Projecto de Resolução N.º 403/XII

Recomenda a Criação do Estatuto de Doente Crónico

Recomenda a Criação do Estatuto de Doente Crónico

Os doentes crónicos e as pessoas com deficiência confrontam-se no seu dia-a-dia com dificuldades acrescidas. Persistem as desigualdades, sobretudo, no que diz respeito às questões de saúde e nas questões relacionadas com o trabalho.

Um vasto conjunto de associações de doentes crónicos e de associações de pessoas com deficiência entregaram uma petição na Assembleia da República, com mais de 10.800 assinaturas a reivindicar a criação do Estatuto do Doente Crónico e a tabela nacional de incapacidades e funcionalidades de saúde, para salvaguardar os direitos dos doentes crónicos e das pessoas com deficiência.

Segundo os subscritores desta petição, “em Portugal estima-se que milhares de pessoas sofram de doença crónica e que passam por problemas físicos, emocionais e psicológicos, familiares, sociais e ainda profissionais e educacionais”.

Para os doentes crónicos e as pessoas com deficiência terem acesso aos direitos determinados pelo quadro legal pela sua condição física e de saúde, têm de a comprovar através de um atestado multiusos de incapacidade, em junta médica, cuja avaliação baseia-se numa tabela de incapacidades dirigida a acidentes de viação ou de trabalho e as doenças profissionais, escamoteando muitos sintomas de saúde, que poderão ser tanto ou mais incapacitantes. Esta situação gera muitas injustiças e procede a avaliações erróneas, quanto ao estado de incapacidade de cada indivíduo decorrente de doença crónica ou de uma deficiência. Daí a necessidade de o Governo determinar o conceito de doença crónica e de criar uma tabela nacional de incapacidades e funcionalidades de saúde que dê resposta às incapacidades decorrentes das doenças crónicas, que promova uma adequada integração das pessoas com doença crónica ou com deficiência no meio social e laboral.

É também urgente que o Governo proceda à atualização das doenças crónicas. No nosso país, há ainda muitas doenças crónicas que não são ainda reconhecidas como tal, penalizando muitos doentes, que desta forma têm dificuldades em aceder a maiores apoios por parte do Estado.
Perduram muitas dificuldades para alguns doentes crónicos e pessoas com deficiência no acesso aos cuidados de saúde, devido às alterações introduzidas no regime de taxas moderadoras, no acesso aos medicamentos e medicamentos órfãos, às ajudas técnicas e dispositivos médicos e no acesso aos atestados multiusos de incapacidade.

A retirada da isenção das taxas moderadoras aos doentes crónicos, passando a estar isentos os atos médicos correspondentes à doença crónica, traduziu-se em novas injustiças, em primeiro lugar porque não há uma fronteira clara entre os atos que estarão diretamente relacionados com a doença crónica e quais não estarão, em segundo lugar porque obriga os doentes crónicos a pagarem taxa moderadora de outros atos, embora se saiba que muitas pessoas com doenças crónicas são mais suscetíveis de contraírem outras patologias e em terceiro porque há atos referentes a doenças crónicas que foram excluídos da isenção, tendo os doentes que suportar na totalidade as taxas moderadoras de montantes incomportáveis, o que na prática, impossibilita muitos doentes de acederem à saúde. Sem prejuízo de continuarmos a exigir a revogação das taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde, entendemos que os doentes crónicos devem estar isentos, independentemente dos cuidados de saúde que lhes sejam prestados.

Muitos doentes reclamam a acessibilidade aos medicamentos e aos medicamentos órfãos. Para além dos medicamentos específicos para a doença crónica, muitas vezes os utentes têm de despender montantes elevados para adquirir outros medicamentos também de que necessitam. A brutal redução do poder de compra dos portugueses, devido ao corte nos salários, reformas e pensões, as baixas reformas destes doentes, decorrente de reforma antecipada e o corte nas prestações sociais, introduziram novos impedimentos no acesso aos medicamentos. Infelizmente há muitas pessoas com doenças crónicas e com deficiência que abandonaram parte ou mesmo a totalidade dos tratamentos.

Apesar das recentes alterações legislativas no que respeita aos atos autoridades de saúde e de serviços prestados por outros profissionais de saúde pública, mantém-se o pagamento da taxa de 50 euros para o atestado multiuso de incapacidade, quando sujeito pela primeira vez a junta médica. Nenhum português durante a sua vida está livre de ter uma doença crónica. Não é justo que tenha de pagar 50 euros na primeira vez ou 5 euros em caso de renovação, pelo que propomos a isenção da taxa associada a juntas médicas e atestados médicos, sobretudo o atestado multiuso de incapacidade.

Muitas entidades patronais continuam a não potenciar as capacidades de trabalho das pessoas com doença crónica ou com deficiência, não tendo preocupações com a adequação do posto de trabalho ou das funções que lhes são atribuídas. Muitos despedem os doentes crónicos assim que tenham conhecimento dessas especificidades, desrespeitando os direitos destes trabalhadores. O Governo tem de tomar medidas claras de salvaguarda do posto de trabalho e dos direitos destes trabalhadores.

No âmbito da proteção dos trabalhadores com doença crónica ou deficiência, muito está por fazer. Muito embora sucessivos Governos se tenham comprometido com uma regulamentação específica, a verdade é que a maioria destas pessoas se encontra numa situação de extrema vulnerabilidade dado que a proteção na doença é muito limitada.

Assim, o PCP propõe a alteração o regime de subsídio por doença dos doentes crónicos e pessoas com deficiência equiparando-o ao subsídio por tuberculose previsto no Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de Fevereiro. Desta forma permite-se que o pagamento do subsídio não corresponda a 65% da remuneração de referência mas a 80% para trabalhadores com até dois familiares a cargo e de 100% no caso de mais de 2 familiares a cargo. Aplica-se ainda a inexistência de existe período de espera para atribuição do subsídio nas situações de internamento hospitalar, de incapacidade decorrente da deficiência ou doença crónica, sendo que a concessão do subsídio de doença por incapacidade decorrente de deficiência ou de doença crónica passaria a não se encontrar sujeita a limites temporais mantendo-se a concessão do subsídio enquanto se verificar a incapacidade.

Também no trabalho, os doentes crónicos e as pessoas com deficiência são duramente penalizados por força da sua condição de saúde. Sujeitos a tratamentos frequentes, à necessidade de várias consultas e acompanhamento, muitas vezes são impedidos de o fazer por insuficiência económica, dado que as faltas determinam a perda de retribuição.

Assim, o PCP propõe que, por um lado, as faltas motivadas pela doença crónica ou deficiência não determinem perda de retribuição e que os trabalhadores sejam dispensados da prestação de trabalho suplementar ou em qualquer regime de adaptabilidade caso manifestem essa necessidade e a mesma seja medicamente comprovada.

A criação do Estatuto do Doente Crónica e a tabela nacional de incapacidades e funcionalidades de saúde, com a integração de um conjunto de mecanismos legais na vertente da saúde e das condições de trabalho é fundamental, na perspetiva de inclusão das pessoas com doenças crónicas e com deficiência a nível social e laboral e na garantia do acesso a todos os cuidados de saúde em tempo útil. Em suma, que assegure efetivamente uma vida digna aos doentes crónicos e às pessoas com deficiência.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo que crie o Estatuto do Doente Crónico e a Tabela Nacional de Incapacidades e Funcionalidades da Saúde, que proteja os doentes crónicos e as pessoas com deficiência e salvaguarde os seus direitos, nomeadamente que:

a) Clarifique a definição de doença crónica;
b) Atualize a listagem das doenças crónicas;
c) Garanta a isenção do pagamento das taxas moderadoras aos doentes crónicos e às pessoas com deficiência, independentemente do grau de incapacidade e da condição económica, incluindo as taxas referentes às juntas médicas e aos atestados médicos, nomeadamente o atestado multiuso de incapacidade;
d) Assegure a dispensa gratuita dos medicamentos cuja prescrição se destine ao tratamento da doença crónica e seus efeitos colaterais;
e) Facilite o acesso a medicamentos órfãos comprovada cientificamente a sua eficiência;
f) Assegure o acesso gratuito aos tratamentos indispensáveis à melhoria da qualidade de vida do doente;
g) Assegure a dispensa gratuita dos dispositivos médicos nas mesmas condições em que se realiza a dispensa os medicamentos;
h) Crie para o doente crónico e às pessoas com deficiência as condições necessárias à aquisição das ajudas técnicas com vista a atenuar as consequências e impedir o agravamento da sua situação clinica;
i) Atendendo à importância dos cuidados primários invista na sensibilização e formação dos profissionais de saúde para a realidade das doenças crónicas e das pessoas com deficiência;
j) Garanta o cumprimento dos tempos de espera máximo garantidos no acesso a consultas, exames, tratamentos ou cirurgias essenciais à melhoria das condições de saúde e no acompanhamento dos doentes;
l) Promova o acesso aos suplementos dietéticos adequados à patologia, e que se revelem idóneos a completar a dieta alimentar do doente crónico;
m) Assegure o apoio psico – social aos cuidadores minimizando o desgaste físico, psicológico e impactos sociais decorrentes da sua função;
n) Garanta o acompanhamento dos doentes crónicos e às pessoas com deficiência que careçam de necessidades educativas especiais;
o) Desenvolva e participe em programas de apoio à investigação científica;
p) Garanta um procedimento revestido de especiais garantias de proteção dos trabalhadores nos casos de cessação do contrato de trabalho com respeito pelo princípio da proibição de despedimentos sem justa causa;
q) Promova a obrigatoriedade da entidade patronal adequar o posto de trabalho e as funções a desempenhar às especificidades concretas do trabalhador com doença crónica ou com deficiência;
r) Promova a regulamentação do horário de trabalho, que preveja períodos alargados de pausa e isenção de horário de trabalho específico, atendendo às especificidades decorrentes do trabalhador com doença crónica ou com deficiência;
s) Altere o regime de proteção na doença dos doentes crónicos, garantindo, designadamente, o pagamento do subsídio a 80% da remuneração de referência para trabalhadores com até dois familiares a cargo e 100% com mais de dois familiares a cargo, com duração igual ao tempo da incapacidade e sem período de espera nos casos de internamento hospitalar ou incapacidade resultante de doença crónica ou deficiência;
t) Altere a legislação laboral por forma a que o atual regime de faltas dos trabalhadores com deficiência ou doença crónica, quando relacionadas com a deficiência e/ou doença, não determinem a perda de retribuição;
u) Determine a impossibilidade de prestação de trabalho suplementar, noturno, por turnos ou em regime de adaptabilidade por parte dos trabalhadores com deficiência ou doença crónica, quando estes assim o declarem e apresentem certificação médica dessa necessidade;
x) Garanta a antecipação da idade da reforma sem quaisquer penalizações para os trabalhadores com deficiência ou doença crónica nos casos em que tal situação seja motivada pela incapacidade ou invalidez.

Palácio de São Bento, em 29 de Junho de 2012

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