Projecto de Resolução N.º 964/XII/3.ª

Recomenda ao Governo a criação de serviços de atendimento permanente em horário alargado

Recomenda ao Governo a criação de serviços de atendimento permanente em horário alargado

Nas últimas semanas não faltaram relatos de casos concretos que evidenciam a situação de rutura em que se encontram os serviços de urgências hospitalares. Situações concretas que denunciam os elevados tempos de espera para atendimento nos serviços de urgências de inúmeros hospitais de norte a sul do país, tempos de espera que atingem 8, 10, 12 ou mais horas.
A sobrelotação dos serviços de urgências hospitalares, nem de longe, nem de perto se trata de uma situação pontual. Aliás, esta é uma situação que se tem vindo a agravar e torna bem visível o desinvestimento público no Serviço Nacional de Saúde, imposto pelos Governos, em especial pelo Governo PSD/CDS-PP.
Contrariamente ao que o Governo apregoa, a sobrelotação dos serviços de urgência hospitalares não decorre apenas, nem principalmente dos picos de afluência, mas sim dos encerramentos ou redução de horário de funcionamento de serviços de proximidade e da redução das equipas de profissionais de saúde que asseguram o serviço de urgências.
O Ministro Correia de Campos, do Governo do PS, iniciou uma política de encerramento de serviços de atendimento permanente (SAP) pelo país. Em algumas localidades encerrou SAP para os substituir por ambulâncias, como se fosse a mesma coisa. A verdade é que por todo o país as populações, perderam um serviço de proximidade, que dava resposta a situações menos urgentes, evitando a sua deslocação ao hospital.
Entretanto, o Governo do PSD/CDS-PP não contente, decidiu encerrar ou reduzir o horário de funcionamento de mais serviços de proximidade, dificultando ainda mais a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde.
Nos últimos anos encerraram vários serviços de proximidade, contudo destacam-se:
- Encerramento do SASU do Porto, substituindo-o por um atendimento complementar com horário de funcionamento muito mais reduzido;
- Encerramento do SAP de Sesimbra durante as 24 horas e redução do horário de funcionamento do SAP de Amora, no Distrito de Setúbal;
- Encerramento dos SAP no Distrito de Viana do Castelo, nomeadamente em Melgaço, Arcos de Valdevez, Valença e Paredes de Coura;
- Encerramento do atendimento complementar de Alhos Vedros ao fim de semana, encaminhando os utentes para o atendimento complementar da Baixa da Banheira que aos sábados funciona entre as 9h e as 20h e aos domingos entra as 8h e as 14h, no Distrito de Setúbal;
- Encerramento do SAP de Idanha-a-Nova e de Oleiros durante as 24h, no Distrito de Castelo Branco;
- Encerramento do SAP de Vieira do Minho e de Póvoa de Lanhoso no Distrito de Braga;
- Encerramento de vários SAP ao fim-de-semana e redução do horário de funcionamento no Distrito de Évora.
Há localidades em que os SAP foram substituídos por serviços designados por de “atendimento complementar” ou “consulta aberta”, com menos recursos humanos e com um horário de funcionamento muito restrito, que impossibilita uma resposta adequada às necessidades das populações.
Se por um lado, o Governo dá como justificação o brutal aumento das taxas moderadoras dos serviços de urgências hospitalares para evitar as falsas urgências, por outro lado, ao encerrar ou reduzir o horário de funcionamento de serviços de proximidade, deixa as populações sem opção e empurra-as para os serviços de urgências hospitalares, porque em muitos momentos é o único serviço público de saúde em funcionamento. Para além de erradas opções políticas, não deixa de existir uma contradição.
Segundo os últimos dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), de novembro de 2013, nos SAP houve menos 275.261 episódios comparativamente com o período homólogo o que é revelador das consequências da redução de SAP no país . E embora haja um aumento nos episódios das urgências hospitalares, a situação não é pior, porque há muitas pessoas que não têm condições financeiras para suportar os custos das taxas moderadoras que poderão ir até 50 euros aos quais acresce o valor das deslocações.
Mas não é só os episódios de SAP que diminuem, as consultas presenciais nos cuidados de saúde primários também diminuem. Isto significa que as pessoas adiam a ida ao médico por dificuldades económicas, com consequências naturalmente, na degradação do seu estado de saúde. Muitas das vezes quando recorrem a um serviço de saúde, a sua situação está de tal modo debilitada, que o episódio de urgência acaba em internamento. Por exemplo, o Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta refere que há situações cada vez mais graves nos episódios de urgência.
Há membros de Governo que afirmam que cerca de 50% das situações de urgências, são falsas urgências. Mas não se questionam porque isto acontece? Porventura, consideram que as pessoas se deslocam a um serviço de urgência hospitalar, sabendo antecipadamente que terão de esperar um longo período, porque é agradável e não porque não se sentem bem?
Efetivamente, admitimos que possa existir um elevado número de situações designadas de “falsas urgências”, isto é, situações, que caso existisse uma resposta adequada ao nível dos cuidados de saúde primários poderia aí ser resolvida. Estas situações acontecem porque o Governo não investe nos cuidados de saúde primários, ao contrário desinveste, reduz profissionais de saúde, reduz serviços e valências, reduz horários, incapacitando-os de cumprir as suas funções.
Para além do reforço das equipas dos serviços de urgências hospitalares, com mais profissionais de saúde e profissionais de saúde com vínculo público e integrados numa carreira e não prestadores de serviços ou empresas de trabalho temporário, que permita aos serviços dar uma adequada resposta; a reversão do processo de concentração e redução de serviços hospitalares, como é exemplo o Algarve, o Oeste, o Médio Tejo, Coimbra ou numa outra perspetiva o fim da dita “urgência metropolitana”, a existência de uma rede de cuidados de saúde de primários, efetivamente próximos das populações é essencial para reduzir a elevada afluência de pessoas aos serviços de urgências hospitalares.
Na nossa opinião, a resolução deste problema passa pela existência de serviços de proximidade que deem resposta às necessidades das populações. Deste modo evitam-se os elevados tempos de espera e entupimento dos serviços de urgências hospitalares, assim como maiores deslocações das pessoas ao hospital (que em determinadas situações pode ficar a 50, 70 ou mais quilómetros e com tempos de percurso superiores a uma hora), resolvendo a situação num serviço de saúde próximo da sua área de residência.
Como medida imediata e urgente, sem prejuízo de uma intervenção coerente e abrangente de reforço da capacidade do Serviço Nacional de Saúde nos seus diferentes níveis e da existência de uma articulação entre cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares e cuidados continuados; o Grupo Parlamentar do PCP propõe a existência de pelo menos um serviço de atendimento permanente por concelho (possibilitando a existência de mais por concelho, atendendo à dimensão da população e suas características), que funcione no mínimo entre as 8 horas e as 24 horas, sem prejuízo de em determinados Concelhos funcionar durante 24 horas, atendendo à demografia, acessibilidades e mobilidade e às condições económicas e sociais da população. Obviamente que esta proposta teria de ser acompanhado do reforço de profissionais de saúde, que garantam o funcionamento destes serviços.
O funcionamento dos SAP em horário bastante alargado não colide com a atual rede de urgências a nível nacional. Seria um serviço complementar.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1. Garanta a existência de pelo menos um serviço de atendimento permanente por Concelho, mantendo em funcionamento os atualmente existentes e instalando aqueles cuja necessidade se justifique considerando o número de habitantes e as características da população.
2. O serviço de atendimento permanente funcione no mínimo entre as 8 horas e as 24 horas, podendo inclusivamente funcionar durante 24 horas, atendendo-se à demografia, acessibilidades e mobilidade ou ainda às condições económicas e sociais da população.
3. Promova a contratação dos profissionais de saúde necessários para dar esta resposta ao nível dos centros de saúde e dos serviços de atendimento permanente.

Assembleia da República, em 20 de Fevereiro de 2014

Os Deputados,

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