Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

"Reduzir as assimetrias regionais é criar condições para que as populações tenham vidas dignas"

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Sr. Presidente,
Srs. deputados,
Srs. membros do Governo,

A Interpelação ao Governo requerida pelo Grupo Parlamentar do PCP que hoje se realiza é “Centrada nos problemas das assimetrias regionais, da desertificação e do despovoamento do território e nas políticas necessárias para assegurar o desenvolvimento equilibrado do país” e foi anunciada nas suas Jornadas Parlamentares realizadas em abril nos distritos de Vila Real e Bragança.

O desenvolvimento do país, assente numa abordagem coerente, transversal e uniforme do território nacional não só está claramente por cumprir como ao longo dos últimos anos tem sido vítima da política económica, fiscal, laboral, agrícola e da instalação de determinadas concepções de poder e de Estado. Neste contexto as assimetrias entre litoral e interior, o despovoamento, o envelhecimento de uma vasta parcela de território nacional e a desertificação física desses territórios, têm-se acentuado.

Se nada for feito, dentro de alguns anos serão centenas, milhares de aglomerados urbanos votados ao abandono e com eles uma parcela de território nacional fica por ocupar, por produzir.

Mas esta situação não é obra do acaso, é fruto de um conjunto de políticas que determinam a sua existência e o seu agravamento. Os movimentos de transferência das populações rurais para os grandes núcleos urbanos terão uma multiplicidade de razões, mas têm uma relação muito forte com a pobreza. As populações transferem-se para as cidades para fugir à pobreza e para procurar melhores condições de vida e de dignidade, que na maior parte das vezes acabam por não encontrar.

Um conjunto básico de indicadores dá-nos a noção clara da grandeza do problema em Portugal. Densidade populacional: os concelhos onde ela é maior, Amadora, Odivelas, Porto, Lisboa, Oeiras, estão nas áreas urbanas de Lisboa e Porto e têm um número de habitantes por quilómetro quadrado superior a 3700. No outro extremo estão Monforte, Avis, Idanha-a-Nova, Alcoutim, no interior, sobretudo no interior sul, com um máximo de 7,6 habitantes por quilómetro quadrado . Alcoutim, no Algarve, apresenta uma densidade populacional de 4,5, demonstrando que as assimetrias existem até mesmo dentro das próprias regiões.

Quanto à taxa bruta de natalidade, voltam a surgir concelhos da aérea metropolitana de Lisboa com taxas acima de 10 por mil e no fim da escala, Penamacor, Sernancelhe, Oleiros, Gavião, Alcoutim, onde a taxa não ultrapassa os três por mil.

Índices de envelhecimento, Alcoutim Oleiros, Vila Velha de Rodão, Pampilhosa da Serra e Penamacor onde o rácio não desce abaixo dos 550%. Taxas mais baixas de emprego em municípios do Alentejo, Beiras e Trás-os-Montes.

Os equipamentos, de saúde, de ensino, culturais, entre outros, concentram-se nas áreas urbanas e quando existem nos meios rurais são muitas vezes à custa dos orçamentos municipais, contribuindo para o agravamento da situação demográfica.

Esta realidade foi potenciada e agravada pela falta de investimento público o que não permitiu a infraestruturação adequada do interior do país, em vias rodoviárias (são inúmeros os exemplos de IP e IC iniciados e por concluir) no transporte ferroviário e até da infraestruturação de telecomunicações, de que o caso da TDT é um exemplo flagrante. Por outro lado, as opções de emagrecer o Estado e transferir para a área do negócio privado importantes funções sociais, fez com que de uma porção vasta de território nacional se fossem retirando e encerrando escolas, extensões de saúde, postos de correio, serviços da segurança social, postos da GNR, juntas de freguesia.

Não é admissível o argumento da falta de pessoas no interior para suportar as opções políticas. É incumbência do Estado e dos governos que gerem o Estado central, segundo a constituição da Republica Portuguesa, “Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior”. Os governos não se podem limitar a constatar que os territórios se estão a despovoar. Aos governos cabe intervir para alterar esta situação dramática.

Por mais que as autarquias cumpram o seu papel, desenvolvam os parques industriais, criem infraestruturas educativas, culturais ou sociais, a realidade tem vindo a demonstrar que isso não basta e que são necessárias medidas concertadas e de responsabilidade do poder central.

A inexistência de um nível de poder regional, como a Constituição consagra, não tem ajudado na resolução do problema. Medidas de reconfiguração das CCDR ou de descentralização da execução das políticas centrais não resolverão o problema que persistirá enquanto não forem instituídas em concreto as regiões administrativas.

O despovoamento arrasta consigo uma grave consequência que é a desertificação física do território. Mais de metade do território nacional é susceptível à desertificação. Um território desertificado perde, ou vê altamente condicionada, a sua capacidade produtiva. Como afirma e defende o PCP, para dever menos é preciso produzir mais, o país precisa é de valorizar e potenciar a sua capacidade produtiva e não perdê-la.

A matéria das assimetrias regionais exige intervenção. Boas intenções, não chegam. A realidade confirma-o. A Resolução da Assembleia da República n.º 129/2011, que teve origem numa proposta do PSD, foi aprovada em setembro de 2011. Através dela se recomendava a criação e dinamização de um Plano Nacional para Coesão Territorial. Do acompanhamento deste plano constava a monitorização e avaliação periódica da coesão territorial do País e do impacto na mesma das políticas, programas e grandes projectos públicos, designadamente através da elaboração de indicadores das assimetrias regionais e de um relatório do estado da coesão territorial e da execução do Plano, a ser apresentado e discutido bianualmente na Assembleia da República. Desde a aprovação da resolução passaram quase cinco anos, quatro dos quais com um governo do PSD/CDS. Recordam-se os senhores deputados quantos dos dois relatórios sobre o estado da coesão territorial que deveriam ter sido discutidos pela Assembleia da Republica o foram efectivamente? Nenhum!

Mais, a Resolução recomendava ao Governo que assumisse a coesão territorial como princípio e objectivo essencial da reorganização administrativa já iniciada, em particular no âmbito da reforma do poder local e da administração desconcentrada do Estado. Foi o que se viu! Extinção de freguesias, nomeadamente as mais pequenas e tendencialmente mais necessárias as populações. Encerramento de Tribunais. Encerramento de escolas. Intenção de encerramento de Repartições de Finanças só travada pela resistência das populações e entidades. Implementação das portagens nas SCUT. Redução das transferências financeiras e agravamento das transferências de responsabilidades para as autarquias.

Se quisermos fazer um estudo sobre o que fazer para agravar os problemas da coesão e das assimetrias territoriais, o anterior Governo PSD/CDS é certamente um dos maus exemplos e estudar e evitar repetir.

Sr. Presidente, Srs. deputados,

É absurdo que as maiores minas de cobre sejam exploradas no interior de Portugal e que o minério saia todo do país na forma de estrato, sem ser ao menos transformado em metal. É um absurdo produzir azeite nos territórios rurais, para depois sair do país a granel para ser rotulado em Espanha ou em Itália. É um absurdo que o minério explorado em Moncorvo tenha que ser transportado pelas estradas da região, em inúmeros camiões, porque as ligações ferroviárias foram desactivadas.

Uma política de desenvolvimento é algo mais do que distribuir escassos recursos de investimento público e esperar pelo investimento privado estimulado a partir daquele. Desenvolvimento não é o mesmo que crescimento económico e este último é muitas vezes sobrevalorizado para esconder a inexistência do primeiro. São vários os exemplos ao longo do território nacional.

A par do investimento e dos grandes projectos públicos é necessário um modelo económico que se preocupe não só com o crescimento, mas também com a distribuição da riqueza e a criação de emprego com direitos. Só isso poderá promover o desenvolvimento que ambicionamos e de que o país precisa.

A política patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao povo e ao país inclui a “promoção de um efectivo desenvolvimento regional, assente no aproveitamento racional dos recursos, numa criteriosa política de investimento público e outras políticas visando a conservação da Natureza, o combate ao despovoamento, à desertificação e um maior equilíbrio territorial e coesão económica e social das várias regiões, o respeito pelo sistema autonómico e pela autonomia das autarquias locais e o reforço da sua capacidade financeira; a criação das regiões administrativas conforme a vontade das populações”. Esta política e o desenvolvimento que preconiza não estão desligados de uma necessária defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, assentes na defesa da indústria transformadora e extractiva, na agricultura e nas pescas.

O primeiro passo para reduzir as assimetrias regionais é criar condições para que as populações tenham vidas dignas. Recuperar rendimentos e direitos. Recuperar freguesias, tribunais e serviços públicos. Fixar profissionais de saúde e outros trabalhadores qualificados. Aumentar os níveis de investimento público e de apoio aos sectores produtivos para criar riqueza e emprego de forma sustentada. Valorizar os trabalhadores e os seus direitos e elevar os níveis de vida das populações. É desta política que o interior necessita para se desenvolver.

O PCP cá está para dar o seu contributo, trazendo estas propostas ao debate!

Disse.