Projecto de Resolução N.º 1020/XII/3.ª

Recomenda ao Governo que cumpra e faça cumprir a contratação coletiva no sector dos transportes rodoviários de passageiros

Recomenda ao Governo que cumpra e faça cumprir a contratação coletiva no sector dos transportes rodoviários de passageiros

A revisão do Código do Trabalho representou uma brutal redução dos rendimentos da generalidade dos trabalhadores do sector do transporte rodoviário de passageiros. Tiveram particular impacto a eliminação dos feriados, das férias e dos descansos compensatórios, a redução do valor pago pelo trabalho extraordinário e do valor pago pelo trabalho noturno.

Entretanto, o Tribunal Constitucional viria a considerar inconstitucionais várias dessas normas, nomeadamente o roubo dos dias de férias e dos descansos compensatórios, e impondo que a redução do valor pago pelo trabalho suplementar, em dia feriado ou descanso compensatório, terminasse a 1 de Agosto de 2014.

Mesmo depois dessa decisão do Tribunal Constitucional, e apesar dela, o regime que entrou em vigor permitiu ao patronato fazer reduzir o salário real dos motoristas entre 100 a 200 euros por mês, ou, noutros casos, aumentar o total do horário de trabalho em duas ou mais horas por dia para manter o mesmo salário.

As medidas do Governo, que impuseram brutais aumentos da carga fiscal e das contribuições sociais suportadas por estes trabalhadores e suas famílias, contribuíram assim ainda mais para o aumento da exploração real destes trabalhadores.

Ora, no momento atual está em curso uma vasta ofensiva cujo único objetivo é intensificar a exploração nas empresas do sector dos transportes rodoviários.

Ao longo dos últimos meses, tem vindo a verificar-se uma prática de imposição unilateral das Administrações, em atos de gestão e sem qualquer tentativa de contacto com os sindicatos, de proceder à aplicação de figura do “tempo de disponibilidade”, como forma de trabalho não remunerado.

Esta prática tem sido levada a cabo, de uma forma claramente articulada, pela EVA Transportes, Rodoviária do Alentejo, Rodoviária do Tejo, e agora desde início de Março, na Rodoviária do Lisboa e Transportes Sul do Tejo. O Grupo Transdev (incluindo a Rodoviária de Entre Douro e Minho e Rodoviária da Beira Litoral) também decidiu fazer o mesmo a partir de Maio.

Com este expediente as empresas pretendem ter os trabalhadores às suas ordens durante mais tempo sem pagar mais. O patronato pretende alargar e flexibilizar o horário de trabalho, diminuir a retribuição mensal, deixar de pagar trabalho noturno, deixar de pagar o abono da segunda refeição e reduzir postos de trabalho e evitar as coimas previstas no Código do Trabalho, relativas ao excesso de horas de trabalho extraordinário.

No caso concreto da empresa TST, por exemplo, por cada hora de “disponibilidade”, a empresa considera arbitrariamente que o trabalhador está num horário “T1” (que não implica qualquer acréscimo de pagamento), ou “T2” (que significa €1,16/hora). E já procura com isto evitar o pagamento do trabalho suplementar nos termos do recente Acórdão do Tribunal Constitucional sobre esta matéria. A empresa deixou de pagar trabalho noturno em situações em que ele é efetivamente realizado, em horário normal de trabalho (nomeadamente das 20 às 22 horas), só considerando essa vertente nas jornadas de trabalho iniciadas antes das 7 horas da manhã, descontando os tempos de disponibilidade do fim para o início da jornada de trabalho.

As administrações das empresas fundamentam a sua atitude pelo Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, que «regula determinados aspetos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividades de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006».
Ora, este Regulamento estabelece regras especificamente em matéria de tempos de condução e repouso, e não pode ser abusivamente aproveitado para impor alterações de horário de trabalho.

Aliás, importa aqui recordar o objeto formal da diretiva europeia que foi transposta pelo referido Decreto-Lei: «O objeto da presente diretiva é estabelecer prescrições mínimas relativas à organização do tempo de trabalho tendo em vista aumentar a proteção da segurança e da saúde das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário, assim como a segurança rodoviária, e aproximar mais as condições de concorrência.»

Por outro lado, o regime em causa exclui expressamente o serviço regular de transporte de passageiros, cujo percurso de linha não ultrapasse 50 quilómetros. Ou seja, a esmagadora maioria do transporte urbano está fora deste âmbito.

De resto, é uma evidência que o tempo de “disponibilidade” constitui tempo de trabalho para efeitos de retribuição, na medida em que o trabalhador não pode dispor livremente do tempo decorrido nessa situação. É aliás fácil de entender: o trabalhador está disponível para a empresa, e não para a sua família ou para a sua vida pessoal.

No entanto, esta prática de aplicar esse regime do “tempo de disponibilidade” tem sido levada a cabo nestas empresas, sem qualquer fundamento legal aceitável.

Importa referir que, além do «tempo de disponibilidade», também noutras matérias o patronato do sector tem vindo a agir à margem da Lei. É o caso das violações sucessivas do previsto na Contratação Coletiva (feriado de Carnaval, dia de aniversário, intervalos de descanso, descanso compensatório, agente único, etc.). É o caso ainda da resistência em devolver aos trabalhadores o que lhes foi ilegalmente retirado. Recorde-se a este respeito as diversas sentenças em Tribunal, proferidas a favor trabalhadores no que ao descanso compensatório diz respeito, todavia sem qualquer alteração de comportamento por parte do patronato.
De resto, o regime de horário de trabalho, o subsídio de trabalho noturno e outras normas que regem as relações de trabalho se encontram reguladas em Acordo de Empresa (AE), e em face de tudo isto as administrações procedem como se não houvesse contratação coletiva.

E novas frentes de ataque estão em preparação nesta ofensiva. Como se podia ler no Relatório recentemente encomendado pelo Governo a pretexto das ditas “infraestruturas de elevado valor acrescentado”, foi apresentada uma proposta de lei ao Governo, no sentido de criar «um regime laboral específico para os sectores do transporte rodoviário de passageiros e carga». Esta proposta, de resto, não foi partilhada com a Assembleia da República, onde reside o poder legislativo, nem com os trabalhadores do sector, numa atitude de desrespeito que é no mínimo reveladora de má-fé e medo dos trabalhadores e da sua luta.

Perante toda esta grave e inaceitável situação, é incontornável responsabilizar o Governo por esta atitude do patronato deste sector, pois tem contado com a sua sistemática cumplicidade e encobrimento.

Os trabalhadores têm desenvolvido nos últimos meses diversas e justas lutas, partindo para a defesa organizada e coletiva dos seus direitos. É exemplo disso mesmo o plenário geral dos trabalhadores da Rodoviária do Tejo, Rodoviária de Lisboa e Transportes Sul do Tejo, que teve lugar no dia 28 de Março, em frente à sede da Barraqueiro, que simultaneamente preside à associação patronal do sector. Na empresa TST, os trabalhadores realizaram recentemente duas jornadas de luta com greves de 24 horas e prosseguem no cumprimento rigoroso das oito horas de trabalho diário.

Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, face à situação que se tem verificado no sector dos transportes rodoviários de passageiros, resolve recomendar ao Governo o seguinte:

1. Que reponha o primado da contratação e negociação coletiva, fazendo respeitar a contratação existente e terminando com as expectativas patronais de nova imposição unilateral legislativa de caráter “imperativo”.

2. Que faça cumprir de forma efetiva a Legalidade neste sector, nomeadamente através da pronta atuação da Autoridade para as Condições de Trabalho.

Assembleia da República, em 30 de abril de 2014

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