Exposição de motivos
Tem havido, nos últimos anos, uma significativa evolução no Eurostat quanto ao portfólio de instrumentos estatísticos para informação regional, com a finalidade de cobrir mais e melhor as diferentes tipologias territoriais existentes, e, assim, responder às necessidades do processo de decisão política no contexto da coesão e desenvolvimento territoriais.
As alterações operadas baseiam-se na harmonização e integração de várias tipologias em duas grandes rubricas: as associadas às estatísticas regionais e as associadas às estatísticas das unidades administrativas locais (UAL/LAU ou municípios).
Procedeu-se, entretanto, a uma consolidação legislativa pelo Regulamento (UE) 2017/2391 no que diz respeito às tipologias territoriais (Tercet). Algumas das tipologias regionais mais usadas incluem regiões urbano-rurais, regiões metropolitanas, regiões fronteiriças, regiões costeiras, insulares e ultraperiféricas e regiões montanhosas.
Importa que Portugal se inclua neste processo com vista a uma próxima atualização. Contudo, no cerne das estatísticas regionais continua a classificação NUTS - Unidades Territoriais para fins estatísticos, baseada numa hierarquia regional que integra, dos maiores para os menores, os níveis NUTS 1, 2 e 3.
As situações variam nos Estados-membro, havendo diferentes soluções adaptadas às realidades existentes. Assim, e ainda antes de se proceder à atualização acima indicada, importa retificar situações que já demonstraram ser desadequadas, não apenas do ponto de vista estatístico, mas, principalmente, porque prejudicam a coesão inter-regional interna, com repercussão negativa na coesão nacional no contexto europeu.
No final do ano de 2012 foi enviada ao EUROSTAT uma proposta com uma nova configuração das NUTS 3 do território português, da qual fez parte a fusão das duas NUTS 3 Grande Lisboa (GL) e Península de Setúbal numa só NUTS 3, designada AML – Área Metropolitana de Lisboa, que passou a coincidir e coexistir com uma NUTS 2 com a mesma designação. Esta solução veio a ser vertida no regulamento (EU) 868/2014, de 8 de agosto, com efeitos de aplicação a 1 de janeiro de 2015.
A alteração integrava-se no processo de preparação de um novo regime jurídico das autarquias locais, que também aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico, como está registado na Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.
Sabe-se que a classificação NUTS, tendo uma raiz estatística, tem também uma forte correlação com a programação e gestão do FEEI – Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, importantes instrumentos financeiros concretizáveis através dos QFP – Quadros Financeiros Plurianuais.
Subsistindo fortes disparidades socioeconómicas entre os dois territórios que integram a Área Metropolitana de Lisboa, a saber, a Grande Lisboa e a Península de Setúbal, que, sendo negativas para a coesão territorial metropolitana, prejudicam o todo nacional, considera-se haver oportunidade justificada para a alteração das respetivas NUTS 3. Esta correção está relacionada, também, com a necessidade central de afirmação da Região de Lisboa num quadro de cooperação e de competitividade, visando a retoma da soberania industrial europeia e dos desenvolvimentos harmoniosos de diversas transições perspetivadas.
A este título, o número 2 do artigo 4º (Unidades Administrativas Locais) do Regulamento (CE) 1059/2003 de 26 de maio, diz que “Até ao final do primeiro semestre de cada ano, os Estados-Membros transmitem à Comissão (Eurostat), com referência a 31 de dezembro do ano anterior, a lista de UAL indicando todas as alterações e a região NUTS 3 a que pertencem”.
Este mesmo regulamento, na sua versão consolidada atual, não regista normas que impeçam que Portugal proponha a correção agora proposta, que passa pela reconstituição da NUTS 3 Península de Setúbal e o concomitante retorno da NUTS 3 Grande Lisboa, integradas numa Área Metropolitana de Lisboa classificada como NUTS 2.
Aliás, o número 2 do seu artigo 3º, relativo aos Critérios de Classificação, refere que o “nível adequado da NUTS” deverá ser determinado com base em “limiares demográficos” pré-identificados, destacando-se que uma NUTS 3 deverá ter, no máximo, 800 000 habitantes, limiar claramente ultrapassado pela AML.
O presente processo deverá ser acompanhado por uma alteração à Lei 75/2013, de 12 de setembro, no sentido de garantir o estabelecido no Regulamento (CE) n.º 1059/2003.
Sublinhe-se, contudo, uma questão central em todo este debate: a correção perspetivada em matéria de NUTS, sendo necessária, não será por si só suficiente para garantir o objetivo, central, de financiar, com adequada potência, o desenvolvimento sustentado e a coesão socioeconómica e territorial nos territórios da Região Lisboa.
Assim, a reconstituição das duas NUTS 3 no contexto metropolitano, sem haver, por agora, a concretização, ao nível das NUTS 2, de uma solução mais eficaz e proporcionada, deverá ser acompanhada, já no âmbito do QFP 21-27 e de outros programas de financiamento especiais relacionados com a recuperação face à crise socioeconómica pós-COVID-19, por medidas de financiamento dirigido à Península de Setúbal que permitam parar e começar a inverter a marcha divergente entre as duas partes constitutivas da AML.
A concretização, ao nível das NUTS 2, de um redesenho mais eficaz para atingir os objetivos da coesão e do desenvolvimento, deverá ser promovida tendo em conta o enfoque nacional, procurando que haja consequências práticas tão cedo quanto o possível, ainda na década em curso.
Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo:
- Que promova, com carácter de urgência, a diferenciação estatística da Península de Setúbal, traduzida através da reposição da NUTS 3 nesse território, bem como no correspondente da Grande Lisboa, repondo-se a coerência organizacional e territorial existente até 2013.
- Que dê início a uma revisão mais ampla dos instrumentos estatísticos para informação regional, tendo em conta o atual referencial vigente no Eurostat, e, designadamente, que contemple a criação de um desenho de NUTS 2 que potencie os FEEI aplicáveis no território nacional.
- Que enquanto não estiver concretizada a modificação registada na alínea anterior, a administração central do Estado, sob a coordenação do Governo, estude e diligencie o apoio junto das estruturas da UE e aplique, já no QFP 21-27 medidas que assegurem a não diminuição do financiamento a toda a AML e propiciem acrescentados fluxos compensatórios para a Península de Setúbal através de todos instrumentos de financiamento disponíveis, designadamente do PRR – Programa de Recuperação e Resiliência, e de outras eventuais operações integradas.