Projecto de Lei N.º 800/XIV/2.ª

Reconhecimento e proteção do Barranquenho e da sua identidade cultural

Exposição de Motivos

O Diretor Geral da Unesco, em 2008, Ano Internacional das Línguas declarou que: "A diversidade linguística é uma das principais garantias da diversidade cultural. Assim como o multilinguismo, contribui para o desenvolvimento sustentável, reforça o diálogo, a coesão social e a paz. As línguas são um componente fundamental da cultura, são ferramentas e meio de comunicação. Mas são igualmente um fator essencial para estabelecer a identidade de indivíduos e de grupos. Com a língua os povos constroem, compreendem e expressam as suas emoções, intenções, valores, noções e práticas. Como ferramentas ao serviço de um grande número de práticas sociais, as línguas constituem um domínio altamente interdisciplinar e uma condição necessária para o respeito pelos direitos humanos fundamentais."

O dialeto barranquenho, falado em Barrancos, é uma variedade do português meridional (o alentejano) com fortes traços das variedades meridionais espanholas (andaluzas e extremenhas). A origem desta fala provavelmente esteja relacionada com os assentamentos na Idade Média em torno ao Castelo de Noudar, de súbditos do reino de Castela, em terras hoje portuguesas. A permanência desta fala mista talvez se deva ao contínuo contacto mantido entre a vila de Barrancos e as populações vizinhas espanholas – Encinasola, Fregenal de la Sierra, Higuera la Real e Oliva de la Frontera, entre outras, no que diz respeito às relações de tipo social, cultural e económico, e ao isolamento que o município tem sofrido ao longo dos séculos.

Na Vila de Barrancos é possível ouvir três sistemas linguísticos diferentes: o português – variedade alentejana; o espanhol – variedade andaluza ou extremenha; e o barranquenho propriamente dito. O português é a língua dos ofícios religiosos e dos contactos formais entre pessoais instruídas.

A presença ou ausência dos traços que conformam a fala barranquenha, maioritária na Vila, estão relacionados com o grau de conhecimento do português standard. Porém, a fala espanhola é utilizada principalmente entre pessoas da primeira e da segunda geração e também na literatura oral tradicional (canções dos “quintos”).

O “espanholismo” que se vê refletido em múltiplas vertentes da cultura de Barrancos, foi consolidado pelo elemento linguístico, o barranquenho, que geracionalmente tem contribuído para resistir a qualquer forma de anular a fusão que sempre se verificou entre os dois países, mas que nunca fez perder a noção de nacionalidade.O dialeto barranquenho tem despertado ao longo dos tempos o interesse de filólogos e de outros que não o sendo também se debruçaram sobre a dialetologia.

José Leite de Vasconcelos, o fundador da dialetologia científica em Portugal e autor do primeiro Mapa Dialetológico do Continente Português (1893/97), em 1901 na sua tese de doutoramento publicada em Paris fez a primeira referência ao Dialeto/Fala barranquenho. Mais tarde, em 1938 deslocou-se a Barrancos para conhecer in loco a fala barranquenha, e com as informações aí recolhidas consagrou a sua obra mais conhecida sobre o tema: Filologia Barranquenha, em cujo prefácio considera o barranquenho “um curioso dialeto popular usado no concelho de Barrancos que tem por base o falar do Baixo Alentejo, modificado pelo Extremenho - Andaluz, que lhe deu feição muito notável, (…) é linguagem raiana, paralela de algum modo as que falam em Miranda do Douro e na região de Xalma”.

Não se deve encerrar este ponto dedicado ao dialeto barranquenho, sem fazer alusão aos importantes e decisivos contributos da Prof. Doutora Maria Victoria Navas, da Universidade Complutense de Madrid, sobretudo a década de noventa do séc. XX. Também ela esteve várias vezes em Barrancos recolhendo informação, com o propósito de concluir trabalhos relacionados com o tema. Entre eles destaca-se a comunicação apresentada em 1992 no Encontro de Lisboa (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), sobre Investigação e Ensino de Línguas, e que intitulou “El barranqueño: un modelo de lenguas en contacto”, que serviu de base ao livro com o mesmo título, que se encontra no prelo, a editar pelo Município de Barrancos, que constitui uma das bases da presente proposta. A proximidade geográfica que existe entre Barrancos e as Comunidades Autónomas espanholas de Andaluzia e Extremadura, contribuiu notoriamente para a formação do dialeto barranquenho, primeiro com as emigrações favorecidas pelos comendadores da Ordem de Avis, contribuindo assim para que uma grande parte dos habitantes de Barrancos fossem de origem castelhana.

Este património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interacção com a natureza e da sua história, incutindo-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo desse modo para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana.

Reconhecendo-se a importância do dialeto barranquenho como fator de identidade e especificidade do povo de Barrancos, e principal gerador da diversidade cultural no seio da República Portuguesa, assume a responsabilidade de valorizar a sua função, de apoiar medidas que preservem a sua natureza, com intervenções adequadas junto dos mais jovens, e numa perspectiva inter-geracional, por forma a que não se perca este importante acervo linguístico, também enriquecedor da identidade nacional.

Valoriza-se ainda o importante trabalho desenvolvido pelo Município de Barrancos, cuja ação ao longo dos tempos foi relevante para o reconhecimento da importância deste elemento essencial da cultura.

Destacamos, que sob proposta da Câmara, a Assembleia Municipal de Barrancos, em 24 de junho de 2008, aprovou a classificação como Património Cultural Imaterial Municipal, seguidamente em 2017, foi estabelecida uma parceria com Universidade de Évora (Cátedra em Património Imaterial da Unesco/CIDEHUS), para fundamentar o estudo para classificação nacional, e posterior ensino na escola local. Ainda em junho de 2017, realizou-se o Congresso Internacional sobre o Barranquenho, promovido pela Câmara Municipal de Barrancos, e em 24 agosto o lançamento do livro da Prof.ª Dra. Victoria Navas "O Barranquenho - Língua, Cultura e Tradição".

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei reconhece o Barranquenho e estabelece medidas para a proteção, promoção e valorização dessa língua e da cultura que a enforma.

Artigo 2.º

Reconhecimento e proteção do Barranquenho

O Estado Português reconhece o direito a cultivar e promover o Barranquenho, instrumento de comunicação e de reforço de identidade cultural da população de Barrancos.

Artigo 3.º

Ensino do Barranquenho

É reconhecido o direito à aprendizagem do Barranquenho nas escolas, em articulação com a autarquia local e o agrupamento de escolas, em termos a regulamentar pelo Ministério da Educação.

Artigo 4.º

Cultura local

O Estado Português reconhece a função da língua barranquenha, enquanto património cultural imaterial na sociedade portuguesa em geral e da comunidade barranquenha em particular, e apoia a criação e promoção de programas específicos, incluindo nomeadamente a criação de Centro de Documentação e de Estudo do Barranquenho.

Artigo 5.º

Utilização em documentos

As instituições públicas localizadas ou sediadas no concelho de Barrancos, podem emitir os seus documentos acompanhados de uma versão em Barranquenho.

Artigo 6.º

Apoio científico e educativo

É reconhecido o direito a apoio científico e educativo, tendo em vista a investigação, bem como a formação de professores de Barranquenho e da cultura local, nos termos a regulamentar.

Artigo 7.º

Regulamentação

A presente lei deve ser regulamentada no prazo de 120 dias a contar da sua entrada em vigor.

Artigo 8.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor trinta dias após a sua publicação.

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