvolvimento a norte e a sul da Mata Nacional, envolvendo de forma mais direta as autarquias da região, bem como as populações.
e) A realização de um Fórum para a proteção e recuperação da Mata Nacional de Leiria, envolvendo os municípios de Alcobaça, Leiria e Marinha Grande, as Associações de Bombeiros e a população (nomeadamente por via do movimento associativo e organizações vocacionadas a defesa da floresta e do mundo rural).
f) A criação de uma Comissão de Acompanhamento da Gestão e Valorização da Mata Nacional de Leiria (Pinhal de Leiria) que envolva, entre outras entidades, as autarquias – nomeadamente as câmaras municipais e as juntas de freguesia dos referidos concelhos.
g) A garantia de que, por via das entidades competentes, se proceda a um cabal esclarecimento das causas do incêndio na Mata Nacional de Leiria.
h) Afetar ao projeto de reflorestação e valorização da mata nacional de Leiria todas as verbas resultantes da venda de madeira e salvados do incêndio na Mata Nacional de Leiria.
i) A divulgação pública de todos os contratos existentes ou a celebrar entre o Estado e outras entidades relativos ao corte e venda de madeira com origem na Mata Nacional de Leiria.
Assembleia da República, 27 de outubro de 2018