Projecto de Resolução N.º 457/XVI/1.ª

Recomenda a criação da Carreira de Médico Dentista no Serviço Nacional de Saúde

Exposição de motivos

A saúde oral é parte integrante da saúde do indivíduo, estando relacionada com funções essenciais como a alimentação, a comunicação oral ou a função respiratória. A ausência de saúde oral é indutora de um conjunto de patologias e causa de agravamento de outras condições de saúde. A ausência de saúde oral tem igualmente um impacto muito significativo no plano psicossocial, na capacidade de socialização, na empregabilidade e em geral na autoconfiança do ser humano.

A situação do acesso à saúde oral no nosso país é particularmente grave. 32% da população nunca foi ou apenas vai em emergências, a uma consulta com um médico dentista. Entre os menores de seis anos, mais de 65% nunca foi a uma consulta.

A situação da falta de acesso aos cuidados de saúde oral no nosso país está intrinsecamente ligada à exígua resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) nesta área, confirmando que, também nesta matéria, é um instrumento indispensável à concretização do direito à saúde.

Não só o acesso aos cuidados de saúde oral é amplamente insuficiente como aquele que existe se faz sobretudo através da prestação de cuidados privados, o que significa que existem sérias limitações e discriminações de caráter sócio económico na sua concretização. Portugal é o terceiro país da OCDE em que a população enfrenta mais barreiras no acesso à saúde oral. Segundo o Relatório 2023 Acesso aos cuidados de saúde oral no SNS/ Saúde Oral 2.0, “Existe um forte gradiente social na prevalência das doenças orais”.

A resposta em saúde oral no SNS tem no fundamental estado assente em iniciativas de âmbito bastante limitado, de reduzido alcance e muitas vezes dependendo da mobilização das autarquias locais para o investimento em equipamentos, matéria que não estava no quadro das suas competências. O investimento de mais de 350 milhões de euros nos programas de “cheque dentista”, aliás com pouca monitorização ou fiscalização, não se traduziu em efetivas melhorias nos indicadores de saúde oral, sendo que 40% dos cidadãos que recebem o cheque não o utilizam.

Na realidade, a ausência de cobertura das necessidades de saúde oral ao nível dos cuidados de saúde primários, apesar de sucessivos anúncios, é a razão mais significativa da falta de acesso. Seja por carência de instalações, seja sobretudo pela não contratação de profissionais, para a maior parte da população os centros de saúde não proporcionam estes cuidados.

Entretanto, está previsto no Plano de Recuperação e Resiliência um investimento de mais de 8,5 milhões de euros para investimento em Gabinetes de Medicina Dentária nos cuidados de saúde primários, para a implantação de 176 destas unidades. Para além da garantia da sua concretização, importa assegurar as condições para a manutenção e renovação destes equipamentos ao longo dos anos, bem como garantir que a totalidade da população e do território são abrangidos por esta rede.

Contudo, é decisivo que a este investimento correspondam os meios humanos necessários para que ele seja de facto colocado ao serviço das populações e não se traduza, em muitos locais, num gabinete fechado com equipamento sem utilização. É por isso necessário, para além do aumento do número de higienistas orais e de assistentes dentários, garantir a existência de médicos dentista em número adequado.

O número hoje existente de médicos dentistas a trabalhar no SNS é muito insuficiente para as necessidades da população. Nas escassas contratações existentes campeiam os contratos de prestação de serviços, sendo escassos os médicos dentistas vinculados ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Segundo o já referido Relatório 2023 Saúde Oral 2.0, dos 140 médicos dentistas a exercer no SNS, 118 estão contratados de forma precária, designadamente a recibo verde.

Há todas as condições para contratar mais profissionais e para vincular e valorizar os que estão ou que venham a estar nos serviços públicos, tendo como referência o objetivo futuro de um rácio de 1 profissional por cada 2000 utentes.

Nesse campo a criação da carreira especial de médico dentista é, desde há muito, uma necessidade imperiosa, tratando-se um instrumento decisivo para aumentar o número de médicos dentistas nas unidades do Serviço Nacional de Saúde. Esta medida é aliás preconizada, a par de medidas semelhantes para outras profissões da saúde, no Plano de Recursos Humanos na Saúde 2030, recentemente divulgado pela ACSS, tal como no Saúde Oral 2.0. Também a Provedoria de Justiça tem vindo a recomendar a criação da carreira de Médico Dentista no SNS. Esta decisão permitiria regularizar a situação dos que hoje estão contratados de forma precária e seria um forte instrumento para cativar muitos outros profissionais para trabalharem no SNS.

A criação desta carreira é tanto mais necessária quanto a carreira de Técnico Superior de Saúde, regulada pelo Decreto-Lei 414/91, de 22 de outubro, na sua versão atual, não comporta, nos ramos de atividade aí previstos, a atividade de médicos dentistas, o que significa que não há neste momento inserção adequada para a contratação destes profissionais.

O PCP tem vindo a apresentar sucessivamente propostas de criação da carreira especial de médico dentista, o que voltou a fazer na discussão do Orçamento do estado para 2025, respeitando naturalmente os direitos de negociação coletiva, que não têm obtido acolhimento na Assembleia da República e por sucessivos Governos, num total desrespeito por estes trabalhadores e desprezando as necessidades das populações.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que crie a carreira de Médico Dentista no Serviço Nacional de Saúde, respeitando o processo de negociação coletiva com as organizações representativas dos trabalhadores, e proceda à contratação de médicos dentistas para assegurar a valência de saúde oral nos cuidados de saúde primários em todo o território.

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