O cancro é hoje a primeira causa de anos potenciais de vida perdidos e prevê-se que rapidamente venha a ser a primeira causa de morte (atualmente é segunda, imediatamente atrás das doenças cardiovasculares). As projecções de organizações internacionais como a OMS apontam para um aumento da sua incidência, que se estima vir a ser de 30% até 2030 e de quase 100% até 2050.
Perante estas estimativas avassaladoras, exige - se a adoção de políticas públicas de saúde sérias e coerentes, que permitam aos serviços de oncologia manterem a capacidade de resposta às necessidades dos doentes e respetivas famílias.
Este objectivo deve ser conseguido através do investimento público na prevenção e no diagnóstico precoce bem como na criação de estruturas que garantam o acesso a cuidados especializados de qualidade e em tempo útil.
A adequada planificação e a adopção de estratégias baseada na melhor evidência científica e na excelência organizativa constituem aspectos centrais do combate ao cancro, em primeiro lugar, do ponto de vista da saúde das pessoas, mas também na vertente dos custos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Nos últimos anos, a área da oncologia tem conhecido um grande desenvolvimento, através da incorporação de novos métodos de diagnóstico e de tratamento que vieram contribuir de forma relevante para a significativa diminuição da taxa de mortalidade observada. No entanto, esta inovação deve estar associada à organização, ao planeamento e ao financiamento adequado dos serviços de oncologia, o que pressupõe a existência, nas instituições que tratam o cancro, de equipas multidisciplinares com elevada diferenciação que reúnam as valências relevantes para o tratamento da doença, incluindo o apoio psicológico para os doentes e respetivas famílias; e a proximidade da prestação de cuidados em oncologia, que a realidade já demonstrou ser muito eficaz, permitindo uma maior igualdade no acesso a cuidados de qualidade especializados. Para além das vantagens no plano dos resultados, a estratégia assente na proximidade dos serviços potenciou também a otimização dos recursos públicos disponibilizados.
Segundo um estudo realizado por um grupo de investigadores da Universidade de Oxford, Portugal é o segundo país da União Europeia a 27 com menor custo por doente tratado e o terceiro em custo per capita; simultaneamente mantém um bom nível de qualidade, situando-se na média da União Europeia a 11, de acordo com os dados da OCDE. Lembramos também, a este respeito, as conclusões do artigo intitulado “Custo do Tratamento do Cancro em Portugal”, de António Araújo et al, Acta Med Port 2009, 22, pp. 525-536, que citamos: “Considerando a carga da doença entre as doenças cardiovasculares e o cancro em Portugal, pode-se afirmar que os gastos com o tratamento do cancro em Portugal ficam aquém do que seria esperado. Usando o critério de despesa de acordo com as necessidades verificámos um diferencial entre despesa/carga da doença no cancro, dando a entender que o tratamento do cancro parece estar sub-financiado em Portugal”. Pensamos, deste modo, que estas conclusões exigem a tomada de medidas pelo Governo, no sentido do reforço do financiamento do Serviço Nacional de Saúde, atendendo às necessidades da população.
Uma das grandes fragilidades com que a área da oncologia se confronta é a carência de recursos humanos, particularmente de médicos e enfermeiros. Em Portugal existem metade dos especialistas em oncologia e radioterapia necessários, considerando os rácios internacionais e quanto aos enfermeiros especialistas em oncologia existem menos de metade dos efetivos necessários.
Durante este ano estima-se que sejam diagnosticados três mil e quinhentos a quatro mil novos casos de cancro no Distrito de Setúbal.
Só com uma organização e funcionamento em complementaridade das unidades hospitalares, principalmente na área territorial correspondente à Península de Setúbal (que apesar de aprovado, continua por implementar), pode ser possível absorver este aumento da casuística, sem pôr em causa a multidisciplinaridade e a melhoria da qualidade assistencial, optimizando os recursos existentes. Só a aposta no desenvolvimento de uma plataforma que una as unidades hospitalares da Península e que permita criar um centro de excelência para a oncologia, associado à investigação e ao ensino, poderá tornar possível dar uma resposta adequada às necessidades de cuidados de saúde da população. A centralização de doentes em serviços saturados ou sem terem capacidade para os atender não pode ser a solução.
O Centro Hospitalar do Barreiro/Montijo é a única unidade da Península que detém o ciclo completo para o tratamento das doenças oncológicas. O serviço de radioterapia tem certificação de qualidade e o serviço de oncologia tem idoneidade formativa, elemento fulcral, para o futuro do próprio serviço. A oncologia no Barreiro garantia o atendimento da doença aguda oncológica, através da presença de um médico oncologista durante 365 dias até às 24h.
Entretanto, a área da oncologia do Centro Hospitalar Barreiro/Montijo não está imune à carência de profissionais de saúde. A falta de especialistas no Barreiro compromete a sua capacidade para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos doentes oncológicos. Num curto espaço de tempo, o serviço de oncologia perdeu vários especialistas de oncologia a tempo inteiro, sem terem sido substituídos. A iminência de um eventual encerramento pairou sobre os doentes e os profissionais de saúde, embora o Governo continue a afirmar que não tem a intenção de encerrar o serviço.
Dos três especialistas necessários, o Governo só promoveu a abertura do concurso público para a contratação de um médico da especialidade de oncologia e outro de radioterapia.
É de uma total irresponsabilidade, sobretudo após a realização do grande investimento público, que foi necessário fazer, para criar um serviço de oncologia e posteriormente de radioterapia, dotados de tecnologia avançada e que protagonizaram a melhoria do atendimento aos doentes oncológicos, que o Governo não tome as medidas para solucionar as carências existentes. Esta situação é ainda mais incompreensível, quando é assumido que a oncologia é a área de desenvolvimento estratégico do Centro Hospitalar Barreiro/Montijo e o motor para a sua diferenciação, atendendo à sua elevada diferenciação técnica.
Face a esta situação, os doentes organizaram-se para defender o acesso aos cuidados de saúde oncológicos no Barreiro. A Associação de Mulheres com Patologia Mamária do Barreiro dinamizou uma petição com cinco mil subscritores pela defesa da continuação da prestação de cuidados oncológicos pelo Centro Hospitalar do Barreiro/Montijo e pela defesa da igualdade no acesso aos cuidados de saúde de qualidade.
O adiamento da resolução definitiva das carências registadas no serviço de oncologia do Centro Hospitalar Barreiro/Montijo, demonstra um comportamento desumano do Governo, relativamente aos doentes oncológicos, que pelas características da sua patologia já se encontram numa situação de fragilidade, agravada pela instabilidade quanto ao funcionamento deste serviço.
Assim, defendemos que deve ser garantida a estabilidade do serviço de oncologia do Centro Hospitalar do Barreiro/Montijo bem como a sua dotação com os profissionais de saúde necessários para responder em tempo útil aos doentes oncológicos que o procuram, bem como implementar de forma rápida o funcionamento em complementaridade dos serviços de oncologia das unidades hospitalares da Península.
Este caso concreto, infelizmente não corresponde a uma situação pontual, é resultado das opções políticas do Governo de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, seja pelo subfinanciamento crónico dos estabelecimentos públicos de saúde, conduzindo-os à total asfixia financeira, seja pelas medidas restritivas implementadas, que afetam os trabalhadores da Administração Pública, como a limitação na contratação de profissionais saúde com vínculo público ou o consecutivo desrespeito pelos seus direitos.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1. Assegure a continuidade e a diferenciação do serviço de oncologia do Centro Hospitalar Barreiro/Montijo, através da contratação dos especialistas necessários, nomeadamente de médicos oncologistas e radioterapeutas e enfermeiros especialistas nesta área, de forma a garantir um elevado nível de qualidade e diferenciação, bem como a prestação de cuidados aos doentes em tempo útil;
2. Promova a organização e funcionamento de equipas multidisciplinares para o diagnóstico, tratamento e apoio aos doentes oncológicos e respetivas famílias;
3. Implemente um modelo de complementaridade dos três serviços de oncologia nos hospitais da Península de Setúbal, capaz de optimizar a sua actual capacidade instalada e de potenciar os recursos existentes, garantindo assim, a proximidade da prestação de cuidados diferenciados.
Palácio de São Bento, em 23 de maio de 2013